Ana Maria Silva. Professora e “facilitadora” de Biodanza. Vamos já à “Biodanza”, para que, quem nos lê, possa entender o que é na realidade esta metodologia. Antes, acompanharemos a vida de uma mulher de luta, que não tem medo do futuro e que acredita que “o sonho que se sonha em conjunto torna-se realidade”. Ela vai estar no programa do “Interioridades”, em Braga”, realizado pelo nosso colaborador, Luís Reina (vez Cartaz), mas, antes, e para já, em exclusivo connosco. Para ler com atenção!
Quem é a Ana Maria Silva?
“Sou professora de português na escola secundária do Castêlo da Maia, mas estive muito tempo ligada, em outros dois estabelecimentos de ensino, ao clube de teatro e a diferentes projetos com os alunos. Nasci há 48 anos em S. Mamede Infesta, estudei no antigo Liceu António Nobre e depois fiz o meu curso na Universidade de Aveiro, ondeconcretizei a licenciatura de Português e Inglês, numa altura em que, no nosso país ainda era possível fazer-se o curso, ser-se professor e termos garantia de uma escola para lecionar. Estive migrada cinco anos – fiz uma tropa de cinco anos em Aveiro – que depois me permitiu ficar efetiva logo no segundo ano de profissão. Hoje, tenho dois filhos do primeiro casamento (Mariana, 15 anos, e o Miguel que tem 13) e somos uma família atual, reconstruída, o meu marido também tem uma filha do primeiro casamento que é a Joana”.
E todos praticam a Biodanza? Mas, o que é isso da Biodanza?
“Todos praticamos. Os meus filhos praticam, por inerência, desde pequeninos, ou seja desde que estive a fazer o Curso de Biodanza. Refira-se a propósito que a Escola de Biodanza tem um curso de três anos, mais um estágio de um ano, ainda uma monografia, portanto é um outro curso superior”.
“Um método para que as pessoas vivam melhor dentro dos seus potenciais”
Mas, o que é, no concreto, a Biodanza?
A Biodanza é uma metodologia que foi criada por um antropólogo, psiquiatra e poeta chileno, Rolando Toro Araneda, que de várias pesquisas que fez numa das suas áreas profissionais – precisamente o exercício da psiquiatria – descobriu que o método com dança, com um grupo de pessoas, e com determinados movimentos davam determinados efeitos, para ele, inesperados. A Biodanza nasceu, assim, ocasionalmente, de uma experiência. Ele experimentou uma determinada música com um determinado movimento com doentes psiquiátricos e descobriu que, aquilo que ele pensava, à partida, que iria ser um resultado foi exatamente contrário áquilo que ele esperava. Como já tinha muito estudo em trabalho de psicodrama e psicodança foi desenvolvendo o método. E, influenciado pela psicologia, antropologia, pela História e outras áreas relacionadas com o humano ele chegou a este método, que consiste num desenvolvimento humano cujo objetivo é que as pessoas vivam melhor dentro dos seus potenciais.”
Psicologicamente?
“Psicologicamente, fisicamente, animicamente, culturalmente, enfim, em termos políticos, sociais e profissionais, ou seja que possam expressar os seus potenciais de uma forma simples, eficaz que conduza à alegria de viver. O objetivo fundamental é que o ser humano possa viver cada vez mais feliz. Uma das coisas que Rolando Toro dizia é que nós somos uma civilização doente, por isso é que, nestas últimas décadas, a pessoa com maior estatuto social continua a ser o médico. O objetivo da metodologia que ele deixou – partiu há muito pouco tempo, esteve, aliás, em Portugal, em 2009 – foi um instrumento para que, cada pessoa, possa desenvolver as suas potencialidades de uma forma progressiva. Este método pratica-se, assim, em grupo de uma forma regular – todas as semanas – que tem um facilitador…
“Facilitador”?!
“Sim. Que facilita o processo. A Biodanza não é considerada uma terapia, porque as terapias implicam uma intervenção dos terapeutas junto do paciente, e na Biodanza, não! Cada um faz o seu processo, no seu tempo, à sua maneira e de acordo com as suas potencialidades. Portanto, na Biodanza na há competição, não há julgamento, não há processos comparativos, nem há vencedores ou vencidos”.
