Texto e fotos: José Lopes (*)
Sem margem para muita folia e com demasiadas regras aceites pelos protagonistas, para cumprirem e não darem origem a sanções, a 65.ª edição do Carnaval de Ovar foi um sucesso e atingiu os objetivos da organização, ao encerrar o pano a horas de todos brilharem, perante uma multidão que, nas bancadas ou no peão, assistiram ao desfilar de escolas de samba, grupos carnavalescos e passerelles devidamente cumpridores de tempos quilometrados de cem em cem metros ao longo do percurso na Avenida Sá Carneiro.
O “aperitivo”, mais uma vez, tinha sido servido num sempre majestoso desfile de muita cor e luz, proporcionado pelas baterias, baianas e sambistas das quatro escolas de samba que acabaram por influenciar o Carnaval de Ovar.
Abençoado pelo bom tempo, o corso de domingo (26fev17) saiu então à rua perante uma multidão que já dias antes tinha esgotado a compra de ingressos, tanto para o desfile do samba, no sábado, como para as bancadas de domingo e terça-feira. Uma procura extraordinária que obrigou a organização a recorrer à última da hora, à venda de bilhetes para peão na noite do Samba correspondendo à preocupação e objetivo de acolher melhor o público.
Este esforço de melhorar as condições para se assistir a tal espetáculo do corso carnavalesco, levou, pela primeira vez, à montagem de uma estrutura de três patamares de nivelamento em degraus largos, localizada ao longo do percurso no lado poente da via, por onde melhor se posicionaram os milhares de pessoas que vieram a Ovar ver este espetáculo de Carnaval em que o edil local assumiu mesmo o papel de motorista do Casal Real na habitual apresentação aos foliões.
A chuva chegou a ameaçar, e os vendedores ambulantes logo mostraram estarem abastecidos para o negócio dos guarda-chuvas, mas foram mais os banquinhos que tiveram saída para a, ainda assim longa, espera que obriga quem quer ter acesso a um melhor lugar.
Com o rigor imposto logo nas duas primeiras centenas de metros do percurso, em que se destacam os novos elementos responsáveis pela tarefa de controlar e quilometrar cada um dos grupos intervenientes neste espetáculo. O desfile decorreu a bom ritmo ainda que mais limitado na interatividade com o publico. Por mais carnavalesca que estivesse a ideia explorada, e várias eram as que proporcionariam tais momentos que sempre caraterizaram o Carnaval de Ovar, nomeadamente depois de terem sido erradicadas as piadas ou sátiras carnavalescas deste entrudo.
Ao som da Fanfarra dos Bombeiros Voluntários de Esmoriz e sem a cavalaria da GNR, foram abertas alas para o desfile que era encabeçado pelo samba da Costa de Prata em ambiente de aniversário com o tema “A celebração da vida”, seguiam neste primeiro bloco intercalados entre grupos carnavalescos e passerelles, os Condores com “Pirataria? Só aos nossos Bolsos”, Levados do Diabo, “Vendedores de Sonhos”, Palhacinhas, “2 em 1”, Pinguins, “50 anos a Limpar o Carnaval” e Garimpeiros, “Gugu Dá Dá”.
Sem os sempre martirizantes espaços vazios no cortejo, nova bateria de samba rufava, com a Charanguinha a mostrar o seu enredo “If you can dream it, you can do it”, de novo seguida de carnavalescos e passerelles como, os Catitas, “Nú com vento”, Vampiros, “Lambio Pitu”, Melindrosas, “Num Mundo Perdido”, Pindéricus, “Mudari de Bida” e os Xaxas em ambiente circense arrasador, tendo como tema “As bolas deles”.
