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O Porto e os autos-de-fé

Maximina Girão Ribeiro

Portugal, como outros países católicos da Europa (Espanha e Itália) teve em funcionamento um tribunal eclesiástico, a Inquisição ou Santo Ofício que foi estabelecida no país, em 1536, no reinado de D. João III, ou seja, cerca de meio século depois da conversão forçada dos judeus, facto que tinha ocorrido, em 1497. Assim, os cristãos-novos foram, entre toda a população portuguesa, as maiores vítimas da Inquisição porque, este tribunal eclesiástico defendia a fé católica, vigiando, perseguindo e condenando os que fossem suspeitos de praticar outras religiões, cometer heresias, como também realizava uma apertada vigilância sobre o comportamento moral de cada pessoa e sobre toda a produção intelectual.

Auto-de-fé da Inquisicao portuguesa

O auto-de-fé, que significa “acto da fé”, consistia num ritual de apresentação pública dos condenados pela Inquisição. Eram, portanto, cerimónias realizadas em locais que albergassem muitas pessoas (uma praça pública, um pátio,…) para que pudessem assistir àquilo que se considerava um “espectáculo moralizante” e que constava de várias etapas, entre elas, um sermão inicial, a leitura da sentença, a encenação, a procissão, até à execução dessas mesmas sentenças inquisitoriais infringidas aos condenados, os quais não tinham tido qualquer hipótese de defesa nem, tão pouco, conhecimento de quem os denunciara, ou inventara uma falsidade a seu respeito. Assim, só lhes restava a morte na fogueira: serem queimados vivos!

Lisboa_auto-de-fé

Os presos eram trazidos em procissão para a praça pública, pela manhã, descalços e empunhando uma vela de cera.  Normalmente, estas cerimónias eram realizadas ao domingo e duravam, no mínimo, um dia inteiro. Eram espectáculos que atraiam centenas de pessoas que se amontoavam no terreiro, nos muros, nos telhados, ávidos de observarem a humilhação e a crueldade com que eram tratados os condenados, até ao final de muitos destes seres humanos, amarrados a um poste e queimados.

1_placa_Porto

No Porto, o tribunal eclesiástico, funcionou na rua Chã e tinha audiências diárias de manhã e à tarde. A princípio, os presos eram alojados no aljube do bispo e, a partir de 1544, surgiu um novo presídio, na rua Escura.

Ao longo do tempo, tem-se discutido muito sobre a quantidade e a localização de autos-de-fé, no Porto. O assunto tem sido bastante polémico, porque há vários autores que defenderam que apenas existiu um, em 11 de Fevereiro de 1543. Outros autores aventam a hipótese de terem existido dois. Quanto ao local onde se procedeu ao cerimonial do auto do Santo Ofício também há erros que foram veiculados ao longo dos séculos. Por estes motivos, as conjecturas são, por vezes, discrepantes e contraditórias. Estes erros, por certo, advêm de uma incorrecta interpretação de documentos antigos e, também o facto de, durante muito tempo, não terem sido encontrados outros documentos comprovativos de ter havido dois autos-de-fé, no Porto.

Bispo D. Frei Baltasar Limpo
Bispo D. Frei Baltasar Limpo

Assim, o auto-de-fé de 11 de Fevereiro (primeiro domingo da quaresma) do ano de 1543 que é indicado como tendo tido lugar na Porta do Sol, não pode ser verdade por que, nessa data, essa porta ainda não existia, apenas existia o Postigo do Carvalho, junto ao convento de Santa Clara. Este auto-de-fé ocorreu, sim, mas no Campo do Olival (actual Cordoaria). Neste cerimonial desfilaram setenta e quatro penitentes, dos quais, quatro foram queimados vivos, vinte e um em efígie*, enquanto quinze foram condenados a prisão perpétua e quarenta e três a detenção temporária. Era, por essa altura, bispo do Porto, D. Frei Baltazar Limpo.

Um segundo auto-de-fé terá ocorrido, também no Campo da Porta do Olival, 14 meses depois do primeiro, em 27 de Abril de 1544.

Lisboa_Procissão do Auto-de-Fé

Com a bula de Paulo III, de 16 de Julho de 1547, a Inquisição do Porto foi encerrada e não voltou a ser reaberta nesta cidade, sendo transferida para Coimbra, assim como os respectivos processos que aí foram arquivados, de acordo com a ordem do Conselho da Inquisição.

A Inquisição portuguesa foi sendo extinta, gradualmente ao longo do século XVIII, mas só com o Liberalismo teve lugar a sua extinção formal, numa sessão das Cortes Gerais, em 1821.

(*efígie – representação simbólica de uma pessoa.)

Fotos: pesquisa Google

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

01mai18

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