“Na Biodanza descobre-se potenciais que, por vezes, nunca tínhamos colocado ao nosso serviço”
Pensava que a Biodanza, pelas suas caraterísticas, tivesse surgido no oriente, porque, por exemplo, tanto na China como no Japão, pratica-se algo do género?
“Também tem uma influência oriental! Como também influência da ginástica tradicional. Por exemplo, há um caminhar, há um salto sinérgico…
Há regras?
“Tudo tem pautas motoras. Ou seja: há cinco potenciais humanos que são comuns a todas as pessoas, mas que não estão desenvolvidas da mesma forma, que são a vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e a transcendência. Estes cinco potenciais humanos, são, de alguma forma, explorados, incentivados e desenvolvidos durante a nossa vida por diferentes razões. Por questões culturais, pela educação ou pela forma como vivemos a nossa vida não as exploramos, pelo que, às vezes, chegamos à Biodanza e temos um potencial criativo enorme que nunca colocamos ao nosso serviço.”
“Doentes com Parkinson desenvolveram com a Biodanza níveis motores superiores aos da fisioterapia”
Mesmo uma pessoa já com alguma idade pode redescobrir-se através da Biodanza?
“Pode, porque a nossa vida só deixa de existir quando nós deixamos de respirar, até lá, temos ainda todo um projeto de vida que podemos abraçar. A Biodanza tem várias extensões. Eu, por exemplo tenho um grupo com pessoas com 70 anos, assim como tenho jovens com 19. Depois há grupos específicos, tenho um outro grupo, na escola onde trabalho, só com professores e funcionários do estabelecimento, que é o Projeto Escola dentro da Educação Biocentrica, que é levar a Biodanza para as instituições…
São muitas?
“Já temos bastantes. Já fizemos Biodanza em bancos, na prisão, em centros de saúde, sobretudo em Lisboa. Aqui no Porto, e na região norte, temos o meu projeto que está a funcionar com uma instituição, e há depois também uma professora que dança numa cadeira de rodas e que está a investir em áreas de caráter social. Estes grupos específicos têm ainda características próprias: há Biodanza para crianças, para grávidas, para bebés e até para doentes com Parkinson. Há um estudo recente muito importante, desenvolvido em Itália, com professores de Biodanza e médicos que seguiam esses doentes e perceberam que, no final de um ano, os doentes de Parkinson que praticam, semanalmente, Biodanza desenvolveram níveis motores consideravelmente superiores aos que desenvolvem na fisioterapia. Essa medição está a ser feita, na Alemanha e na Itália, com doentes de Alzheimer .Aquilo que nós sabemos, é que como a Biodanza promove muita regeneração celular – todo o ser humano que se mexe… vive – , porque ao promover diversos movimentos, no final de uma sessão que dura aproximadamente hora e meia, podemos dizer que uma pessoa que não pratica exercício físico… fê-lo, isto com um acrescentamento – e que não paga mais por isso – a reeducação afetiva!”
Transcendência e esoterismo
Esta prática é coletiva ou uma pessoa, em casa, pode desenvolve-la?
“Não. O ser humano não se desenvolve sozinho. O ser humano só se expressa, só se identifica e se desenvolve na presença de outros humanos…”
… relação química…
“…química e, baseada nas últimas descobertas, do carinho, ou seja, nutrição afetiva para sobreviver. Nós, seres humanos, só nos expressamos porque algures na nossa vida tivemos uma figura que fez essa função de paternagem. Ora o que é nós na Biodanza fazemos? Temos um grupo que repete, simbolicamente, esse movimento todas as semanas”.
Há aqui alguma coisa de transcendente… de esotérico?
“Não. O esoterismo para a Biodanza é a condição que temos, como seres humanos, para ir mais além, e que está em nós. Então, não há nada de transcendente. A nossa transcendência é desenvolvermo-nos melhor connosco próprios, com o outro, e com a totalidade, ou seja o meio envolvente onde nós vivemos. É o nosso mundo, a natureza. Claro que temos preocupações ambientais, mas não temos nenhumas ligações a esse esoterismo tradicionalmente falado, porque o nosso esoterismo é a condição de que cada um de nós tem em se desenvolver.”
