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Rendimento Básico Incondicional (RBI)

António Dores

O António é um militante do RBI. E confrontou-me: para ele há uma campanha educativa a fazer sobre o assunto e a comunicação social é o campo de eleição. As pessoas não sabem o que é o RBI. E enquanto não souberem não haverá hipótese de se vir a adoptar uma tal política nem – o que é o mais importante – beneficiar dos seus resultados milagrosos.

Cá me apresento a cumprir (gostosamente) a minha missão: educar os leitores sobre o que é o RBI e sobre os fins que promete atingir. Comecemos por aquilo que não é o RBI.

Não é um acto de caridade – embora pelo seu lado milagreiro possa ser bem acolhido pelo Papa Francisco. Não é uma dádiva. Não é uma política social. Também não se deve interpretar o “básico” como uma depreciação do seu valor pessoal e social; nem como um condicionamento das despesas elegíveis com esse rendimento. Básico significa ser acumulável com outros rendimentos mas, caso não haja outros rendimentos, sozinho o RBI assegurará uma vida digna a cada um ou uma que o receba – que deverão poder ser todos.

O princípio não é ideológico. Isto é, conservadores, liberais, cristãos, sociais-democratas, comunistas, neo-liberais, não estão habituados a incluir esta política no seu portfólio de instrumentos. Mas não são conhecidas objecções de princípio a essa possibilidade. Simplesmente nunca se viveu um entusiasmo popular em torno desta ideia, nem nenhum partido se lembrou de usá-la para acalmar os ânimos de multidões exaltadas.

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Na época em que os partidos queriam sobretudo marcar as diferenças entre si, para poderem concorrer no mercado eleitoral, o RBI não marcava diferenças. Hoje em dia, dada a recessão que se vive nesse mercado politiqueiro, pode ser – está a ser – uma oportunidade para quem pretenda dinamizar a democracia, isto é, o debate político sobre os modos de trazer bem-estar às populações – em vez das promessas de empobrecimento, exclusão, desemprego e outras punições a que temos assistido.

Para mim foi esta a pedra de toque: uma luz em cima do túnel do horror que nos apresentam pela frente. Confesso que não posso evitar a repugnância pela maioria dos seres humanos que me entram pela casa a dentro a partir dos ecrãs de televisão. E isso faz mal a minha saúde. E à dos que convivem comigo.

Agora – já se deu o milagre – quando tenho conhecimento de um problema penso para mim: e se houvesse RBI as crianças chegariam à escola famintas? E as escolas teriam de preparar refeições para os seus alunos de forma sistemática, porque os pais não tem como lhes dar de comer? E as autarquias que dão de comer às crianças não se preocupariam com a fome dos pais dessas crianças? E os estudantes poderiam manifestar a sua inquietação por não estarem a ser capazes de pagar as despesas da sua educação? E os doentes poderiam argumentar não terem dinheiro para ir ao médico ou comprar medicamentos? E poderia haver trabalhadores a receber salários que não lhes permitem sair da pobreza ou da miséria, por terem de alimentar bocas a mais com salário a menos?

O RBI é apenas uma ideia – já com décadas de existência – a querer transformar-se numa plataforma política de discussão democrática – assim ela venha a ser possível de se reanimar. Os princípios são simples e claros: é um rendimento atribuído a a) cada indivíduo; b) todos os indivíduos; c) sem contrapartidas ou controlo social associado; d) capaz de garantir uma vida condigna, para toda a vida, a uma pessoa sem problemas especiais, http://www.rendimentobasico.pt. Os métodos de divulgação são as propostas de debates públicos e a organização de experiências locais (façam chegar propostas a antonio.dores@iscte.pt que eu corresponderei).

Numa aldeia, numa região, num país, o Estado distribui a cada membro da população um rendimento, apenas por ser membro da população. Os objectivos políticos são acabar com a miséria, atacar a estigmatização espontânea associada à condição dos miseráveis, assegurar condições materiais para manutenção da auto-estima pessoal, mesmo em situações depressivas e de isolamento social, financiar directamente a economia social e solidária, de forma previsível, assegurada, de modo a recompensar o voluntariado (nomeadamente das mulheres que continuam a ser castigadas por baixos salários e trabalhos de méritos fundamentais para a sociedade mas não reconhecidos, como as tarefas domésticas) e favorecer a actividade socialmente útil auto-organizada daqueles que não podem ou não querem encontrar trabalho assalariado, em vez de se entregarem e serem encurralados na depressão, que a todos afecta.

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Wilkinson e Pickett, epidemiologistas, escreveram um livro traduzido para português sob o título de Espírito da Igualdade. E demonstraram estatisticamente que nos países onde as desigualdades de rendimentos são menores os problemas sociais (violência, saúde, abandono escolar, gravidez juvenil, drogas, encarceramentos, etc.) também são consistentemente menores. Haverá um efeito holista de pacificação, digamos assim, ligado à situação de menor desigualdade de rendimentos, independentemente dos regimes políticos. Isto é, do RBI espera-se não apenas mais actividade solidária, para conforto geral, como efectivamente, mesmo sem RBI, a redução das desigualdades de rendimentos (no nosso caso, obtida por baixo, aumentando os rendimentos dos mais pobres, impedindo a miséria) terá necessariamente efeitos práticos, nomeadamente na dispensabilidade das despesas em serviços repressivos e sociais que o bem-estar social possibilitará.

É esse o milagre que estamos à espera de poder ver realizado. Distribui-se dinheiro por todos sem condições e em quantidade suficiente e, se não se fizer mais nada que estrague o efeito – como poderá ser o condicionamento da atribuição de rendimentos a preconceitos moralistas, xenófobos, discriminatórios, que tornarão o RBI numa política de confirmação e reprodução da pobreza e do crime – se não se fizer nada (é mesmo milagre) o bem-estar generaliza-se, a benefício de todos.

Acontecendo isto, não será o fim da história nem o fim das ideologias. Pelo contrário: outro galo cantará: serviços e trabalhos imorais (exploração, repressão, poluição, maus tratos a pessoas e animais, assédio, corrupção, discriminação) passarão um mau bocado, porque só continuarão a existir enquanto as pessoas se sujeitarem a sofrer e calar. Novos horizontes de justiça social passarão a estar a nosso alcance.

António: o RBI será o que os decisores políticos quiserem. A nós – meros mortais – cabe-nos reclamar democracia e liberdade (o que não está fácil). Poderá o RBI mobilizar ondas democráticas capazes de romperem o cerco das oligarquias cleptocráticas em torno dos partidos e do Estado? Depende da nossa liberdade de acção. E da dos leitores.

 

Por vontade do autor, e de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

 

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1 Comment

  1. Filipe Quitério

    Bom dia,

    Parabéns António pelo teu texto, gostei de ler com base na antiga ortografia, e de facto o Mundo gira ao contrário por estarem coisas à frente dos seres vivos, este Estado Plutocrático e indiferente comete crimes por omissão contra os cidadãos e quase sempre a impunidade é a regra, aguardemos para ver se a riqueza começa a ser partilhada de forma mais justa porque cada vez são mais os que caem na armadilha da pobreza, e são muito poucos aqueles que conseguem sair. Abraço e saudações, quando estiver melhor vou juntar-me novamente ao grupo que a minha cabeça deu um estouro. Filipe Quitério

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