Para um final que garantia a eficiência dos objetivos de terminar a horas o espetáculo, o último lote de protagonistas do guião foi assumido pelo samba da Juventude Vareira com “Armar um 31”, seguida dos Zuzucas “Bilharacus”, Marroquinos, “Alasca-te Aqui”, Barulhentas, “Encantadas”, Marados, “Kpynta”, Não Precisa “Não Há Volta a Dar”, Kan-Kans, “Rio Ready to Samba”, Pierrots, “Birdwatching – na rota dos 35”, Bailarinos de Válega, “Aparada”, Hippies “Bandamékus” e por fim, Joanas do Arco da Velha, “Ano Novo Vida Nova”, logo seguidas dos batuques do Preto no Branco e do carro do Casal Real, D. Maratonista e D. Peixeirinha Tesa, que distribuíam muitos beijinhos à multidão entusiástica, que atinge o seu verdadeiro momento de alegria e efeitos das diferentes coreografias no percurso ladeados com as bancadas, para a festa terminar verdadeiramente em apoteose, ainda que o cenário se transfigure de imediato, mal termina a pista do desfile.
Olhar para muitos dos participantes parece ter sido cumprido o compromisso, o rigor, a disciplina do tempo conseguido. O Carnaval, a folia, o seu espirito vai sendo cada vez mais ganhando novos palcos no vasto e diversificado programa do Carnaval de Ovar. Felizmente.
OS PRIMEIROS ENSAIOS DA LONGA FOLIA…
O Carnaval de Ovar deixou, definitivamente, de ser só os grandes corsos carnavalescos, ainda que sejam o grande cartaz turístico da época carnavalesca, estes espetáculos produzidos para os desfiles do Samba, Grupos Carnavalescos e Passerelles, são sim, o culminar de uma espécie de “ensaios” do longo período de folia que passou a dominar e influenciar a vivência do concelho de Ovar, que também já não se limita ao ambiente do carnaval organizado e regulamentado que reina na Aldeia do Carnaval.
O programa do Carnaval de Ovar, ainda que demasiadamente desenhado pelos autarcas locais, proporcionou vários momentos diversificados de eventos para foliões ativos e passivos, que chegam a estenderem-se durante várias semanas que antecedem os dias grandes do entrudo que em Ovar foi assinalada a 65.ª edição da saída organizada do Carnaval de Ovar.
O arranque da 65.ª edição do Carnaval de Ovar (04fev17) foi assinalado com um espetáculo de rua que incluiu figuras iluminadas que aos mais velhos fez recordar os tempos das populares “quinta-feira luminosa”, que eram habitualmente um importante cortejo noturno que foi evoluindo até aos dias de hoje, entretanto designadas “noite do dominó”, em que o cantor Quim Barreiros é, há já vários anos a figura de cartaz.
Esta abertura do Carnaval de Ovar foi o primeiro grande “teste” para mobilizar a comunidade de foliões nas ruas da cidade de Ovar, culminando no Parque Senhora da Graça em que uma grande figura representando a “purificação coletiva” se transformou em fogo, depois de um espetáculo envolvendo cerca de duas centenas de participantes que aderiram ao projeto “(Re)Nascimento do Entrudo” da companhia Trigo Limpo Teatro ACERT. Um espetáculo que envolveu na coreografia peças iluminadas a partir do interior que desfilaram entre a Praça da República e o Parque, representando animais como girafas, peixes ou elefantes.
Dado o pontapé de saída numa noite agradável, a chuva acabou por vir a surpreender o cortejo da Chegada do Rei (12fev17), que a organização decidiu adiar para o fim-de-semana seguinte (19fev17) dedicado ao Carnaval das Crianças. Foi assim mais um significativo “ensaio” e mesmo um “teste” para a organização, que colocou na rua dois desfiles. Primeiros realizou-se o Cortejo das Crianças, envolvendo mais de 2200 crianças dos três agrupamentos de escolas e instituições (IPSS) do concelho de Ovar.
Os pequenos foliões que com a participação de vários elementos das diferentes comunidades escolares, com particular destaque para o papel das associações de pais, são inegavelmente os garantes do futuro do Carnaval de Ovar independentemente dos moldes que possam vir a ser trilhado pelas novas gerações. Mas nesse domingo dedicado à folia das crianças, o Carnaval mais típico também teve uma mostra, no tradicional Cortejo da Chegada do Rei, em que a enchente de povo que invadiu as ruas da cidade, puderam vibrar com o espirito folião em que reina a sátira carnavalesca.