“A música tem um potencial deflagrador”
Como é que descobriu a Biodanza?
“Descobri-a por mero acaso. Tinha uma filha asmática, isto até aos sete anos, e, na altura – teria ela cinco-seis anos – procurei avidamente recursos que não fossem os médicos tradicionais, porque ela tinha o diagnóstico de uma asma crónica e eu nunca fiquei muito conformada com essa solução. É numa mera pesquisa na Internet para crianças asmáticas que cheguei à Biodanza porque no site dizia que a Biodanza promovia uma grande amplitude respiratória e, portanto, que as pessoas que sofrem de asma e praticam a Biodanza adquirem uma maior qualidade nos movimentos respiratórios, e isso interessou-me. Quando fui procurar a Biodanza era para ajudar a minha filha. E ao descobrir que a metodologia tinha três coisas que adoro – pessoas, música e dança – e que com idade e com o corpo que tinha podia praticá-la e um dia vir a ser professora isso fascinou-me. Depois, percebi logo ao final da segunda dança, que aquilo que se explicava na Biodanza era aspetos da nossa vida cruciais, como escutar o outro, saber ouvir, saber expressar-se, saber dar companhia com qualidade e afetividade, e quer uma linguagem que me seduzia, é que para além de professora escrevi alguns livros e manuais escolares , dei muita formação na área do professor e o teatro, portanto era uma área muito interessante: como desenvolver outros recursos para as nossas crianças, que não fossem só os do livro. E depois é Biodanza tem muita diversão; tem muitos jogos.
Há um desafio há própria pessoa, sendo ela a mais cética dos céticos?
“Sim. E como a música tem um potencial deflagrador muito grande…
Todo o tipo de música?
“ Clássica, brasileira com o samba e com os batuques, música africana e europeia. A música na Biodanza tem de ter pauta melódica – ritmo e melodia – e pauta semântica que propicie o desenvolvimento humano”.
“A pessoa que nos chega pela primeira vez é sempre acompanhada por um facilitador”
Uma pessoa que esteja interessada na Biodanza o que deve fazer para a experimentar?
“Pode consultar os sites disponíveis. Temos um sítio com todos os professores a nível nacional, os respetivos contactos, os locais e etc, que é o Núcleo Facilitadores de Portugal, que pode pesquisar no Google”.
Depois?
“Depois a pessoa vai e experimenta.”
Mas, quando uma pessoa aparece pela primeira vez, não há aquele olhar de curiosidade, por vezes, desconfortante para quem, por exemplo, é tímido?
“Normalmente os grupos de Biodanza estão preparados para o acolhimento de quem vem pela primeira vez faz parte das nossas regras de educação afetiva. A pessoa que chega é sempre acompanhada por um facilitador. As aulas abertas para quem vai conhecer a Biodanza tem uma metodologia própria, que é dá-la a conhecer, depois, quando a pessoa ingressa no grupo, vai ter aulas sequenciais… vai seguir um programa. A primeira aula é sempre para conhecer”.
“Gostaria que o ministro da Educação viesse a uma das nossas aulas, mas ele não vai querer porque já destruiu a educação física e toda a área artística”
Esta metodologia está institucionalizada no Ensino?
“Não, no Ensino em Portugal. Só no Brasil e em Itália.”
Ainda vai convidar o ministro da Educação, Nuno Crato a ter uma aula de Biodanza…
“Gostaria muito. Provavelmente, se ele fizesse uma aula de Biodanza desistia, rapidamente, de ser ministro. Com o mal que ele faz às crianças ele ia perceber que teria de demitir-se. Mas ele não vai querer, porque ele já destruiu a educação física e toda a área artística, quando lhe propusermos a Biodanza que também é por si um processo de desenvolvimento artístico, ele não vai querer. Ele já destruiu o teatro, quer destruir a música nas escolas…
Ao alertar para estes problemas todos, você, como professora, só pode estar sorridente devido à Biodanza.
