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Chá, café, chocolate e… batatas

Maximina Girão Ribeiro

No séc. XVIII, Manuel de Figueiredo numa peça de teatro da sua autoria, colocava na voz de uma personagem, o seguinte:

“Os chás, cafés,

Chocolates, manteigas, os biscoitos.

Alfinetes, batatas, fitas, leques,

Os trajes, penteados, as mostardas,

Cozinheiros, as danças, cortesias,

A letra, a língua, os gestos, tudo, tudo,

Nos vem dos Estrangeiros, ou nos veio.”

Na realidade, este dramaturgo tinha razão ao lembrar que todos estes produtos vinham de fora, ou por não se fabricarem em Portugal, como é o caso dos leques, alfinetes, fitas,… ou por que eram produtos originários de outros continentes e o seu cultivo e uso fosse desconhecido ou pouco divulgado entre os europeus. É o caso do chá, do café, do chocolate e das batatas, isto como exemplo, para não falarmos de muitos outros produtos.

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O chá, proveniente da Ásia, só foi conhecido pelos europeus, quando os portugueses chegaram ao Japão, em 1543. Sendo o chá proveniente da China, esta infusão de folhas, flores e raízes da planta do chá (Camellia Sinensis, a “Camélia da China”), foi divulgada no Japão por monges budistas que aí introduziram algumas sementes, passando o chá a fazer parte de rituais religiosos e familiares, assim como da própria educação dos japoneses.

Sobre o chá, a notícia mais antiga parece ser o relato da viagem de Marco Polo (séc. XIII), assim como a referência feita por um português, o missionário dominicano,  frei Gaspar da Cruz (séc. XVI) que o menciona no “Tratado das cousas da China”, obra da sua autoria, sobre as deambulações que fez em terras asiáticas e as curiosidades acerca dos povos que encontrou.

A chegada do chá à Europa não foi um processo rápido, se tivermos em conta a distância, as dificuldades do transporte e do próprio comércio.

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Esta bebida começou por ser aceite, sobretudo entre as classes mais abastadas, nascendo o hábito social de “tomar chá”. Os ingleses, tão conhecidos pelo seu tradicional “five o’clock tea”, tiveram conhecimento da bebida, através de D. Catarina de Bragança (séc. XVII), filha de D. João IV, casada com o rei de Inglaterra, Carlos II.

Mas, a popularidade do chá, na Europa, só se instalou verdadeiramente a partir do século XIX, tornando-se num hábito mais generalizado no quotidiano e, também, enquanto tratamento medicinal.

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Quanto ao café, o divino “cafézinho” dos portugueses actuais, tomado a qualquer propósito e a qualquer hora, saboreado sempre com avidez, bebido quase como um ritual,… este café que hoje tanto se aprecia, teve a sua origem no continente africano, mais concretamente nas terras altas da Etiópia.

Conta-se, segundo uma das várias versões que correm, que um pastor da Abissínia (actual Etiópia), chamado Khalid ou Kaldi observou que as cabras, após terem comido as bagas de uma certa planta, ficavam muito despertas e em grande agitação. Mais tarde, terá comentado este acontecimento com um monge local, que comprovou o efeito revigorante das bagas da planta e as considerou como “obra do diabo”.

Embora o café tenha sido divulgado por árabes, mesmo indo contra o Alcorão que proíbe bebidas excitantes, mas chegou à Europa através de mercadores venezianos, por volta de 1570. Esta bebida era, na Europa, considerada como muçulmana, por isso, proibida aos cristãos… Diz-se que o Papa Clemente VIII, depois de provar o café, também o consentiu aos cristãos!

No séc. XVIII, tomar café criou uma outra convivialidade, fruída num espaço público (o café), local onde se reuniam os intelectuais, os seguidores do Iluminismo, os divulgadores das novas ideias. Após a Revolução Francesa, esses espaços popularizaram-se, reunindo frequentadores comuns que, pelo preço de uma simples chávena de café, podiam trocar ideias, informações, fazer negócios, ouvir música, discutir política ou literatura. Os cafés tornaram-se, assim, espaços públicos novos, locais de convívio e sociabilidade, onde a informação circulava livremente.

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O chocolate, proveniente das Américas, o Novo Mundo onde chegou Colombo, foi trazido para a Europa, mais tarde, pelos conquistadores espanhóis, aqui chegando, em 1528. O chocolate, aquele bendito e sagrado chocolate, como muitos de nós hoje o consideramos e tido como a “delícia dos deuses” pelos Astecas, foi o primeiro sabor americano a ser adoptado, na Europa, pela nobreza.

Embora rodeado de grande curiosidade e entusiasmo, pela grande novidade que representava, era visto por alguns como uma bebida de cor escura com propriedades malignas, de supostos efeitos afrodisíacos, ligado aos prazeres da vida, às tentações,…

Mas, o alimento mais revolucionário que chegou à Europa, originário da América do Sul (área geográfica onde hoje se localiza o Peru), foi a batata. Até à entrada e plantio da batata na Europa, a alimentação humana era muito limitada e restrita aos produtos autóctones, como a castanha, a bolota, as hortaliças e legumes, cereais (trigo ou centeio), ovos, alguma carne e peixe para os mais ricos…

batatal

A batata, a par do milho, também este vindo da América, contribuíram para matar a fome a milhões de pessoas. Foi a responsável pela primeira revolução verde no Velho Continente – foi um êxito nunca visto embora, inicialmente tenha existido uma enorme resistência em comer a batata que, por isso, começou por ser administrada na alimentação dos animais, dos escravos e  das pessoas mais pobres.

Os próprios médicos desdenhavam da batata, apontando-lhe todos os defeitos… Foi preciso uma série de medidas, incluindo a divulgação de repastos entre nobres e burgueses europeus, relatando-se que aí se comiam batatas, para que este alimento se impusesse e se transformasse em algo de importante, na nutrição humana.

Com este pequeno relato, fomos à procura da proveniência de vários produtos que, no nosso quotidiano, fazem parte dos hábitos comuns da maior parte dos portugueses. Produtos que chegaram à Europa e cuja origem são três continentes distintos. Constatámos a resistência ao novo, ao que vinha de locais desconhecidos. Constatámos a posterior e demorada aceitação e, finalmente, a assimilação destes novos produtos e, tal como se costuma dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Hoje, todos estes produtos chegam mais facilmente às nossas mesas e entranharam-se nos nossos hábitos!

Fotos: Pesquisa Google

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

01fev16

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