(Fotos do… dia a seguir)
Aproveitando o reinado do casal real – D. Maratonista e D. Peixeirinha Tesa, os foliões saíram à rua e foram várias as sátiras em que elegeram o Edil local, como o “Mestre do beijinho do povo não se cansa / Fá-lo sempre com carinho e por vezes até dança”. Não esqueceram a promessa assumida no ano passado sobre a cobertura do percurso de Carnaval na sequência do mau tempo, “S. Pedro já só pensa / Na Quaresma que há de vir / E o folião preocupado / Com a chuva que vai cair”.
Os regulamentos do Carnaval também mereceram sátira com o título “Pós graduação em desfile de Carnaval”, enquanto a política americana também dominava as atenções dos foliões, com “Muro da «Trampa»”.
Como é tradição o grupo carnavalesco Axu-Mal não deixa ninguém indiferente e nos seus 30 anos de existência, que mereceram um espetáculo para assinalar o seu aniversário, dedicaram o seu sempre arrebatador espetáculo no Cortejo do Rei ao ambiente dos concertos do Toni Carreira assinalando os 30 anos do Axu-Mal a dar música, “Não é preciso o «incontinente» / Paró Toni, atuar, o Axu-Mal, minha gente também o traz a Ovar”.
O autarca local Salvador Malheiro, sempre presente em todos estes “ensaios” em que vai “…a todas” como satirizaram neste Cortejo do Rei e perante uma grande moldura humana de foliões, entregou, ainda que com uma semana de atraso, as chaves ao Rei Maratonista que discursou e que em nome da democracia do seu reinado, deu igualmente a palavra à Rainha Peixeirinha Tesa que se destacou como uma verdadeira rainha foliona, surpreendendo positivamente toda uma comunidade pela simpatia deste Casal Real carnavalesco.
Do intensivo programa de Carnaval em Ovar na sua fase de autêntico “aquecimento” e “ensaio” da organização, seguiu-se a quinta-feira do Dominó (23fev17). Uma noite em que o centro da cidade é invadido de mascarados em que domina o tradicional adereço do dominó de múltiplas e imaginativas decorações das costureiras. É ainda nesta noite que, se realiza um espetáculo já tradicional no Carnaval de Ovar, com Quim Barreiro e as suas cantigas brejeiras. Um momento sempre marcante neste carnaval em que se regista habitual enchente, neste caso do “Espaço Folião”.
Nestes derradeiros dias e noitadas no centro da cidade o Chafariz do Neptuno e toda a sua envolvência transformou-se numa referência, sendo o “Neptuno” eleito, “Deus do Mar e da Folia”, sendo este elemento do património local envolvido com tubos repleto de luzes que de forma alternada entre si, davam efeitos tridimensionais. Mais uma das novidades no Carnaval de Ovar. Seria aliás durante o ensaio deste “tubo Neptuno” com um robô de luzes que já foi assinalada a passagem da reafirmação da Noite da Farrapada que decorreu numa noite também agradável, depois na Caminhada dos Foliões ter sido molhada com a chuva que se fez sentir no dia 10 deste mês de muita festa de carnaval.
Muita festa e novidades, que incluíram vários palcos como o da Praça da República em que o característico grupo carnavalesco Axu-Mal assinalou os seus 30 anos e na sexta-feira, na mesma noite da “Farrapada”, este grupo com cerca de meia centena de homens devidamente trajados e com elementos do seu instrumental, vão tocando e cantando pelas ruas, de café em café, sobre temas nacionais e internacionais.
Este tipo de alternativa carnavalesca proporcionada aos foliões que vivem ou visitam a cidade de Ovar e o concelho, incluem para além do programa do “Espaço Folião”, outros palcos como “A Praça das Galinhas” ou o “Espaço Júlio Dinis”, que garantiram festa rija paralelamente ao espirito folião vivido na Aldeia do Carnaval e nos próprios desfiles que concorrem com a “Noite Mágica” na mobilização de forasteiros que invadem o designado “território de emoções”.
(*) Correspondente “Etc e Tal Jornal” em Ovar – Aveiro
01mar17