“Não tenha dúvidas! Se ainda resisto ao sistema é porque encontrei esta ferramenta tão útil para lidar com a situação caótica em que vivemos, porque aprendi que o sistema não se deixa abater, ele vai cair por ele próprio. Nós estamos quase lá! Mais dois três anos estamos no caos, e quando chegarmos a esse caos, ele vai renascer por si mesmo. O que me faz ficar sorridente e ir feliz todos os dias para as aulas é o feed-back dos alunos que já não são meus, mas que fazem Biodanza comigo – portanto há jovens na Biodanza! O meu grupo tem, entre os 19 e os 24 anos, entre os que trabalham, estão na Faculdade ou acabaram, recentemente, o seu curso…”
…há também desempregados?
“Alguns. Temos uma correlação muito importante entre as pessoas que praticam a Biodanza e a forma como têm superado o desemprego. A Biodanza ajuda muito as pessoas a encontrarem novas solução; a recrearem a sua existência, porque a nossa proposta também é dançar a nossa vida, no sentido de que nós temos recursos para reequilibrarmos situações traumáticas. É preciso ser muito casmurro, ou muito teimoso, sair de uma aula de Biodanza como nela entrou. Posso chegar deprimido, com muitos problemas da minha existência, mas ao ouvir uma música, ou caminhar pela sala todo o nosso sistema vai começar a funcionar revitalizando as nossas emoções, pela forma como damos instruções ao nosso organismo que é uma máquina maravilhosa. Então, damos-lhe movimento, liberdade, um sorriso, e a transmutação ocorre por si mesma. O primeiro efeito na Biodanza – logo nos primeiros dez minutos – é um sorriso na cara, um pouquinho de rosado na face e olho brilhante.”
“O ser humano nunca se satisfaz com aquilo que tem!”
Mesmo alguém que tenha cinco dias para pagar a renda da casa e não tenha dinheiro?
“Exatamente. Naquele bocadinho, a pessoa vai pensar que existe, que está viva, e que pode fazer coisas boas com a sua vida, como, no dia seguinte, agilizar processos para pagar a renda da casa sem ficar no desespero.”
Estamos a entrar numa nova Era?
“Estamos a entrar! Estamos a entrar numa Era em que os recursos se esgotaram. Repare, os grandes organismos internacionais, nomeadamente, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), assumem que a nossa alimentação passará por consumir insetos, porque nós esgotamos os recursos que estão na terra. O que acontece com a nossa proposta: é sabendo que estamos numa fase de mudança, temos de preparar as pessoas para tal. Aquilo que era uma segurança, ou que nos convenceram como tal – ter uma vivenda com piscina, dois carros e por aí fora – isso é hoje impossível! Temos assim, que viver com menos recursos, mas, de igual forma, felizes.”
Não vai ser fácil convencer certas pessoas dessa realidade.
“O ser humano por avidez e ansia nunca se satisfaz com aquilo que tem. Por inerência, somos um animal quer mais que aquilo que pode. Somos o único animal na natureza que faz mal a si próprio. A Biodanza está também pronta para que o ser humano possa resgatar os seus instintos. Temos milhares de anos atrás de nós, durante os quais o ser humano foi perdendo características da sua existência, como por exemplo o contacto humano…
…ao contrário das tribos, por exemplo, da Amazónia.
“Essas tribos não têm as nossas dificuldades”.
“Deixamos de escolher! Temos um governo que não escolhemos e ninguém faz nada por isso”
Mas… não podemos regredir no tempo.
“Claro! Nós não podemos pegar na lança e ir caçar um mamute, mas podemos pensar que os recursos esgotam-se; pensar no que é suficiente para a sua vida e fazer com que as suas escolhas sejam direcionadas. O poder da escolha é inerente ao ser humano, mas duran te muitos anos as pessoas deixaram de escolher. Nós temos um Governo que não escolhemos e ninguém faz nada por isso. São escolhas que nada tem a ver com o nosso bem-estar.”
Têm este tipo de conversa nas aulas de Biodanza?
