António Pedro Dores
Por indicação da ANIMAR, associação que pretende apoiar e promover redes de desenvolvimento local e comunitário solidário, de que integro os órgãos sociais, fui chamado a intervir no I Congresso Nacional da Sociedade Civil, organizado pela RTP2, num tópico com o título infeliz de Cidadania e Minorias. Admito que a inversão do número dos substantivos, como o fiz para título desta coluna, seja apenas provocatória. Espero, todavia, que me ajude a fazer notar ao leitor a discriminação semântica e social incluída e induzida numa subtil mas eficaz operação morfológica:
A cidadania nasce em fechamento social contra “minorias”, por vezes maioritárias: os aristocratas e os camponeses. Mas também contra mulheres, crianças, trabalhadores, escravos, estrangeiros, pobres, a quem genérica, mas nada inocentemente, discriminatoriamente, se passou a chamar minorias.
As diferentes gerações de direitos humanos, quatro, são o registo doutrinário e legal da luta contra a estreiteza do insistente e sempre presente fechamento da cidadania, com vista a corrigir a primeira e democratizar a segunda. Direitos cívicos, incluindo de circulação e de não discriminação no espaço público, direitos políticos, como os de voto e de participação eleitoral, incluindo liberdade de palavra, direitos socioeconómicos e culturais, como os que estão actualmente directamente em causa pelo assalto politico e financeiro aos nossos modos de vida, e, mais recentemente, direitos da natureza, consagrados pela Constituição da República do Equador, são a exposição do que foi feito, do que falta fazer e, ainda das interpretações morais e jurídicas malévolas que impõem a reformulação regular dos direitos humanos, com mais e mais especificações directas, correspondentes a preconceitos civilizacionais e espontâneos que se opõe à igualdade de oportunidades generalizada.
As diferentes declarações de direitos humanos especializadas percorrem caminho paralelo – os direitos das mulheres, das crianças, dos imigrantes e respectivas famílias, dos povos indígenas, procuram recuperar as falsas interpretações culturalmente enviesadas por perspectivas fechadas e exclusivistas de cidadania, nomeadamente as expressas abertamente por partidos xenófobos, com a compreensão de muitos cidadãos.
As perguntas propostas para o Congresso[1] e o nome deste tema em particular (Cidadania e Minorias) parecem ignorar a história e a identidade cidadã e as lutas pelos direitos humanos.
Nenhuma centralidade (singular) persiste sem a contribuição, mais ou menos empática, das periferias (plurais). O despotismo monta-se aos ombros de terceiros a imaginar o mundo ao contrário: que é a centralidade que dá vida às periferias.
Democracia, se puder existir na radicalidade que há quem deseje, saberá como oferecer livre-trânsito nas centralidades para quaisquer minorias. A democracia torna-se viável quando assume a responsabilidade cidadã de mobilizar as “minorias” (frequentemente maiorias, como vimos) que começam por recear mostrar-se, por preferirem não servir de bodes expiatórios. A democracia fenece sempre que se dedica a confirmar institucionalmente a perseguição aos inimigos úteis, isto é, aos grupos estigmatizados e sem capacidade de reacção efectiva, como acontece hoje frequentemente com os imigrantes pobres ou as orientações sexuais minoritárias. E cada vez mais, outra vez, com os trabalhadores (e sobretudo com os desempregados).
[1] – Qual a representatividade da sociedade civil? – De que forma contribui para o desenvolvimento nacional? – Pode constituir-se como parceira social para apoio à definição de políticas? http://www.apg.pt/downloads/file631_pt.pdf.
Obs: Este artigo, por vontade do autor, e de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc e Tal Jornal”, foi escrito em português anterior ao do acordo ortográfico.