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CINE-TEATRO DE OVAR: Memórias que se perdem entre RUÍNAS!

Entre a ainda recente época em que as grandes salas de cinema foram sujeitas à concorrência dos filmes em cassete VHS, disponíveis comercialmente e em clubes de vídeo para poderem ser visionados em casa comodamente no sofá, através da também já peça de museu, como era o gravador videocassete do final dos anos 70 e 80, e o período de agonia destas salas de espetáculos, como o Cine-Teatro de Ovar.

Foi rápida a depressão que atingiu estes espaços culturais, que várias décadas depois de definitivamente fecharem portas, no caso da cidade de Ovar assiste-se ao desmoronar de um edifício ao abandono cujas memórias culturais se perdem por entre ruinas de forma inglória.

Se nas grandes cidades em alguns dos mais emblemáticos cinemas, umas salas fecharam e outras adaptaram-se com novas salas e mais pequenas, adequadas a uma nova realidade da relação do público com a arte do cinema e oferta disponível de vídeos.

Em muitas outras realidades do país, as únicas salas que existiam também acabaram em acelerado estado de degradação e abandono, fechando portas à projeção de filmes, assim foi o destino do Cine-Teatro em Ovar ao encerrar nos anos 80, depois de várias tentativas de resistência da distribuidora que explorava este cinema.

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Perante este declínio e ausência de respostas adequadas aos novos desafios tecnológicos, que se tornariam imparáveis na constante evolução desta componente cultural, em que proliferou o negócio das cassetes, mesmo que piratas, que rapidamente foi substituído pelo DVD e toda a oferta de várias outras alternativas em formato digital, que hoje estão disponíveis.

Não conseguiu ainda assim substituir o prazer de se ver um filme no grande écran proporcionado por novas salas de cinema que entretanto se adaptaram e voltaram a oferecer cinema às populações que não se conformaram ao conceito comodista e individualista que passou a influenciar diferentes gerações nestas últimas décadas. Foi o caso de alguns concelhos vizinhos.

Contrastando com o exemplo de recuperação do Cine-Teatro de Estarreja que os autarcas assumiram como um espaço que faz parte da história local e transformaram este edifício de 1950 num polo de atração de públicos dos vários cantos da região, através de uma programação que continua a ter o cinema na sua oferta cultural.

O Cine-Teatro de Ovar inaugurado a 30/12/1944 com uma sala de espetáculos para cerca de 1000 lugares e um Salão de Festas, acabou num cenário deprimente e indigno face ao papel cultural que representou e do qual ainda várias gerações guardam recordações e memórias que ali agonizam em ruinas, perante a impotência destas mesmas gerações e do abandono a que foi votado pelos autarcas, que tiveram outras opções estratégicas para construção de espaços culturais. Como foi o caso da construção de raiz do Centro de Artes de Ovar inaugurado a 25 de julho de 2009, com capacidade para 340 pessoas.

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Uma causa praticamente perdida

Já muito se especulou sobre o futuro do edifício do antigo Cine-Teatro de Ovar e da sua arquitetura. Um imóvel com uma superfície coberta de 1394,75 metros quadrados e logradouro de 511 metros quadrados, localizado mesmo no centro da cidade, que a empresa proprietária do edifício composta por vários sócios há muito colocou à venda, mas ali continua aos olhos da população em avançado estado de degradação, despertando diferentes sentimentos, como a petição de um movimento “Em defesa do Cine-Teatro de Ovar” que se dirige ao Presidente da Câmara Municipal de Ovar com a inevitável constatação de que, “O nosso velhinho Cine-Teatro de Ovar está à venda”. Sem a dinâmica ou adesão desejada dos seus promotores, a causa da defesa deste património cultural, parece condenada ao prolongado abandono até que as memórias se desmoronem pedra sobre pedra para finalmente dar lugar a um qualquer empreendimento imobiliário num local tão cobiçado.

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Assim os seus proprietários se decidam sobre o que fazer, uma vez que o tempo em que este edifício, a exemplo de outros municípios, podia ser transformado e valorizado como um moderno Centro de Artes, acabou em nome de opções politicas na gestão socialista, por ser abandonado, ainda que já na altura tenham pesado os considerados elevados custos na aquisição do imóvel que, curiosamente, não foi reivindicado como de interesse público.

