Durante vários anos raramente havia uma época balnear em que os órgãos de comunicação social não acampassem no areal da praia de Esmoriz para darem voz aos veraneantes que viam o dia de praia estragado, sempre que as águas poluídas, contidas no leito da Barrinha, rompiam a muralha de areia que as controlavam até ao seu limite máximo, que, habitualmente, é atingido com maior rapidez quando chove com alguma intensidade.
Mas também aos autarcas que se acusavam mutuamente sobre as responsabilidades no estado degradante de tal cenário ambiental verdadeiramente deprimente, numa área da costa bafejada com praias de bandeira azul a norte e a sul de Esmoriz. As acusações chegavam mesmo ao ponto de se questionar quem teria interesses políticos, ou não, para em alguns casos, provocar, na calada da noite, a rotura na areia de sustentação, o que rapidamente fazia o caudal da Barrinha se precipitar para o mar, dando origem a desesperados alertas dos banhistas nos dias seguintes, isto até as correntes marítimas se encarregarem de limpar os focos de poluição das águas e das areias.
Guerra de “águas”… políticas
Esta “guerra” política prolongou-se durante muitos anos, com as mais diversas entidades competentes a adiarem prometidas intervenções na Barrinha. Realidade que deu origem a movimentos cívicos de defesa da Barrinha que continuam à espera da sua requalificação, agora através da Pólis que desde a gestão socialista no governo e no município tem o desassoreamento da Barrinha em plano de ação.
Mas a Barrinha de Esmoriz parece continuar a ser o parente pobre ao ficar sucessivamente atrás de outras obras do Pólis no âmbito dos projetos de requalificação e valorização dos cais na região banhada pela ria e seus múltiplos canais que têm sido inaugurados, com a agravante de ter deixado de merecer o “protagonismo” nas TV que teve em anos anteriores.
Curiosamente, num tempo em que, ao contrário de anteriores realidades de influência partidária nos concelhos vizinhos, ligados à Laguna por linhas de água, (Ovar, Espinho e Santa Maria da Feira), todos são agora de maioria PSD, o que não deixará de facilitar um certo silêncio sobre um cenário paisagístico, que continua ambientalmente doente, e cuja ausência de precipitação tem favorecido uma adequada gestão no controlo da Barrinha, mantendo-a mais facilmente retida para não colocar em risco estes dias da época balnear alta.
“Ribeiras” e “Rios”
Detritos e águas nauseabundas continuam a correr para a Barrinha. Não fossem os detritos domésticos e industriais, químicos e poluentes de diferentes proveniências que são descarregados ao longo da Ribeira de Paramos ou do Rio Maior, que serve de vazadouro para indústrias poluentes no concelho de Santa Maria da Feira e que, durante as últimas décadas, se foram depositando no fundo da Barrinha, matando a sua fauna e flora que foi modo de vida para as comunidades piscatórias locais, a Barrinha de Esmoriz seria, naturalmente, uma lagoa costeira de água salobra que comunicaria com o mar de forma intermitente em resultado, não de estratégias para o seu fecho artificialmente no inicio de cada época balnear e como salvaguarda para evitar inundações de zonas urbanas.
Falhado que foi o projeto do dique fusível que rapidamente o mar se encarregou de demonstrar a sua inoperância prática, mas da evolução dos períodos de caudal fluvial provenientes da bacia hidrográfica, em que as águas doces superficiais tendem a rasgar uma barra na praia, para a sua comunicação direta com o mar.
A ETAR, a Câmara de Ovar, a PÓLIS…
Sendo a Barrinha de Esmoriz dependente das linhas de água afluentes, como a ribeira de Rio Maior (ou ribeira de Paramos) e a Vala de Maceda, que beneficiou do encerramento da ETAR de Cortegaça/Esmoriz, esperava-se que, nesta fase de espectativa para a prometida intervenção de requalificação da lagoa localizada entre Esmoriz e Paramos (entre os concelhos de Ovar e Espinho), a ribeira há muitos anos devidamente identificada como a maior poluidora, continue até aos dias de hoje a ser um autentico canal de esgoto a céu aberto a correr para a Barrinha.
Tudo à vista de toda a gente, inclusive da unidade militar de engenharia em Paramos que “convive” com tal repugnante cenário mesmo à porta de armas. Uma continuada pressão poluidora sobre um espaço ambiental incluído no Programa Pólis Ria de Aveiro que, desde 2011, entregou à Câmara Municipal de Ovar o relatório final do estudo para a respetiva requalificação, que entre as intervenções previstas, constam trabalhos de desassoreamento e a limpeza e valorização do coberto vegetal das margens, entre outras vertentes da requalificação de tal património ambiental.
