A convite do presidente da Câmara de Lamego, Ângelo Moura, a coordenadora da Tertúlia Artes e Letras, Aurora Simões de Matos e a Presidente da Comissão de Festas em Honra da Nossa Senhora dos Remédios, Ana Catarina Rocha, a Tertúlia Artes e Letras teve geografia no Salão Nobre dos Paços do Concelho em Lamego.
Inserido no programa das Festas da Nossa Senhora dos Remédios, a Tertúlia Artes e Letras dirigida pela professora Aurora Simões de Matos, fundadora, fez, do dia 4 de Setembro último, uma homenagem às Festas da Cidade, à sua história maioritariamente religiosa e etnográfica, desde os tempos primórdios até à atualidade.
Lurdes Pereira
(texto)
Dando voz a algumas figuras ilustres, a Tertúlia iluminou a noite nas áreas da teologia, literatura, política, memórias, património e etnografia. “Artes e Letras” brindaram em honra das festas da Nossa Senhora dos Remédios, “a Romaria de Portugal”, acompanhando a história, a tradição e a modernidade. Entre o religioso e o profano, as temáticas inerentes enriqueceram a noite interpolada com alguns comentários que, a qualquer instante, salpicavam da atenta plateia.
A primeira intervenção foi, de facto, sublime. O sr. padre Dr. João António Pinheiro Teixeira explicou toda a história religiosa que envolveu a Padroeira, Nossa Senhora dos Remédios, e seu envolvente e monumental ex-Libris.
Diz o ditado: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, mas “Os Remédios” é uma performance de narrativas que alimenta e mantém uma tradição que vem de muito longe. Pensando só a nível do Norte de Portugal há várias romarias, que mantêm a sua singularidade, mas na Região Douro Sul, A Nossa Senhora dos Remédios é uma marca de identidade e rosto da cidade de Lamego.
Se há mudanças a verificar deve-se, sobretudo, a um processo longo porque do exclusivamente religioso, aos poucos, Lamego foi anexando algo de profano até chegar aos nossos dias com uma agenda a transbordar de eventos. Todos os anos, entre Agosto e Setembro, Lamego acorda em euforia, incluído um vasto e ecléctico cartaz profano paralelo ao cartaz religioso.
A obra de Frei Agostinho de Santa Maria faz referência às romarias já em 1711. Contudo, podemos recuar ainda mais no tempo, ao séc. XVI, altura em que D. Manuel de Noronha, Bispo de Lamego, manda demolir a velhinha ermida de Santo Estêvão para, no lugar do conhecido Pátio dos Reis, erguer uma ermida sob invocação da Nossa Senhora dos Remédios. Esta também foi demolida para dar início à majestosa obra de arte que o monte de Santo Estêvão suporta, desde a cidade até ao seu cume.
No início do século XX, as entidades civis e religiosas conciliaram a realização da festa religiosa com as festas da cidade, dando-lhe uma nova dimensão simbólica. A festa da cidade tem raízes culturais e históricas robustamente implantadas nas tradições locais, enquanto a festa religiosa é tão antiga como a própria devoção tendo obedecido, ao longo do tempo, às regulamentações da Igreja.
Se, até à década de 30, os cartazes publicitavam a Romaria com Festas da Cidade, nos anos 40 são denominadas as “grandiosas festas da cidade”. Na rota da história gráfica, em 1958 foi designada por “A maior romaria portuguesa” e, finalmente, em 1959, “A Romaria de Portugal,” talvez por orgulho ou critério popular, direitos de autor ou talvez a maior em Portugal à altura.
As festas da Nossa Senhora dos Remédios têm várias singularidades na harmonia que criou entre o sagrado e o profano.
Surge em 1924, a Marcha Luminosa, inspirada nas Marchas Milanesas. O conceito foi o mesmo ao longo dos tempos, mudando a forma de vida e consequentemente as várias temáticas que a preenchiam, permanecendo as questões históricas, lendárias, sociais… e, julgo que a nudez também terá ganho algum terreno. Trata-se de um desfile que acaricia o satírico, o musical, o etnográfico, o social, a nudez e a performance musical cruzada com o ritmo corporal e malabarismos dos instrumentos populares.
O cortejo contagia! Ano após ano, um mar de gente que, curiosos, cuscam as performances expostas em quadros luminosos e coloridos.
Apesar de ter deixado de sair à rua, nos anos 50, com o recurso da eletrificação dos carros alegóricos para a marcha luminosa, Lamego recuperou essa memória, única em Portugal e, que a mantém, até hoje, com a mesma identidade.