“Há muitas vezes, porque o aluno tem um acompanhamento do facilitador que é ir integrando-o…
Quando acaba a sessão ele pode chegar à beira do solicitador e abordar estes temas?
“Não quando acaba. Na semana seguinte vai ser convidado a partilhar as suas emoções. Nós sabemos que, quando partilhamos, verbalmente, em cima do acontecimento, o nosso sentir não fica tão nítido. Há que dar tempo de maturação! O Rolando Turo costumava dizer “quando tiveres um assunto para determinar, dança uma vez! Dança duas e à terceira talvez possas definir”. Um dos filhos deles, que ainda é professor no ativo, acrescentou uma outra coisa: “Dança uma vez! Dança duas… dança três… à terceira podes pensar”. Então, o nosso pensamento tem uma artimanha muito grande sobre as nossas vivências, e nós fomos perdendo a capacidade de sentir de nos emocionarmos… capacidade de tomarmos decisões a partir do coração. Então esperamos que a pessoa deixe que os assuntos se vão maturando. Se de todo for premente, o aluno pode falar com o facilitador.”
“Nos dias de hoje, é tão dramático ter muito dinheiro e não ter como partilhar o espaço do sofá, como ter uma família inteira para sustentar”
Quem mais recorre ao facilitador?
“São aqueles que têm situações dramáticas que não querem expor ao grupo”.
E quais são as situações dramáticas, frequentemente, expostas?
“Às vezes são questões muito humanas: são mães que têm filhas, com problemas crónicos de saúde; são pessoas que têm tendência para a depressão porque vivem há muito tempo sozinhas… tenho pessoas com muito dinheiro e com problemas existenciais muito graves. Nos dias de hoje, é tão dramático ter muito dinheiro e não ter com quem partilhar o espaço do sofá ao final do dia, como aquele que tem uma família inteira para sustentar e tem – como disse – fazer as contas nos próximos cinco dias.”
Qual é o preço para praticar a Biodanza em termos de cursos de formação?
“Temos uma regra, a qual está regulada pela Escola de Biodanza, a qual tem dois polos: um em Lisboa e outro no Porto, onde se pode estudar para se ser facilitador. Realiza-se um curso para formação que depois nos habilitações reconhecidas internacionalmente. Hoje, em dia já temos Biodanza no Japão, em Israel, no Canadá… praticamente está espalhada por todo o mundo. Portanto, quem frequenta um curso semanal tem preços diferenciados: em Lisboa, para um professor que que já seja titulado são €65,00 mensais. No Porto, são €50,00 mensais e, em algumas regiões, devido aos estudos económicos, vai até aos €40, 45… mensais”.
É uma prática para a vida?
“Para a vida toda!”
Trabalho específico para vítimas de AVC
Falou-me há pouco de algumas experiências, qual é a mais complexa?
“A das prisões! A grande dificuldade centra-se na relação entre o estar dentro da prisão e depois que são reentregados na sociedade. Os professores que trabalharam na prisão mantêm contactos com o grupo das pessoas que estavam para ser libertadas ao final de um relativo curto espaço de tempo notaram o grave problema da reinserção. Além da falta de dinheiro, surge a falta de estrutura.”
Este, é no fundo, um trabalho muito específico?!
“Sim. Nós temos desde psicólogos a médicos. Neste momento, temos dois neurocirurgiões que estão a fazer um estudo connosco, isto porque tem os duas alunas aqui do Porto, que tiveram importantes situações neurológicas profundas, e, com a prática da Biodanza, tudo faz crer que lhes permitiu reverter as consequências do AVC que, de outra forma, não teriam sido possíveis. Temos pessoas de todas as áreas a trabalhar connosco, porque como a Biodanza é uma área que agrega muitas ciências relacionadas com o seu humano, acaba por seu uma área muito interessante para pessoas que trabalham com… o ser humano. Mas não só, porque também temos operários fabris, funcionários públicos, empregadas de limpeza, e por aí fora. A Biodanza não é uma prática elitista.”