Passados todos estes anos de esquecimento é sempre encorajador ver aparecerem cidadãos no facebook a reclamar: “Vamos pedir encarecidamente aos responsáveis pela cultura na nossa terra, que façam um esforço no sentido desta riqueza ficar de pé, recuperada e entregue ao povo de Ovar, pois daria certamente um bom centro cultural… poderia ser até uma escola de artes, ballet, música, teatro, etc… É um verdadeiro desperdício e uma enorme perda para o nosso concelho. Acredito que ainda é possível recuperar este edifício que tem tanta história no nosso concelho”. Assim termina uma voz inconformista com o estado a que o velhinho chegou, transformado que está num pombal com telhado a ruir e natural infiltração das águas da chuva.

Cine-Teatro de Ovar (interior)
Cine-Teatro de Ovar (interior)

Apelos que dificilmente sensibilizarão os atuais autarcas, pouco dados a assumidos investimentos públicos com a grandeza que representaria qualquer projeto cultural para o antigo edifício do Cine-Teatro de Ovar que após a lenta decadência como sala de cinema, foi abrindo portas para alguns dos marcantes eventos culturais da cidade, como os ligados ao Carnaval, em que ironicamente se registou um acidente com alguns ferimentos nas vítimas de queda no falso da estrutura do palco, acelerando o fim deste espaço cultural da cidade.

Neste longo período a maior sala de espetáculos que se ajustava a eventos característicos das gentes de Ovar, a exemplo da tradicional noite do Cantar dos Reis em que todas as Troupes de Reis passavam de forma imponente pelo palco, perante uma plateia que ultrapassava os 1000 lugares sentados. O “Festovar” organizado pela Companhia de Teatro de Ovar CONTACTO e o Festival da Canção de Ovar, foram importantes acontecimentos culturais que foram dignificando esta sala entretanto fechada por falta de segurança, mantendo apenas a realização do “Ovarvídeo” no Salão de Festas até à sua 13º edição no ano 2008.

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Um projeto polémico desde a sua construção

Com o avançar do tempo o cenário de profunda degradação das traseiras e da cobertura do edifício do Cine-Teatro de Ovar ficou ainda mais exposto perante os munícipes que não podem evitar tal imagem verdadeiramente inquietante e desoladora, vista por quem procura usufruir a paisagem natural proporcionada pelo Parque Urbano da Cidade que acaba manchada por este imóvel em ruinas. Fica assim a dúvida, se por estranha ironia, tal abandono a que foi votada esta casa de espetáculos construída na década de 40, pode vir a facilitar uma qualquer remoção deste património urbanístico, que segundo um texto de António Dias Fernandes no jornal “João Semana” (15/06/1983), a sua edificação resultou numa história que, “pelas suas circunstâncias, podemos considerar lamentável”. Uma referência a uma época em que era pároco de Ovar o Padre Boaventura Valente de Matos a quem terá sido garantido que obra para o Cine-Teatro, “seria uma construção relativamente baixa, que não «assombraria» a Igreja”. Mas, “em fins de 1943 a obra tinha tomado proporções que contrariavam ostensivamente a promessa feita ao Padre Boaventura”.

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Esta polémica acabou por chegar ao Bispo do Porto, D. Agostinho de Jesus e Sousa, através de uma exposição em que “se pediam providências”. Curiosamente “a consequência imediata foi a nomeação do Padre Boaventura, em fevereiro de 1944, para a freguesia de Maceda, decisão esta que ele não acatou, preferindo ser colocado como professor no Liceu Alexandre Herculano, no Porto”. Para a freguesia de Ovar viria então a ser nomeado pelo Bispo do Porto, o Padre Crispim Gomes Leite. Cuja “primeira preocupação foi mostrar a inconveniência da construção do Cinema naquele local, conseguindo embargar as obras.

No entanto, a Sociedade empenhada no empreendimento também não cruzou os braços, procurando solucionar o problema a seu contento”. Ainda foram contactados o Bispo de Vila Real, D. António Valente da Fonseca, e o Cónego Dr. Manuel Valente, naturais de Válega, que com D. Agostinho, de quem queriam ouvir opinião, “fizeram com ele de imediato, uma visita ao local, concluindo ser já tarde demais para travar a obra. Ela tinha já atingido tais dimensões que, no seu entender, era inaceitável qualquer ideia de retrocesso. E até porque, concluíram, «a Igreja não pode impedir o progresso”.