Quem fala da Marcha Luminosa, fala da Batalha de Flores como uma das principais atrações das Festas em Honra de N. S. dos Remédios e tem um enorme potencial recreativo e cultural. É um número maravilhoso!
Mas, é sobretudo a Majestosa Procissão de Triunfo que justifica a singularidade da Romaria, uma constante do auto da fé que pouco terá mudado. É uma manifestação religiosa que nos atrai pela fé, pela beleza, pelas emoções, pelas tradições ou pela herança cultural.
A Nossa Senhora navega com os anjinhos na sua barca, num andor puxado por juntas de bois. Toda a procissão é colossal! Há organização, há disciplina. Guardas a cavalo, escuteiros, fanfarra, estandartes, figurantes, andores, bandas, clero, autoridades e fieis. Um conjunto riquíssimo e coloridos de tecidos garridos como manda a liturgia.
O santuário é a centralidade, que concilia a tradição e modernidade. De facto, esta procissão, só por si, marca e define a romaria como património imaterial das tradições religiosas. Por tradição, a procissão sai da Igreja das Chagas, percorre algumas artérias da cidade elaborada pelos seus andores e o seu mar de figurantes.
A singularidade maior da procissão deve-se ao facto dos seus andores serem puxados por juntas de bois. Uma tradição que remonta o ano de 1894 tendo, depois de proibida, sido sancionada, em 1952, pela Sagrada Congregação de Ritos, conseguindo recuperar a tradição e homenagear as gentes do campo porque era das zonas rurais que vinham os carros de bois com os materiais para a construção da obra arquitectónica.
Por isso, que vem às festas pode dizer: “Afinal, Lamego não é só bôlas, espumante e presunto”, Lamego é uma cidade poema, tem o rosto feminino e majestoso de uma Senhora chamada “Remédios”!
A romaria de Portugal é singular, não nos podemos esquecer que a singularidade deve-se à religião e à sua monumentalidade. E, se afirmam recuperar a grandiosidade de outrora é justo que a grandiosidade da Fé seja sempre a causa maior nesta cidade para que Lamego continue esta estrada do eterno regresso às origens.
Lembro que tudo isto, e muito mais, foi tema na Tertúlia das “Artes e Letras”, cujo desfecho da noite não podia ser mais brilhante, Aurora Simões de Matos despede-se com um belíssimo poema popular, tema conhecido pela voz de Isabel Silvestre. Além de poetisa de suprema sensibilidade destas terras de xisto, cantou, à capela, em honra da Nossa Senhora dos Remédios e em honra de todos os seus mais distintos fiéis da cultura lamecense.
Fotos: João Pedro Silva (JPS), Lurdes Pereira (LP) e Rui Jorge Pires (RJP)
01out18
Obrigada pelas doces palavras. De facto, eu sou uma idolatra das tradições, das identidades genuínas. Cresci com elas na memória. Senti vontade de expulsar este grito que identifica a singularidade desta cidade – A Romaria da Nossa Senhora dos Remédios que a Tertúlia ajuda a imortalizar.
Texto magnifico, uma prosa ilustrada em imagens de subtiliza descritiva, uma arrumação perfeita das ideias e uma notória sensibilidade, diria incomum, para prender na memória dos leitores algo passado num determinado tempo e espaço. Adorei ler. Parabéns Lurdes, um grande trunfo para a nossa tertúlia.
Foi para mim uma honra imortalizar a tradição religiosa e pagã dentro do momento cultural tertuliano. A Romaria de Portugal, de uma simples Festa Religiosa, ganhou proporções tão autênticas, preservando uma identidade onde todos, aqui e ali, nos identificamos. Este documento honra a professora Aurora Simões de Matos bem como todos os tertulianos, comentadores e ouvintes, honra esta cidade e, acima de tudo “a Romaria de Portugal”.
Obrigada por ter gostado, muito me honra também as palavras da Aurora S. Matos.
L.P
Interessantíssimo resumo daquela que foi a última “TERTÚLIA ARTES LETRAS” de Lamego, em setembro de 2018.
Aqui, a tertuliana residente, Lurdes Pereira, com a pureza de uma sensibilidade maior, traça as linhas condutoras de um evento que fica para a História da cultura lamecense, integrado na programação das tradicionais Festas em Honra de Nossa Senhora dos Remédios.
Pelo elevado número de participantes, muitos dos quais assistentes pela primeira vez; pela diversidade dos temas abordados; pelo entusiasmo de todos os intervenientes mais ou menos ativos; pela robustez de mais um encontro entre figuras de proa do nosso meio cultural, esta sessão da Tertúlia haveria de consolidar o prestígio de um momento prestigiadíssimo e único na cidade de Lamego. Obrigada, Lurdes Pereira!
Aurora Simões de Matos