Tal como parece não ser a terapia do riso e outras ações que se vão praticando, cada vez mais frequência, nas empresas…
“Sim. Quando nós tivemos o “projeto no banco” – foi no Banco de Portugal – lá existe um espaço destinado aos seus funcionários, ao qual eles chamam de “Motivação Pessoal”. Foi desse espaço que enquadraram a Biodanza. Os funcionários param entre as quatro e as cinco horas, praticam uma das modalidades, que vão alternando de seis em seis meses, cujo objetivo é dar maior qualidade no trabalho. Esta é quase uma necessidade emergente. O se trata bem dos nossos funcionários, ou corremos o risco de daqui a pouco não termos pessoas. É preciso investir nas pessoas para que elas cá se enraízem, fiquem por cá, e não emigrem! ”
“Há jovens, como pessoas idosas, muito preconceituosas!”
Isto já são muitas biodanzas. Pelo que o melhor será a pessoa – porque cada caso é um caso – entrar em contacto convosco a praticar a… Biodanza!
“É! Os interessados devem ir a um aula. Eles chegam lá, e a primeira coisa que lhes vamos pedir é que deem as mãos às pessoas numa roda. Pode ser, de início, algo difícil, mas depois traz a qualidade de dizer assim: “eu afinal sou humano e não tanto máquina como têm vendido”, porque treinaram-nos para o sucesso no trabalho, mas ninguém nos ensinou a ser sucedido na vida em geral.”
Bem. Quando se fala em rodinhas, há a tradição popular, por exemplo no S. João, das pessoas darem as mãos umas às outras sem se conhecerem. Mas isso é uma tradição, pelo que, fora disso, será um tanto ou quanto mais difícil, não? Aliás, hoje dar um abraço é considerado, por muitos jovens, uma atitude gay?! Incompreensível!?
“Nós tínhamos – como penso que ainda temos – uma ação de respeito pelos pais e, supostamente, os filhos beijavam-nos e abraçavam-nos. Falou em jovens, mas o preconceito é atemporal… não tem idade! Há jovens como há pessoas idosas muito preconceituosas. Nós temos, por exemplo, pessoas idosas fantásticas, que se abraçam, que brincam uns com os outros; e temos jovens que nada disso fazem. Temos crianças com seis anos de idade muito preconceituosas…
… se calhar filhos de famílias descaraterizadas?
“De famílias com problemas, porque estão de mal com a escola, estão de mal com o mundo e depois refletem isso na dança. A dança e o movimento reflete a nossa existência. Nós, professores, fazemos leitura de movimento que nos dá pausas. Ou seja, nós conseguimos perceber pela forma como a pessoa se movimenta – se manifesta – o seu índice de afetividade, de alegria e de vitalidade”.
“Estamos na sociedade da pastilha!”
Vão se apercebendo com isso de tudo um pouco que carateriza a nossa sociedade atual?
“Sim. O que nós sabemos da nossa sociedade de hoje, por exemplo, é que as pessoas não dormem! Tomam comprimidos para dormir e depois de manhã comprimidos para acordar, porque os que fazem dormir, fazem-no até muito tarde, portanto, de manhã, tomam um antidepressivo. A nossa sociedade está muito feita assim: temos pastilhinhas para tudo…”
Até pastilhinhas para fazer sexo…
“Exatamente. Estamos na sociedade da pastilha! O que é que, entretanto, a Biodanza promove? É voltarmos a ser naturais! As pessoas procuram a Biodanza não por uma patologia específica, procuram-na pelo geral. Temos pessoas que cá chegaram por osteoporose, por problemas cardíacos e com cancro. Saiba que todas as doenças que o ser humano tem, apenas mil e quinhentas são verdadeiras doenças de foro hereditário, neurológico ou imunológico, todas as outras são doenças civilizacionais. São doenças que a nossa civilização promoveu por falta de interação entre os humanos. Então, dessas mil e quinhentas, que são verdadeiramente doenças, todas as outras pode-se evitá-las ou resgatá-las com um estilo de vida saudável; uma vivência afetiva e uma relação com um grupo que seja favorável”.
Isso engloba, por certo, a alimentação?!