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E concluíram bem! Mas os autarcas que podiam ter apostado num futuro mais digno para este imóvel, deixaram-no à mercê de eventuais interesses imobiliários que podem não ter grandes dificuldades nos tempos que correm para em nome do empreendedorismo verem aprovados projetos que façam desaparecer definitivamente qualquer memória do Cine-Teatro de Ovar. É pois este quadro surrealista sobre um ex-líbris do património cultural e arquitetónico em risco, que continua a perturbar a paisagem urbanística da cidade de Ovar.

Texto e fotos: José Lopes

Fonte: jornal “João Semanahttp://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt

01abr15

 

 

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5 Comments

  1. jose lopes

    Cara Carla, na verdade estas são muitas das memórias de um povo que se vão perdendo entre ruinas. Esta sua partilha de memórias de infância acabou por contribuir para também me despertar tantas outras memórias que de certa forma não consegui encaixar como aliás mereciam neste texto, que reflete naturalmente também algumas das minhas memórias, ainda que de uma determinada época que ditou o triste fim do Cine-teatro de Ovar. Reconheço que, muito ficou por dizer e escrever sobre os momentos inesqueciveis que marcaram as diferentes gerações de vareiros ou ovarenses. As revistas levadas a cena pelo Orfeão de Ovar que até chegaram a Lisboa foram certamente o expoente máximo do cine-teatro ao serviço da cultura e que ficou na memória de muitos de nós, até ao tempo do “consumo” de cultura imediatista e comercial que poucas memórias nos deixam. Esta pode ser uma das diferenças, sem nostalgias bacocas, claro.

