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O meu 1.º de maio

Maria de Lourdes dos Anjos

 

 

 

 

 

Corria o ano de 1950.A II Guerra Mundial tinha terminado há 13 meses. O dia um de Maio era um dia igualzinho aos outros, de trabalho. Havia palavras proibidas no meu país, muitas palavras proibidas.

Poucas casas tinham água canalizada ou wc.

As raparigas eram moças de lavoura, criadas de servir, aprendizes de costura ou carrejonas, ou galinheiras ou eram bestas de carga e poucas ,. muito poucas iam à escola.

 

 

As mulheres eram “a minha patroa” e muitas outras eram mulheres matriculadas; algumas eram máquinas parideiras, escravas, sacos de porrada, gente que caminhava descalça pelos caminhos sem saída; nas cidades,  algumas, tinham já um emprego nas fábricas e, não sei porquê, chamavam-lhes “sovaqueiras” e, nas aldeias, eram todas tias…Ti Fátima. Ti Joaquina, Ti Guidinha e muitas Ti Miquinhas.

Os rapazes nasciam homens de mãos calejadas e pés gretados e com a obrigação de trabalharem para ajudarem a sustentar a sustentar a prole que os pais iam construindo, mais ou menos, rapidamente.

Eram marçanos nas cidades, para onde viajavam nas asas do sonho de uma vida longe da fome e da escravatura da lavoura e, muito frequentemente, encontravam solidão, outras fomes e uma revolução industrial impiedosa e calculista.

Eram ainda moços de artes com futuro e muitos cresceram e voltaram à casa paterna engravatados e bem-apessoados.

Nesses longínquos anos de 50/60, o país acordava e sacudia a miséria ainda que amordaçado, embrulhado num slogan de “Deus, Pátria e Família”, abençoado por homens de saias longas, saias muito longas, e religiosamente a favor do poder político e com um poderoso peso económico na sociedade portuguesa.

Nos cofres do Estado e da Igreja o ouro acotovelava-se e murmurava promessas de amor e de fidelidade aos eleitos do regime (gente da situação, como então se dizia).

 

 

A televisão chegou em 1957 (entre as 21 e as 24hortas, e era bicho raríssimo) e os frigoríficos eram móveis de luxo apenas em alguns talhos. A palavra “férias” era um substantivo abstrato e a féria era o que recebia o trabalhador ao fim de cada semana de trabalho (de seis dias, claro, porque a semana inglesa chegou depois).

Poucos tinham retrete dentro de casa e, nas cidades, fugia-se do polícia quando os pés iam descalços, para não pagar multa.

Em 1961, chega o drama da guerra colonial e toca a partir para África sem mé nem meio mé.

Só os ricos sabiam e podiam ser desertores. Heroicamente eram desertores em países de paz e clima de praias quentes. As mulheres ousam vestir calças e casam com quem querem e descasam quando lhes apetece.

É tempo de biquini e minissaia, de uma quase igualdade e tudo vai mudando… devagar, devagarinho.

 

 

Os meninos são hiperativos, sobredotados e malcriadamente mimados. Tornam-se pequenos grandes ditadores e crescem com tantas manias de grandeza que é vê-los hoje nas empresas e nos governos que vivem lá para Lisboa

Conseguimos reformas, o Serviço Nacional de Saúde, “matámos ” os senhorios, comprando casas e até fizemos o milagre do endividamento para ir de férias para as Caraíbas ,.Cuba ou ilhas Maurícias.

Votámos livremente, mal… mas votamos .

Temos mais de 30 pares de sapatos e 15 de sapatilhas de marcas e cores diferentes.

Fomos felizes por alguns anos, com muitos prós e contras!

Tivemos até o nascimento do Dia do Trabalhador, hoje está tudo desempregado, mas o dia parece que vai continuar a ser feriado e temos até 364 dias para distribuir pelo político, pelo aldrabão, pelo deputado, pelo corrupto, pelo vigarista e pelo raio que os parta.

 

 

Há 62 anos, na Rua do Bonfim, nº 125 , na cidade do Porto (Portugal), nascia a segunda filha do sr. Armindo e da dona Adelaidinha.

Cresci neste berço tripeiro com gente nobre e leal e disso muito me orgulho.

Deram-me tempo e espaço para o sonho e mostraram-me os direitos porque devia lutar e as obrigações que tinha que cumprir.

Consegui quase tudo o que estabeleci como metas, exceto aprender a tocar acordeão…fica para depois, paciência.

Hoje,  cansada e desiludida, sinto vergonha de deixar aos vindouros um país vendido a retalho, sem valores, sem horizontes, depois de tanta mudança, de tanta vitória, tanta conquista conseguida por gerações que, a pulso, ergueram tão alto o nome desta terra hoje desgraçada.

E a liberdade?

 

 

Foram derrubando as paredes em que ela se suporta: paz, saúde, trabalho, educação.

Ficou apenas o direito de falarmos, mas baixinho…

E Abril?

Dorme em S. Bento e banqueteia-se em Belém.

O povão é apenas isso mesmo: Povão!

E o Etc e Tal?

Esse vai à luta porque o caminho é longo e os portugueses merecem um céu com uma nesga de sol.

 

 

Até mais ler, amigos

 

 

 Maio que Abril fez

 

Comigo guardava 24 Maios

Maios de frio e de sol quente

Maios verdes com maduras vidas de gente

Muitos maios em forma de cruz

Fizeram, de repente, um maio de luz

Foi maio com maias, cravos, rosas e mimosas

Foi manhã clara e colorida 

Foi, pela primeira vez,

Maio livre que abril fez.

E nesse maio primeiro

Corri o meu Porto inteiro

Dando voz à alegria

Com um filho no regaço,

Ensaiei passo por passo

A dança das horas desse maio primeiro

Esse maio que encheu o Porto inteiro

De verde e rubro da bandeira do País

Que sonhou abril eterno e um povo livre e feliz.

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3 Comments

  1. Lourdes dos Anjos

    Muito obrigada Carlos Sameiro pelas suas palavras.É bom quando o que fazemos, com sinceridade, agrada aos que nos seguem.Não é fácil escrever exatamente o que sentimos para uma plateia tão alargada mas apenas digo o que sinto sem meias palavras ou “pieguices” e depois doa a quem doer e goste quem gostar, paciência.UM GRANDE ABRAÇO E MUITO OBRIGADA.

  2. José Gonçalves

    Maio de outros maios. Na altura dos “maios” mais duros e em tempo de ditatura… não havia “Pingo Doce”…

  3. Carlos Sameiro

    Boa tarde

    Aproveito para felicita-la por mais um aniversário.
    Já nos conhecemos, sou amigo do José Gonçalves e colaboro com o jornal (quando posso).
    O tema pensado e escrito,demonstra a nossa sociedade. Uma sociedade de falsos valores e princípios, para uma plena cidadania, capaz de dar respostas ao cidadão. Alguns pensadores falam no neoliberalismo, com isso assistimos a uma reduzida intervenção do Estado.
    O poema é fantástico,sentimento de Liberdade, mas único. Somos Liberdade.
    Bravo! Dª Maria de Lurdes

    Aquele abraço
    Carlos Sameiro

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