… a SIMRIA e outras coisas tais…
Com tal cenário de acentuada poluição da ribeira de Rio Maior que a olho nu, há anos corre sem se vislumbrar o fundo do leito, por o seu estado natural ser água negra. Como será possível em 2015, ano em que se redobram as promessas de requalificação, assistir-se a um descarado foco de poluição a depositar diariamente resíduos preponderantemente industriais que continuam, apesar das prometidas estações de tratamento de águas residuais a montante no concelho da Feira no âmbito da rede da SIMRIA, ainda se assistir a um terceiro-mundista caudal de águas pestilentas que continuam a poluir uma área protegida em que a Pólis promete a recuperação do próprio sistema aquático e a melhoria das condições de funcionamento da lagoa.
Estarão os decisores políticos e entidades competentes pelo desenvolvimento do Programa Pólis, que incluiu Estudo, de Impacte Ambiental, a pensar intervirem no caso da poluição desta ribeira “negra” só depois da obra na Barrinha, ou seja, limpar primeiro a lagoa e só depois atacar os focos de poluição a montante?
Caso, a, há muito prometida, obra tivesse avançado a seu tempo, a conclusão lógica é que um problema se mantinha por resolver na eliminação definitiva dos potenciais focos de poluição que de forma mais barata e ilegal se livram dos seus resíduos, continuando assim, sem preconceitos ambientais a poluir a Barrinha e a desvalorizar a requalificação que ainda está encalhada nas lamas da laguna.
Mais de dois milhões em “jogo”
Todos querem acreditar que finalmente a obra vai avançar. Concluído que foi o procedimento de verificação da conformidade ambiental e do processo de Consulta Pública do Projeto de Requalificação da Barrinha de Esmoriz/lagoa de Paramos, as obras estarão, finalmente, a caminho assim todos querem acreditar, lançado que foi o respetivo concurso pela Pólis com um orçamento de cerca de 2,6 milhões de euros e com duração de execução de menos de um ano. Nove meses é o tempo previsto para a conclusão da dragagem e desassoreamento, bem como a inexistência num dique fusível e consolidação das dunas, incluindo passadiços e zonas de lazer.
O projeto prevê também um pequeno cais flutuante em madeira e um observatório de aves, bem como, uma ponte por cima da Barrinha que terá cerca de 38 metros de comprimento e mais três pontes curvas com 13,5 metros de comprimento. Incluirá ainda percursos mistos cuja rede está desenhada de forma a articular-se com a rede de percursos municipais de ciclovias de Esmoriz e de Paramos, estendendo-se à estação de caminhos-de-ferro de Esmoriz, dois pórticos, três parques de estacionamento e mobiliário urbano.
Reserva Ecológica Nacional
Depois da época balnear todos esperam ver o arranque de uma intervenção há décadas reclamada e sempre adiada para que a Barrinha seja finalmente encarada como uma importante “Reserva Ecológica Nacional” em que a sua água deixe de ser poluída e deixe de ser fator de preocupação durante a época balnear com os habituais maus cheiros, mosquitos e lamas negras que estranhamente e incompreensivelmente continuam a correr por estes dias através da ribeira do Rio Maior que, na véspera de poder ser iniciado, um processo para valorizar a Barrinha, continua a mancha-la perante o olhar cúmplice das entidades competentes, desde logo o Ministério do Ambiente.
Texto e fotos: José Lopes
01set15
Este texto publicado no Etc e Tal resultou numa troca de informações ambientais interessantes no facebook, sobre o tema da origem da poluição da Barrinha de Esmoriz! Um diálogo em que entram especialistas como o biologo Eduardo Ferreira.
Rubim Almeida
Mais um daqueles artigos em que se escreve sem conhecimento.
Não é Sta. Maria da Feira o maior poluidor, de modo algum. Sobretudo desde que instalaram o saneamento básico e isso notou-se e bem.
Não existe tanto dinheiro para recuperar a barrinha. Seria bom, mas não é. Mais a mais 2,6 k euros não dava para nada.
As pessoas não entendem que não se trata de fazer obra na Barrinha. Trata-se de acabar com a poluição que chega à Barrinha. E isso começa imediatamente em todas as “urbes” que descarregam poluição (a começar pela doméstica) para a Barrinha e Esmoriz é a primeira.
Trata-se da poluição agrícola.
Trata-se das descargas “pirata” das suiniculturas, das cromagens e das fábricas de papel.
Enquanto isso não acabar, enquanto a população não estiver atenta e exigir … gastem na Barrinha o que quiserem.
