Texto: José Gonçalves
Fotos: Pedro N Silva
O “Abrigo dos Pequeninos”, na freguesia do Bonfim (Porto), mais concretamente na Praça da Alegria, encontra-se há, praticamente, quatro anos encerrado e ao abandono. O “Etc e Tal Jornal” já tinha relevado esta questão em reportagem publicada na edição de abril de 2014, mas, daí até hoje, a situação continua, praticamente, na mesma, sendo, contudo, de salientar o avançado e contínuo estado de degradação dos espaços contíguos ao edifício.
Situado numa das zonas mais carenciadas em termos sociais da cidade do Porto (S. Vítor/Fontainhas), o “Abrigo dos Pequeninos” foi encerrado por ordem da Segurança Social, em julho de 2013, altura em que, as 99 crianças que frequentavam o estabelecimento, foram transferidas para o Colégio de Nossa Senhora da Esperança, ao Jardim de S. Lázaro.
A verdade, é que a Câmara Municipal do Porto, proprietária do imóvel, depois do mesmo ter sido encerrado, ainda não conseguiu criar algo que dê utilidade a um espaço, que, além de portas fechadas, se encontra abandonado.
“Abrigo” à venda para ser arrendado por quem o vendeu
Em meados de setembro do ano passado, o executivo camarário, liderado por Rui Moreira, pediu, em Assembleia Municipal, autorização para a alienação do imóvel, pedido esse que foi aceite pela maioria dos deputados. O “Abrigo dos Pequeninos” passou, assim, para hasta pública.
Mas, as condições para a venda do imóvel mereceram algumas críticas, uma vez que o mesmo está avaliado em 1,4 milhões de euros, mas há condicionantes a ter em conta, ou seja: a obrigatoriedade do comprador realizar obras de reabilitação, no valor de 800 mil euros e de arrendar o edifício ao município (que o vendeu), pelo prazo mínimo de 20 anos, com uma renda mensal máxima de sete mil euros.
Rui Moreira: “Obras vão arrancar”
Entretanto, e em declarações ao “Etc e Tal”, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, garantiu que “as obras nesse espaço vão arrancar” e que o imóvel servirá “para lá serem colocadas as reservas do Palacete Pinto Leite. Depois definiremos as condições para a sua utilização”.
Para já o espaço, serve para os moradores das redondezas passearem por lá o seu cãozinho, uma vez que um dos portões de acesso ao local está semiaberto, assim como para alguns jovens se divertirem jogando à bola, ou a outras coisas mais íntimas como provam certos vestígios deixados entre as ervas que proliferam no local. O imóvel foi emparedado, dando espaço à criatividade de grafitis, alguns deles, por sinal, interessantes, transmitindo a quem por lá “passeia”… muito amor, paixão e outras coisas mais.
Sexo, droga e… outras coisas mais
Esta situação não é, contudo, do agrado de alguns moradores das redondezas, que contactaram o nosso jornal, uma vez que se queixam de “muito barulho durante a madrugada” e da “presença de algumas pessoas suspeitas no local”, falando-se mesmo em trasfega de droga.
“Aquilo à noite é insuportável. Aparece lá gente, aos grupos, que não sabemos lá muito bem o que vão fazer. Imagina-se o quê, mas não se sabe ao certo. Falam muito alto e não deixam dormir a vizinhança. Ao menos podiam fechar o portão, ainda que eles entrassem por outro lado, mas já era o impedimento. Já há quem tenha chamado a polícia”, relata-nos uma moradora.
“No edifício ninguém entra porque está emparedado, mas no campo de futebol; no anfiteatro e entre os postes acontecem coisas – como sexo e tudo – à descarada”, desabafo de mais um residente perto do “Abrigo”, desta feita um morador.
José Manuel Carvalho: “Não sei o que está previsto para o local”
José Manuel Carvalho, presidente da Junta de Freguesia do Bonfim, diz nada saber sobre o futuro do “Abrigo dos Pequeninos”, quando contactado pela nossa reportagem.
“De momento não tenho informações sobre esse assunto. Sei que a Câmara pretende utilizar aquele espaço, mas não sei o que está previsto para o local”.
Ainda de acordo com o presidente da Junta de Freguesia do Bonfim, autarquia da qual o “Abrigo dos Pequeninos” faz parte, falou-se “há tempos na colocação de uma unidade relacionada com a Morgue. Depois mais nada se falou sobre esse assunto. Agora, parece que a Câmara Municipal está interesse em colocar no local parte do seu património histórico… não sei mais nada!”
José Castro: “A crónica deste negócio imobiliário ainda não chegou ao fim”

Pedimos a alguns deputados municipais de diferentes quadrantes partidários, para abordarem este assunto, mas só José Castro, do Bloco de Esquerda, aceitou o nosso convite. E escreve…
“Na sessão da Assembleia Municipal do Porto de 12 de Setembro último, foi aprovada com 39 votos a favor (Grupo Rui Moreira, PS e PSD) e 7 votos contra do PCP e BE a venda do prédio sito à Praça da Alegria nº 8A. Foi assim consumada mais uma entrega a privados dum imóvel pertencente à cidade.”
“É certo que as finalidades da criação pela Câmara do Porto em 1935 do Abrigo dos Pequeninos – acolher na creche-dispensário crianças em pobreza extrema e que não fossem portadoras de doença contagiosa – já não são felizmente necessárias. Mas se a situação mudou muito, para melhor, após o 25 de Abril de 1974, isso não significa que o imóvel onde funcionou, durante décadas, o Abrigo dos Pequeninos devesse ser deixado ao abandono ou vendido a privados.”
Segundo José Castro, “as características do edifício projetado por Rogério de Azevedo justificavam plenamente a sua reabilitação/reutilização como Creche e/ou Casa da Criança. Só que, mais uma vez, o Executivo municipal cedeu à voragem imobiliária e decidiu vender aquele espaço, classificado como “Equipamento existente” pelo PDM em vigor. E assim, o prédio com a área de 3.809 m2 foi colocado à venda por um valor inferior a milhão e meio de euros.

O deputado do BE revela que “o relatório de avaliação refere a boa localização e a “panorâmica excecional sobre o rio Douro” que se desfruta do espaço onde funcionou o Abrigo dos Pequeninos. E é esta excecional localização daquele imóvel que explica o apetite imobiliário. Após os previstos 20 anos de utilização pela Câmara com a garantia duma renda mensal até 7.000 euros e com a possível alteração do PDM, a imobiliária adquirente obterá então todas as condições para a fruição, em troca de milhões, da já citada “panorâmica excecional sobre o rio Douro”.
Concluindo, José Castro é da opinião que “a crónica deste negócio imobiliário não chegou ainda ao fim. A cidade ainda tem uma palavra a dizer, uma atitude a tomar pela salvaguarda e valorização do seu património imobiliário…”
Um edifício com 82 anos

Inaugurado a 20 de abril de 1935 para servir os “meninos e meninas pobres” das ilhas de S. Vítor (freguesia do Bonfim), O “Abrigo dos Pequeninos”, projetado por Rogério de Azevedo, transformou-se em 1938, quando foi criado um dispensário, assim como uma creche aberta a uma centena de crianças de ambos os sexos, desde recém-nascidos até à idade de cinco anos.

A partir daí, foi espaço para outras atividades, isto até 2013 altura em que o edifício deixou, até aos dias de hoje, de ter qualquer tipo de utilidade. É certo que por lá ainda passou um ateliê de azulejaria – arte relevante na freguesia – coordenado pela Junta do Bonfim, mas, agora, pergunta-se: que futuro será dado ao “Abrigo dos Pequeninos”?
01mar17