  2. Carla Ideias

    Acabo de ler este artigo e sinto-me comovida (um misto de tristeza, alegria e saudade, sobretudo nostalgia pode estar envolvido nesta sentimento de comoção)… o que me compele a escrever e partilhar convosco as minhas memórias deste espaço! Eu nasci em Ovar em ’78, sou da raça Martins, da Rua Nova lá para os lados de S. Miguel. Filha de Celina, neta de Ana e Ramiro, sobrinha de João, Alberto, Ana, Fernanda, Rosa, Zéza e Maria. Infelizmente alguns já não se encontram entre nós, e não conheci a todos, o que torna ainda mais especial todas as recordações que lhes posso associar! Algumas dessas recordações amontoadas numa caixa de cartão, que viajou por todas as moradas diferentes dos meus pais e que hoje sempre que os visito gosto de voltar a abrir e consultar! entre essas fotos a preto e branco, algumas amareladas do tempo ou da dita cor sépia (que honestamente eu não sabia que era uma cor)podemos ver registos de atuações do Orfeão de Ovar, elas em saias rodadas de mãos nas ancas e eles de camisas brancas emproados. Ai vejo os rostos jovens dos meus tios e tias, dos seus companheiros da “vida artística” que imagino serão tios, pais e avós de muitos ovarenses da minha geração! Afinal naquela época parece-me impossível que qualquer ovarense não tenha pisado pelo menos uma vez o palco ou soalho das salas do nosso cine teatro. De facto, quando para la da fachada cansada deste edifício, começamos a pensar em como este foi com certeza palco de pelo menos um bom episódio da vida de cada habitante de Ovar, torna-se duro vê-lo no limite do desaparecimento. Eu desafiaria cada um que esteve no seu anterior a partilhar a melhor recordação que guarda deste espaço e se reuníssemos todos os testemunhos teríamos com certeza umas das recolhas biográficas mais interessantes jamais recolhida sobre uma povoação e ao mesmo tempo, talvez operássemos a magia de lhe devolver a vida numa operação de consciencialização coletiva. Mas talvez isso seja realmente demasiado irrealista, quase tanto ou mais como todos os projetos que eu e a minha prima Joana já nos entretemos a desenhar na esplanada do Arainho para o caso de nos sair o totoloto e podermos comprar o velho cine teatro. Eu por exemplo, para além das recordações emprestadas aos tios que posam nas fotos e que ainda hoje nos recitam os textos que levaram à cena do palco do cine teatro, tenho as minhas próprias memórias. Eu deveria ter uns cinco, seis anos e a minha tia Maria levou-me com ela, não sei se uma ou mais vezes, ao interior do cine teatro. Enquanto ela laborava eu explorava as salas, os corredores, as escadas, o grande atrium, analisava os cartazes, sentava-me num lugar e depois noutro imaginando que estava a ver um filme como se fosse “crescida”, lembro-me do cheiro, do toque do veludo das cortinas, de achar tudo enorme, de imaginar um baile a decorrer… lembro-me de gritar ca de cima lá para baixo e de perder de vista a minha tia abaixada entre as filas junto ao palco. Tinha um teatro, um cinema só para mim e se nessa altura ainda não via filmes já fazia muitos na minha pequena cabecinha… penso que estas primeiras vezes que estive no interior do cine teatro foram as mais interessantes porque tudo era uma descoberta e é raro ter acesso a um espaço como este para explorar livremente quando fechado ao publico, nas suas horas de repouso… nem sequer posso dizer que me lembro bem de tudo são daquelas recordações dispersas que se colam umas às outras, mas lembro-me de achar que aquele era um dos meus sítios preferidos de todo o mundo e arredores e era MEU! Mais tarde tive que partilhar o meu palacete de fantasias, na primeira vez que fui ao cine teatro enquanto parte integrante do publico. O espetáculo era infantil destinava-se às escolas, talvez fosse algum tipo de festa de final de ano ou de período, isso não sei, sei que a maior parte do tempo estive mais atenta as ações da minha primeira paixoneta e o seu amigo, sentados umas filas mais a frente, que propriamente ao que se passava no palco. Uns anos mais tarde regista-se a minha ultima recordação do cine teatro embora possa não ter sido a ultima vez que ali estive, é a que recordo com mais intensidade e clareza, foi no ano que saiu o Silencio dos Inocentes e foi uma das raras vezes que me recordo de ir ao cinema com os meus irmãos. O filme como sabem é tudo menos para rir, mas não sei bem como, os meus irmãos transformaram-no numa comedia. eramos na altura parte de um já reduzido grupo de espectadores que ainda ia ao cinema no cine teatro, mandaram-nos calar algumas vezes e nós ríamos como patetas. E é assim que para além de fazer parte da história da minha cidade, este edifício emblemático de Ovar faz parte da minha infância e da minha adolescência, faz parte das vivências da minha família e de algumas das minhas mais ternas recordações. e é por isso que me comovi com o artigo anterior e que me arrepiei com a ideia de um dia, em vez de encontrar ali o cofre poeirento de todas estas fantásticas memórias encontrar apenas um grande vazio, sim porque pode-nos custar suportar as suas ruinas, mas estamos verdadeiramente preparados para suportar o seu desaparecimento?? custa-me imaginar!!! se ganhar o totoloto prometo-vos solução, senão serei totalmente solidaria com quem tiver uma ideia que salve este nosso património! Abraço Vareiro!

  3. josé lopes

    Da minha parte (como autor do texto) caro ovarense José Costa, parabéns por este contributo e testemunho sobre um outro melhor destino que poderia ter tido o Cine-teatro de Ovar á muito votado ao abandon e agora á mercê de qualquer especulação imobiliária em tempo do tão apregoado empreendedorismo…

  4. José Costa

    Quando os Bombeiros solicitaram a desocupação ao Orfeão do Teatro Ovarense, para ali instalarem uma garagem (ainda não tinha sido construído o novo quartel)logo a direção procurou um edifício á “altura”, visto as muitas atividades desta coletividade. E uma vez que o Orfeão realizava neste Cine-Teatro os bailes de Carnaval, um dia na presidência do snr Regueira, foi-nos oferecido para o explorarmos. Mas não se arriscou. Mas este Teatro foi sempre aproveitado pelo Orfeão para as famosas Revistas e para a festa anula de Ballet. Assim, quando andávamos á procura de uma casa nova, eu e o Rui Resende, sempre nos batalhamos por adquirir este excelente espaço e ali colocar as atividades do Orfeão e depois rentabilizar com o aluguer ou protocolos com a Camara. A maioria dos diretores não foi por aí e, assim se perdeu uma boa oportunidade que seria a sede do Orfeão e certamente hoje este edifício seria notícia por outros bons e melhores serviços á comunidade!

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