Sairá dos nossos bolsos, de todos os contribuintes, e será apenas o “lavar” da cara aclamado por todos em tempo de eleições e para gáudio de políticos.
Mas nada mudará
Eduardo Ferreira
Rubim, agora fiquei confuso… :S se a maior parte da poluição não vem do miunicípio de Santa Maria da Feira a maior parte da poluição, de onde vem? É certo que há poluição que vem de Esmoriz (e do resto do concelho de Ovar) e também do concelho de Espinho… mas ainda assim são visíveis as diferenças entre o que vem da Vala de Maceda e o que vem da Ribeira de Rio Maior… ou mesmo de outros cursos de água mais pequenos… há poluição doméstica que é periférica à Barrinha, em Esmoriz, mas grande parte dos focos de poluição que referes, como as fábricas de papel (que dão, em parte, o cheiro caraterístico das águas da Barrinha) são do concelho da Feira… ou estou assim tão enganado? E concordo que antes de qualquer obra, é a despoluição que interessa em primeiro lugar… sem isso nada feito… mas mais uma vez, o foco do artigo é principalmente esse: a poluição…
Rubim Almeida
Os dados e os números não mentem Eduardo Ferreira. A Ribeira de Silvalde é a maior poluidora. Há dias em que parece a Beneton. E quando te referes ao que chega através da vala de Maceda, essa poluição é clandestina. Nada tem que ver com o município mas com o mau uso que dão a essa linha de água.
Quer se goste ou não os grandes focos de poluição são domésticos (Esmoriz incluída) e industrial via Ribeira de SIlvalde e descargas clandestinas de todos os lados.
Há dias em que a quantidade de oxigénio dissolvido na água da Ribeira de Silvalde é de 0,1%
Assustador
Eduardo Ferreira
Mas concordo contigo a 100% Rubim Almeida… por isso não estou a entender… pois a Ribeira de Rio Maior (que como bem dizes, por vezes parece a Benetton) recebe uma grande grande parte da sua poluição antes sequer de entrar no concelho de Espinho ou de Ovar… Basta ver como ela chega à zona do Castro de Ovil, em Espinho! Quando falo em munícipios, falo principalmente de quem lá vive (e despeja esgotos clandestinamente) e tem actividade industrial (e os despeja nas ribeiras, sem os tratar). Mas os executivos locais e nacionais são tudo menos isentos de culpas, mais que não seja por se demitirem da sua função reguladora e fiscalizadora.
Rubim Almeida
Enquanto a lei continuar a permitir que as denúncias dos cidadãos não possam ser acompanhadas por videos e fotografias, que apenas o Sepna (com todas as suas lacunas, falta de pessoal e desconhecimento da lei… para já não falar em outras coisas) possa fazer chegar os casos aos tribunais … Quando o Sepna nunca está disponível para registar in loco e atempadamente as descargas clandestinas…. porque está sempre noutro lado… enquanto continuar a falta de fiscalização … enquanto todos fecharmos os olhos …. porque aquela fábrica dá trabalho “ao meu filho, á minha irmã…” … porque o dono até é boa pessoa … nada vai mudar
Rubim Almeida
Nós temos feito análises às aguas uma vez por semana, às principais linhas de água da região, Eduardo Ferreira. É do lado de Espinho que chega a maior carga.
Se vem de Espinho ou não, já não te sei dizer porque precisávamos de ir investigar e não temos capacidade para tal. Mas estes são os factos. Desde que Sta. Maria da Feira concluiu o saneamento as coisas melhoraram exponencialmente para os “lados de Maceda”
Eduardo Ferreira
Então tenho um dia que te contar (com detalhes) uma história de uma denúncia ambiental que ocorreu em Esmoriz e do seu final feliz e das lições aprendidas. Envolveu também o SEPNA e a sua inépcia. Não era diretamente com a Barrinha, mas com óloes usados a serem despachados para uma vala de águas pluviais… A denúncia presencial de uma cidadã anónima, diretamente na sede do SEPNA em Ovar, ficou sem resposta. A minha, por mail, ao SEPNA, passado umas semanas, foi respondida ao fim de meses, a dizer que afinal não se passava nada. Uma terceira, feita pelo BE, a meu pedido, diretamente ao Ministério do Ambiente, via Assembleia da República, e à CMO, via Assemblea Municipal, foi respondida mais rapidamente, referiu as diligências tomadas, identificou o problema, referiu que houve consequências para a empresa poluidora e só pediu para da próxima vez a denúncia ser feita diretamente ao SEPNA local. Quando respondemos que isso tinha sido feito inicialmente, sem consequências, não obtivemos resposta. Quando confrontamos o SEPNA (e a resposta deles, de que não se passava nada) com as respostas da Divisão de Ambiente da CMO e do Ministério do Ambiente (via APA), também não obtivemos resposta. Ironicamente, a única pessoa que fez denúncia presencial no SEPNA e nunca obteve resposta, recebeu uma visita de cortesia dos donos da empresa poluidora. Coincidência? Ou será que o facto de a denúncia ao SEPNA local não ter dado em nada está ligada ao facto de que a única pessoa que fez denúncia presencial ter recebido a visita? Estes dias, os alunos da UA andavam em campo e assistiram a movimentos suspeitos na mata, entre Cortegaça e Maceda, junto à vala de Maceda. Em “tempo real” comunicamos ao SEPNA que alguém andava à noite a cortar lenha junto ao rio, à noite. Até carvalhos com quase um metro de diâmetro foram já cortados e muitas ramadas estão a ser atiradas para o rio. A denúncia, mais uma vez particular, não surtiu qualquer efeito, pelo menos que seja do nosso conhecimento. Resta saber se vai ser necessário recorrer ao mesmo expediente da última vez… é lamentável que se corte a voz ao cidadão e é por isso que cada vez mais temos que nos fazer ouvir.
