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Caminhando… fazemos caminho

Carla Ribeiro

Cada noite, um novo caminhar.

Esperamos novas partilhas, encontro, reencontros, mas também temos os desencontros.

Saímos de coração cheio e mãos vazias, na esperança de as encher do imenso que cada noite nos reserva.

Mas sempre temos momentos, momentos que pela sua magia nos marcam, quer positiva, quer pela negativa, pela alegria ou pela tristeza.

Hoje, vou propor-me falar-vos de alguns destes momentos.

Não foi há muito tempo, estávamos na rua, não importa a rua, apenas uma das muitas que durante as nossas noites percorremos pelas ruas da cidade.

Um alegre convívio com os nossos amigos de rua.

Enquanto se alimentavam, alimentávamos-lhes também o coração, com uma conversa, com a nossa companhia.

Um senhor, passava e olhava, nem sei bem se por fome, mas oferecemos uma sopa, e um copo de leite quente.

Uma voz suave, até tímida mas ao mesmo tempo curiosa, falava-nos em inglês, ora em francês, ou até em italiano.

Queria apenas falar-nos e perceber o que ali fazíamos, na rua alimentando os que dela fazem a sua morada.

Envergonhado e ávido de conversa, comeu uma sopa, que dizia estar deliciosa, mas que não tinha fome mas o seu cheiro o tinha deixado ainda mais curioso.

E lá íamos falando ora em inglês, ora em francês e até em italiano, nem importa a linguagem pois no seu olhar o brilho gritava de alegria, por connosco estar a partilhar aquele prato de sopa mas essencialmente aquele momento de conversa, que se prolongou por algumas horas.

Um homem estrangeiro, não importa a idade, que estava pelo Porto de férias, alojado num Hostel.

Dizia ser a forma mais económica de visitar a cidade e poder aproveitar de toda a beleza das lindas cidades do norte, pois todos os dias partia em novas conquista e em novas aventuras.

Fez questão de conhecer o projeto e o que nos movia, pois apenas o Amor, somente ele nos move em cada noite. Depois de muito conversarmos, rirmos, ficou a foto, para sempre se recordar.

E, lá seguiu ele pela estrada fora, no silêncio da noite que rompia a cada passo, fechado na sua solidão…

E nós seguimos estrada fora, para novos reencontros, cada um fechado nos seus pensamentos daquele momento…

relatos - 01 - 01set15

Hoje encontramos um novo rosto.

Ainda sem marcas de rua, rosto de menina, mas que dizia ser já um jovem de 20 anos. Postura de homem, voz de menina, e no rosto a delicadeza de uma menina.

No olhar, a tristeza, nas vestes limpas e ainda muito arrumadas, traços de quem ainda chegou há pouco à rua.

Olhei-a e rapidamente aquele corpo que tanto queria ser homem, se fez mulher, apenas uma menina.

E porque pretende tanto ser um homem?

Opção correta se pensarmos que assim estará mais protegida, juntando-se a este “nicho”, para assim se poder proteger.

Conta-nos um pouco das suas histórias, e lá vai deixando cair, uma e outra expressão que nos conformam ser uma jovem, ainda uma menina, com tantas histórias já para contar.

Problemas com a família, e com o namorado e acaba esta menina, a dormir nas ruas da nossa cidade.

Mas ciente de alguns perigos, “vestiu” a personagem de um jovem, para ser mais fácil sobreviver.

E toda a noite esta jovem não me saiu do pensamento.

Durante alguns dias a noite lá ia eu ver como estava.

Hoje, já esta junto da sua família…

relatos - 02 - 01set15

Corpo de menina em postura de homem

Menina, apenas uma criança, 14, 15 anos apenas.

Vestes simples, cuidadas, ainda sem traços de rua.

Tudo arrumado, como se ainda estivesse em casa.

Mostra-se forte, quer apenas ser um homem,

A única forma que tem para se defender dos perigos da rua.

No olhar a candura de uma criança,

Na pele a suavidade ainda de um bebé.

Castrou no olhar os sonhos, amordaçou-os no coração,

Vestiu vestes de jovem, até diz ter 20 anos.

Sabe o risco que corre, nesta rua cruel,

Onde ser jovem, ser criança e ser mulher é ainda um perigo maior.

