José Castro (*)
1 – Na sequência duma ação administrativa instaurada em 5 de Junho de 2011 no Tribunal Administrativo do Porto pela empresa Selminho Imobiliária contra o Município do Porto visando a obtenção de capacidade construtiva dum terreno com 2.260 m2 na Calçada da Arrábida, invocando para tal a ilegalidade dos artºs. 41º e 42º do PDM do Porto ratificado pela RCM nº 19/2006 de 3 de Fevereiro, foi transmitida na audiência prévia de 10 de Janeiro de 2014 pelo representante do município, mandatado pelo atual presidente da Câmara, a possibilidade de as partes conseguirem um acordo, designadamente pela assunção pelo Município do Porto do compromisso de adotar na revisão do PDM em 2016 uma redação que contemplasse a pretensão da Selminho Imobiliária.
2 – Em 10/9/2014 foi então homologado por sentença já transitada em julgado, um acordo em que, entre outras cláusulas, o Município do Porto se comprometeu no processo de revisão em curso do PDM a diligenciar pela alteração da qualificação do solo do terreno em causa, garantindo à Selminho Imobiliária a pretendida edificabilidade ou, caso tal não seja possível, a integração de tal terreno em mecanismos de perequação compensatória adequados às restrições existentes ou que vierem a ser estabelecidas pela revisão do PDM.
3 – Do acordo entretanto homologado e do compromisso arbitral resulta que:
- a) A Câmara Municipal do Porto através do atual Executivo, assumiu compromissos e obrigações que nunca poderia ter assumido, já que em matéria do PDM, e como resulta de diversas normas legais, é à Assembleia Municipal que compete, sob proposta da Câmara, aprovar o PDM. E ao longo do processo instaurado em 2011 pela Selminho Imobiliária, nunca a Assembleia Municipal do Porto teve qualquer informação ou conhecimento de compromissos, obrigações ou condicionantes da revisão do PDM
- b) para além de invadirem competências próprias da assembleia municipal, os compromissos assumidos pelo Executivo municipal têm especial gravidade, já que contrariam o teor das posições assumidas pelos competentes serviços municipais no âmbito dum anterior processo administrativo (nº 118786/05), em que os serviços sempre defenderam (e bem) que o terreno em causa tinha o estatuto “non edificandi” por se tratar de zona de escarpa e respetiva faixa de proteção e que a pretensão da Selminho de construir um edifício de 12 fogos T4 e 37 lugares de estacionamento era “manifestamente contrária às disposições urbanísticas definidas no PDM do Porto”.
- c) ao escolher prosseguir o caminho, iniciado pela anterior Câmara logo em 2011, de cedência a pretensões imobiliárias que não tinham qualquer suporte legal (é a própria Selminho Imobiliária a afirmar no artº 13º da sua petição inicial que “nunca iniciou qualquer procedimento para obtenção de licença ou PIP – pedido de informação prévia”), o Executivo em funções desrespeitou as competências deliberativas da assembleia municipal em matéria de PDM, desrespeitou os pareceres técnicos dos trabalhadores e dos serviços municipais (de 22/01/2008, 9/5/2008, 8/2/2011, 19/3/2012, 5/6/2012 entre outros), abriu um gravíssimo precedente ao assumir indemnizações ou procedimentos compensatórios em situações em que não existam por parte dos alegados proprietários quaisquer direitos edificatórios consolidados e fez aumentar a desconfiança e o descrédito sobre o funcionamento dos órgãos autárquicos e o seu papel na defesa do património público e dos interesses da cidade.
4 – As informações só agora disponibilizadas aos membros da assembleia municipal sobre a titularidade municipal do terreno adquirido pela Selminho Imobiliária em 31/7/2001 na sequência duma aquisição daquela propriedade por usucapião em 29/3/2001, vieram dar mais consistência às dúvidas duns e certezas doutros sobre a falta de transparência e ilegalidade de todo o processo que culminou no acordo de 10/9/2014.entre a Selminho Imobiliária e o Município do Porto e tornam mais forte a exigência de cumprimento pelo Executivo municipal da inventariação, legalmente exigida a todas as autarquias a partir da Lei nº 5-A/2002, dos seus bens imóveis e respetiva valorização, bem como a anulação de todas as aquisições ou transações ocorridas em 2001 e envolvendo aquele terreno.
Assim foi proposto à Assembleia Municipal do Porto reunida em sessão extraordinária em 29 de maio de 2017 a requerimento do Bloco de Esquerda, tendo em conta a dignificação dos órgãos autárquicos e a defesa da integridade profissional dos trabalhadores e serviços do município do Porto, que esta deliberasse:
– manifestar a sua profunda discordância com o teor do acordo celebrado pela Câmara Municipal do Porto que, garantindo à Selminho Imobiliária a satisfação da sua pretensão edificatória contrariando as restrições à construção no terreno em causa estabelecidas nos instrumentos de gestão territorial em vigor na cidade do Porto, atribuiu um inaceitável benefício àquela empresa imobiliária;
– incitar a Câmara Municipal do Porto a dar prioridade à obrigação de elaborar o inventário dos bens, direitos e obrigações patrimoniais e respetiva avaliação, conforme estipula, há mais de 15 anos, o regime jurídico das autarquias locais.
– defender que o Acordo celebrado entre a Selminho Imobiliária e o Município do Porto seja considerado nulo e de nenhum efeito, como única solução que respeita a legalidade urbanística, as competências deliberativas das assembleias municipais quanto ao PDM e a finalidade atribuída às autarquias de prossecução do interesse público.
– exortar o Executivo municipal a desencadear os adequados procedimentos judiciais para a anulação do acordo com a Selminho Imobiliária homologado em 10/9/2014, de modo a restabelecer a transparência na atuação das autarquias e a confiança das cidadãs e cidadãos do Porto.
O resultado da votação desta proposta é conhecido: teve 11 votos a favor , 34 contra e uma abstenção, sérios prejuízos para a cidade e para a democracia.
(*) Membro da Assembleia Municipal do Porto, eleito pelo BE
01jun17