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Teremos que conviver com o medo desta rotina de atentados?

José Lopes

Os novos cenários de morte e estropiados que marcam a era atual, resultantes de atos de terrorismo reivindicados pelo Estado Islâmico que se sucedem em países de vários continentes, vem tendo como grande diferença entre si, essencialmente, o impacto mediático que dá sempre mais atenção, visibilidade e ondas de solidariedade às matanças indiscriminadas na Europa do que às que se registam igualmente na Ásia ou na África em nome das mesmas lógicas ideológicas de fanatismo islâmico.

Nos mais recentes atentados perpetrados na Inglaterra, como o do dia 23 de maio em Manchester, em que morreram mais de duas dezenas de pessoas e quase seis dezenas foram feridas, na sua maioria jovens, que acabavam de assistir a um show de Ariana Grande. A cruel confirmação de que tal tipo de atentados com origem em movimentos islamitas extremistas, tornaram-se cada vez mais frequentes na Europa nestes últimos anos para imporem o terror e o medo, acabam por ser o mote para autênticas campanhas de redução de liberdade e democracia. Tudo em nome de mais segurança.

Mas ao mesmo tempo em que se transformam cidades ocidentais em fortalezas militarizadas, e se fecha os olhos a comunidades muçulmanas à mercê da intolerância, os cenários sangrentos não dão sinais de abrandarem com recurso às mais variadas estratégias de provocarem massacres com a chancela de variantes entre AlQaeda, Estado Islâmico, Boko Haram ou Al Shabab que alimentam as correntes populistas que metem o Islão e as comunidades muçulmanas tudo no mesmo saco.

Perante estas autênticas ondas de choque que abalam a democracia e fomentam o medo, são raros os exemplos de clarividência nos comentadores das reportagens em direto a repetirem imagens até à exaustão, alimentando a fragilidade dos telespetadores mais vulneráveis e impondo-lhes como único caminho de inquietação, a insegurança e por isso a necessidade de mais e mais policia, mais e mais vigilância dos cidadãos, menos liberdades e democracia mais musculada.

terrorismo

Nesta angustia em que nos querem encerrar a transpirar ódio às comunidades muçulmanas, como se fossem todas promotoras de tais barbaridades, felizmente se ouviu a voz de um jornalista português a resistir ao medo e a despertar debate sobre a fonte edeológica do Islão extremista. O comentário de Paulo Dentinho na RTP1 foi fugaz, mas rompeu com o comprometedor silêncio e branqueamento que a Arábia Saudita tem beneficiado. Como afirmou este jornalista, “mesmo que, por hipótese pouco plausível, fosse possível derrotar num futuro próximo o “Estado Islâmico” – a AlQaeda e outros seus derivados, do Boko Haram ao Al Shabab – haverá sempre metáteses (outras organizações, outros tantos nomes) enquanto a fonte ideológica de onde emergem continuar a existir”.

Sem papas na língua afirma ainda que, “a Arábia Saudita e o seu Islão puritano, extremista, intolerante e radical continuará a existir sempre que o Ocidente continuar a fazer negócios de milhares de milhões com os dirigentes desse reino, onde se despreza em absoluto tudo o que o Ocidente representa em valores de liberdade e democracia”.

O comentário de Paulo Dentinho liberto dos textos formatados fala ainda, do que se fala pouco, ou seja, “o reino saudita está cada vez mais apetrechado com material militar de ponta, vendido também por esse mesmo Ocidente que, na prática, mostra assim que o valor negócio está sempre à frente dos seus valores humanistas básicos”.

Lembra ainda os negócios da França e dos EUA que “venderam nos últimos dois anos cerca de cento e dez mil milhões de euros em armamento aos sauditas”. Ironicamente, depois, “os sauditas investem principescamente no Ocidente, em atividades comerciais lucrativas, em organizações caritativas que mais não são do que fachadas de disseminação para prosélitos, subsidiam a construção de mesquitas e formam imãs na mesmíssima linha intolerante que é apanágio do reino”, contribuindo, como é reafirmado, “para uma maior disseminação da visão totalitária do Islão da qual ela (Arábia Saudita) é o símbolo e o garante”.

A esta potência ideológica do Islão totalitário em que se inspira o “Estado Islâmico” com a sua lei islâmica, continuam a fazer vénia países como os E.U.A. a exemplo do recente périplo do seu presidente Donald Trump, que assim manteve a tradição dos bons negócios com o reino saudita e o seu reconhecimento, mesmo poucos meses após a execução de dezenas de pessoas, entre elas o clérigo xiita Sheikh Nimr al-Nimr, por supostos crimes relacionados ao terrorismo, que pôs mais uma vez em evidência o sectarismo vivido na região. Crispação entre frações do Islão, que chegou a levar o presidente do Irão (xiita) a declarar que a “Arábia Saudita precisa patrocinar o caos no Oriente Médio” ou ainda que, “a Arábia Saudita não tem interesse na estabilidade do Oriente Médio, na medida em que o “caus” ajudaria o país a encobrir seus próprios fracassos nacionais e regionais”. Acusações que falam de Riad “exacerbar a divisão entre os muçulmanos sunitas e xiitas”.

Curiosamente o reino saudita, acusado de “financiamento e do armamento de extremistas islâmicos”, também tem sido alvo de atentados terroristas, mas não deixa de ser esclarecedor o fato de os principais alvos e vitimas dos ataques do “Estado Islâmico” de inspiração sunita, serem essencialmente de minorias xiitas sauditas. Uma minoria que o EI se propunha expulsar da Península Arábica ajudando assim a monarquia saudita no combate aos rebeldes xiitas na fronteira com o Iémen.

Haja pois mais e melhor informação para que se percebam as razões que levam países de sistemas políticos democráticos e da liberdade, a privilegiarem objetivamente as suas relações, com países governados por correntes islamitas que alimentam a ideologia do terror que se vem instalando em vários pontos do mundo. Mesmo estando-se perante a constatação de que a grande maioria dos muçulmanos é sunita. E que em países governados por sunitas, os xiitas tendem a representar os setores mais pobres da sociedade, vendo-se como vítimas de discriminação e opressão, que em alguns casos é originada por doutrinas extremistas sunitas que fomentam o ódio aos xiitas.

Com as provocações sectárias a intensificarem-se no Golfo Pérsico e o ocidente a promover os rastilhos que vão deflagrando nas suas próprias cidades, a ideologia que ganha verdadeira força nos novos tempos é o medo e a aceitação de perda de direitos, liberdades e democracia em nome de mais segurança que comprovadamente, neste xadrez de interesses não pode ser garantida.

Foto: Pesquisa Google

01jun17

 

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