“Para nós, tudo o que for bom para cada um… está bem! As sardinhas assadas são muito boas, assim como o cozido à portuguesa, desde que depois a pessoa não tenha uma vida sedentária. Ora, se estivermos 10 horas à frente do computador e, nesse dia, comermos, uma tripalhada, um cozido e cinco pastéis de nata.. isso não! Agora, se temos uma vida saudável… isso permite-nos tudo! Não somos fundamentalistas, temos – como em todos os sítios – pessoas que são vegetarianas, de cozinha tradicional… temos de tudo. Eu também gosto muito de paparoca como se pode ver pela figurinha. (risos). Mas, gosto! Gosto e como mais do que aquilo que necessito, mas é uma questão própria e como me habituei a isso… tudo bem!”
Há pessoas que comem muito bem – digamos que em relativa demasia – mas não engordam… mantêm a “linha”.
“Tenho um irmão, mais velho do que eu dez anos, que é exemplo disso. Ele veste o mesmo número de calça, com 57 anos, que vestia quando tinha 18 anos, Tem o mesmo peso, e o único desporto que ele conhece é o levantamento do sofá. Mais: há relativamente ele teve de fazer uma série de exames, e o médico disse que ele tinha corpo de desportista, sendo que ele nunca fez desporto, tem uma profissão supersedentária e tem um metabolismo fantástico!”
“No dia em que deixar de acreditar vou vender para a feira!”
Ainda é bom ser professor em Portugal?
“Para mim, é! O momento mais difícil é quando se recebe o vencimento. Nesse dia dá-me, normalmente, uma crise muito grande! Mas, depois vou dançar com os meus alunos e, na aula, a coisa é ultrapassada. Quando chego a uma caixa de supermercado e tenho lá alguns dos meus alunos, que me dizem que passados alguns anos voltaram a estudar, que já tem filhos: uma família formada … isso dá-me alento! Aquilo que fiz e que disse não ficou vazio! E tenho outros com muito sucesso, que, hoje, são médicos, cientistas…
É um motivo de orgulho!?
“É! Eles não se esquecem de dizer que foram comigo que leram o primeiro livro”.
Isso é estruturante para a identidade da pessoa…
“Pois. A qualidade de relacionamento com os jovens ainda continua a ser uma crença. Eu quando dei aulas pela primeira vez, entrei numa sala onde estava uma colega que, na altura, se iria reformar e que me disse assim: “olha minha filha, tu não podes fazer mais nada?” Eu desse-lhe que “não, sempre quis ser professora desde pequenina!” E ela avisou-me: “sabes, que um dia, nesta profissão, não haverá professores… os professores estão em extinção!” Isto, ela disse-me há 25 anos atrás. Não entendi, na altura, onde ela queria chegar, mas hoje percebo bem o que ela queria dizer. E percebo, por exemplo, que os colegas que não têm colocação vivam em situações dramáticas! Tenho colegas com 40 anos, que têm filhos com sete ou oito anos, que sabem, à partida, que para o ano não vão ter colocação. Hoje em dia têm os subsídios, mas que se vão, mais tarde ou mais cedo, esgotar. São situações dramáticas”.
O que quer acrescentar, para terminarmos a nossa entrevista?
“No dia em que deixar de acreditar vou vender para a feira! Um dos meus sonhos foi sempre “trabalhar”. Nunca pensei que algum dia pudesse ficar desempregada, e sempre disse que se algum dia me acontecesse algo de problemático na minha profissão, depois, faria, qualquer coisa. Não tenho medo do trabalho de mãos! Muitas pessoas dizem que os professores só sabem trabalhar com a cabeça! Não! Desde que me ensinem eu faço qualquer coisa. Digamos que, hoje, eu vendo sonhos com a Biodanza. Vendo o sonho de ser mais feliz! “Sonho que se sonha junto é realidade! disse-o um poeta brasileiro, e eu tenho um privilégio de ter um grande grupo de pessoas que têm vindo a sonhar comigo. É por aí que quero continuar!
Texto: José Gonçalves
Fotos: António Amen
Gostei imenso da sua entrevista. Penso que a queda deste desgoverno passa mesmo pela “Biodanza”, de resto, não vejo outras alternativas…
Pertinente e muito esclarecedor. Parabéns.