Eduardo Ferreira
Rubim Almeida, sei que vocês têm trabalhado (e muito bem) sobre a qualidade da água (entre outras coisas) e que têm mais conhecimento factual sobre a qualidade da água que chega à Barrinha. Essa questão nem me arrisco a discutir contigo grin emoticon Também não discuto que grande parte da poluição doméstica que lá chega seja mesmo clandestina com origem em Esmoriz, Paramos e Silvalde. Mas o que te estou a dizer (e que o Zé Lopes refere no artigo) é que muitas das fontes poluidoras industriais nem sequer são dos concelhos de Ovar e Espinho… e isso (mas obviamente não só) é uma das questões que dificulta a despoluição da Barrinha, e sempre dificultou
Rubim Almeida
Eduardo Ferreira a única maneira de actuar, de acordo com os advogados, é fazer queixa imediatamente ao Ministério Público da área.
Só assim se consegue uma intervenção eficaz. A Sepna tem fortes limitações e obviamente é constituída por … homens … locais
Rubim Almeida
E quanto a muitas das fontes poluidoras não serem locais … deixa-te disso… dá uma volta junto à Barrinha e vê com atenção …
Eduardo Ferreira
smile emoticon Rubim Almeida, devo dizer-te que a denúncia que fiz ao SEPNA, na altura, documentada com fotos e coordenadas geográficas do local, foi com conhecimento da Divisão de Ambiente, da APA, do MInistério do Ambiente e do Ministério Público… como te diss…Ver mais
Rubim Almeida
Tem que ser directamente ao Ministério Público Eduardo Ferreira, não é por interpostas pessoas ou instituições
Pedro Henriques
A poluição que advém da ribeira de rio Maior é o principal cancro da Barrinha…
Rubim Almeida
Pedro Henriques qual é essa Pedro Henriques. São tantos nomes que me perco
Pedro Henriques
Essas autoridades ambientais só servem para multar os peões que acendem fogueiras para fazer churrascadas. Quando o nível de actuação é mais complexo, citam-se uns aos outros para a resolução do caso. São associações que deveriam antes dedicar-se ao ping pong ou ténis de mesa.
Pedro Henriques
A ribeira de Rio Maior é a que vem de Paramos… wink emoticon
Rubim Almeida
Correcto Pedro Henriques. Em termos do dia-a-dia que não hajam dúvidas. Depois há as descargas clandestinas em todos os lados
Eduardo Ferreira
Rubim, a denúncia a que me refiro foi feita por mim, a título pessoal, diretamente ao SEPNA – que é o organismo para o qual todos os outros dizem que se deve remeter queixas a nível local – mas em simultâneo a todos os outros, incluindo o MInistério Público. Foi essa, como cidadão, que ficou sem resposta da maior parte das instituições e que teve resposta insuficiente do SEPNA.
Rubim Almeida
Não é essa a informação que tenho Eduardo Ferreira quando é preciso actuar no momento. Ainda que seja a acção que dizem ser a adequada. Coisas da nossa legislação maravilhosa e avançada
Jose Lopes
Diálogo interessante e que em nada contraria afinal o que foi escrito. Mas acrescenta muita interessante informação sobre um atentado ambiental sobre a Barrinha que se mantem a olho nú! Mas na verdade o essencial da coisa, é que nesta fase do campeonato para o prometido arranque da obra de requalificação da Laguna, tais atentados e descargas de um ou outro lado, era para estar resolvido. E a verdade é que não está como este diálogo prova e comprova!