Olho e volto a olhar e vejo apenas nesta criança

Uma menina frágil em crescimento,

Atirada para rua, depois de com a vida romper

Todos os laços que tinha.

Fica para trás a família, o namorado que a expulsou

Uma vida que não tem nome, uma dor de solidão.

Sentada no seu cartão, protegida pelos amigos,

Que naquele local com ele, partilham a rua.

É uma menina, apenas uma criança, ainda em crescimento

Que desponta para a vida neste encobrir de jovem

Mas no seu corpo de Mulher.

Não sei bem, onde guarda o medo, pois adotou uma postura firme

Sabe que tem que ser um jovem, para nesta selva sobreviver.

Estende a mão, para uma saudação receber, até puxa de um cigarro,

Pois nesta rua ela tem que se proteger.

Corpo de menina, ainda a despertar

Corpo de homem, é o que ela quer mostrar,

Nesta conversa em que mata as horas de solidão

E as vezes nem sabe se diga ser homem se mulher,

Sei apenas que é ainda uma simples criança…

E hoje deixo-vos com estas duas histórias, momentos, momentos que para sempre guardamos, carregados de solidão.

relatos - 03 - 01set15

A todos, um simples até já.

A todos sem igual,

Obrigada

Até breve com novos “sentir”, novos “amar”…

Fotos: “Corações Amigos” e Pesquisa Google

01set15

 

 

 

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9 Comments

  1. M.R

    Carlita,
    Que nunca te faltem as forças para continuares essa tua caminhada, levando esse teu imenso Amor a que tanto dele necessita.
    Prometo que quando estiover no Porto, te irei acompanhar numa dessas tuas noitadas, quero sentir de perto todo esse amor e acredito que essas tuas risadas, que nos enchem a alma e o coração.
    Saudades tuas minha Amiga, desse teu enorme abraço que nos acolhe e do teu lindo riso, sempre pleno de amor e de verdade.
    Até breve, prometo ir em breve ao Porto.
    Beijinhos e força para ti e todos os que com o mesmo Amor te seguem.
    Vocês são fantasticos.
    Beijinhos

  2. Carina

    Bom dia menina Carla
    Os seus Relatos são sempre momentos de um tudo e um nada, pois enchem-me o coração e percebo que nada faço, nada tenho de tanto Amor para dar.
    Obrigada.
    Um enorme beijinho
    Carina

  3. João

    Menina Carla
    Mais um relato que muito me enternece.
    que continue a levar esse enorme amor que as suas palavras me mostram , aos que na rua certamente já a esperam com tanto Amor.
    obrigado por estas suas partilhas que nos mostram uma realidaee , a qual tantas vezes preferimos virar os olhos.
    premita-me que lhe deixe um enorme beijo de carinho pela pessoa maravilhosa que vejo em si.

  4. Francisco

    Mimalha,
    cada vez que leio os teus relatos, consegues soltar-me as lágrimas.
    sei k ao leres hoje este relato muitas te saltarão, pois recentemente sei que perdeste na rua uma Amigo, o vosso avô como sempre te ouço com imenso carinho falatr dele.
    nunca deixes de Amar dessa forma incondicional, como Amas o proximo e tudo o que fazes na tua vida.
    Como é bom ver-te crescer nesta tua caminhada de escrita…
    e mais uma vez te tenho que fazer a pergunta , desta vez publicamente: Para quando um livro teu?, já é bem altura de acontecer mimalha.
    os teus Relatos estão cada vez mais repletos de cor.
    Não pares nunca de me / nos surpreeender com os teus textos, os teus sentimentos, que os desnudas nestas palavras que connosco partilhas.
    Obrigada Amiga,
    Continua essa Mimalha linda que sempre vejo em ti, pela Amiga e pela pessoa maravilhosa que és
    Beijinhos

  5. A M I

    Parabémns por estas partilhas, de momentos que tantos nem imaginamos como se podem sentir.
    que continuem a viver esses momentos e levar esse Amor.
    Gostaria de vos ajudar, deixem-me por favor depois uma forma de contato.
    Obrigada
    Ana

  6. Mário Neves

    Belo texto, Carla!…Sentido, simples, direto…um testemunho real de vida. Da nossa, dos outros, de alguém…há sempre alguém fora do contexto virtual. A realidade aproxima os valores e os sentimentos…mas afasta, de uma forma sublime, os falsos moralistas. Um beijo! 😉

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