Maximina Girão Ribeiro
Nunca será de mais lembrar que, no ano de 2015, se comemoram os 600 anos do início da expansão portuguesa, com a conquista da cidade marroquina de Ceuta.
A este primeiro passo do alargamento territorial, está muito ligada a cidade do Porto e o envolvimento das suas gentes, como obreiras de uma façanha que ficará para sempre perpectuada na memória da cidade.
O Porto, em finais da Idade Média, era uma cidade que vivia, principalmente, de um próspero comércio com os países do Norte da Europa. Daqui partiam mercadores e aqui chegavam pessoas de inúmeras proveniências que deambulavam numa urbe muralhada, feita de becos, pequenas travessas, ruas e ruelas estreitas e tortuosas, num verdadeiro labirinto, onde sobressaía a Sé, o pelourinho, a prisão, a alfândega, mas também, as casas e os casebres, as oficinas-lojas, as tendas e outros lugares por onde pessoas e animais conviviam e circulavam, onde se desenrolavam feiras, mercados e diversões, onde se vivia o dia-a-dia…
A cidade fervilhava de bulício, numa constante azáfama, quando ao Porto veio o Infante D. Henrique, nascido nesta cidade, 20 anos antes. Vinha com a missão de organizar uma frota, embora ninguém soubesse, ao certo, para que seria necessária essa frota, ou para onde se dirigiria. Os boatos eram muitos e, as conjecturas aventadas, também eram inúmeras…
Junto ao rio Douro, nas zonas de Lordelo do Ouro e Miragaia, terras de marinheiros e de pescadores, nos seus estaleiros, reparavam-se e construíam-se numerosas embarcações, a pedido do Infante.
Após um ano de intenso labor, em Junho de 1415, o Infante deu por terminados os trabalhos, considerando que tinha 70 embarcações, entre barcas e barinéis, fustes e galés, já garantidas, “afora outra muita fustalha”, como indicam registos da época.
Mas, antes do Infante deixar a cidade, já os seus habitantes, de forma generosa e solidária, tinham morto um número considerável de animais (vacas, porcos,…) e preparado a carne que salgaram em barricas para que os barcos fossem abastecidos para a misteriosa viagem. O Infante D. Henrique reuniu-se, em Lisboa, em Julho de 1415, a seu pai D. João I e aos outros Infantes seus irmãos, para partirem rumo ao Norte de África, com uma armada constituída por 270 navios e cerca de 30.000 homens.
No meio do maior secretismo, a frota dirigiu-se para a cidade fortificada de Ceuta, importante ponto estratégico, como entreposto comercial, tendo o ataque sido planeado atempadamente e executado com sucesso, em 21 de Agosto de 1415.
No Porto, onde tinham ficado apenas as tripas dos animais que, depois de limpas e cuidadosamente arranjadas, iriam servir de alimento à população, a vida continuava no seu ritmo habitual de trabalho intenso… Dessas tripas que ficaram na cidade, a “arraia-miúda” foi comendo, matando a fome de cada dia… Mais tarde, as tripas viriam a transformar-se no famoso prato tradicional da cidade, tal como hoje o comemos, com feijão, as “Tripas à moda do Porto”.
Com este episódio de altruísmo, por parte dos portuenses, também surgiu o seu orgulhoso epíteto de “Tripeiros” para a gente desta cidade.
Nestes 600 anos das “tripas”, esta cidade continua a “fazer das tripas coração”…
Quanto a Ceuta, pouco depois da vitoriosa conquista pelos portugueses, os Muçulmanos desviaram as rotas comerciais que terminavam na praça fortificada, para outras cidades no Norte de África e, provavelmente, aqui terá nascido uma outra expressão, muitas vezes ainda hoje repetida, sobre os portugueses que… “ficaram a ver navios”!
Fotos: Pesquisa Google
01jun15
OBS: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
Sou brasileira, moro em Perdigão,uma cidade do interior das Minas Gerais.Tenho um amigo português nascido na cidade do Porto,que me disse que seu almoço de domingo(10-04-2016)seria Tripas à moda do Porto.Sou professora aposentada de História e sou muito curiosa!Resolvi pesquisar sobre a origem gastronômica deste prato.Ao conhecer a historia pude descobrir também a explicação de expressões linguísticas comumente usadas entre nós:”fazer das tripas coração e a ver navios”Adoro aprender coisas novas! Tenho muito interesse por conhecer a história de um povo,suas vicissitudes e as suas relações intimas com a linguagem.Obrigada pelo momento de aprendizagem.