José Lopes
Num país em que a época de incêndios parece já fazer parte de forma tão natural da agenda politica e dos diversificados interesses que movimenta, assiste-se impunemente a uma estranha resignação, que acaba por ajudar a “alimentar” frentes de fogo que avançam descontroladamente de freguesia em freguesia, de concelho em concelho e de distrito em distrito, consumindo violentamente muitos milhares de hectares da espécie que mais prolifera em áreas, onde o cultivo da terra foi abandonado, dando lugar ao fomento da liberalização resultante de sucessivas politicas de eucaliptizaçao.
Políticas essas que transformaram Portugal num pais com a maior área absoluta de eucaliptos em toda a Europa, provocando cenários catastróficos com populações isoladas e cercadas por uma espécie de “pulverizador” de fogo selvagem que leva à exaustão de corpos de bombeiros, num doloroso combate sazonal, tantas vezes com dramáticas baixas nos soldados da paz e entre os populares indefesos.
Com um tal quadro de influência do eucalipto na floresta e no seu desordenamento. Perante o cenário dramático que o país vem vivendo, tarda a aplicação da nova lei que se propõe travar a proliferação da espécie do eucalipto. Reforma florestal que só entrará em vigor em fevereiro do próximo ano, mas como noticiava a edição online (Jornal de Leiria, 10/08/2017), há quem esteja a “antecipar-se à implementação de uma lei que se prevê mais dura com os prevaricadores”, identificando mesmo três zonas de uma região verdadeiramente mártir no centro do país, “onde foram recentemente plantados eucaliptos”. Uma atitude que manifesta desprezo pelos mortos e pela memória dos vivos que sobreviveram de entre um mar de chamas com cheiro a eucalipto.
Apesar de alguns exemplos de resistência, como o que foi assumido corajosamente por moradores da aldeia de xisto de Ferreira de São João, afetada pelo incêndio de Pedrógão Grande e Figueiró dos Vinhos, que avançaram com um plano para proteger a aldeia, cortando eucalipto e reflorestando com base nas espécies autóctones e mais resistentes ao fogo. Ainda não são suficientes para contrariar as ilusões do rendimento rápido resultante do eucalipto, como promove a Celpa – Associação da Industria Papeleira que, mesmo perante múltiplos cenários em que esta espécie serve de combustível, tal como contínuas manchas de pinheiros e mato, que com a ajuda dos ventos fortes, o fogo atinge velocidades alucinantes, deixando rastos de destruição e morte, que só poderiam exigir repensar a atual pressão do eucalipto como única alternativa ao abandono rural.
Os balanços que nos vão sendo apresentados pela imprensa relativamente à evolução de áreas ardidas, espelham bem o flagelo de um país em que as populações vêm vivendo o pesadelo de bolas de fogo, que por entre montes e vales, colocam em causa a segurança de vidas humanas e bens.
Ainda sem contabilizar o trágico incêndio de Pedrógão Grande a área ardida era, “até 15 de junho, 15.184 hectares, uma área ardida quase 12 vezes superior ao mesmo período de 2016”, segundo revelou o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), (Público, 19/06/2017), referindo-se ao documento em que indicava também tratar-se do ano em que se registava, “o terceiro valor mais elevado em número de ocorrências” desde 2007. Incêndios florestais, que “já consumiram este ano 75.264 hectares de florestas, a maior área ardida da última década, anunciou esta terça-feira a Autoridade Nacional de Proteção Civil” (Jornal de Noticias, 25/07/2017).
Mais recentemente e com os incêndios a prosseguirem a um ritmo inquietante em várias regiões do país no mês de agosto, são divulgados elementos do relatório provisório do ICNF, em que a área ardida é “cinco vezes maior que a média dos últimos 10 anos”, enquanto “os incêndios florestais consumiram este ano mais de 128 mil hectares” ou seja, “a maior área ardida no mesmo período na última década e quase cinco vezes mais do que a média anual dos últimos dez anos” (Diário de Noticias, 04/08/2017).
Neste quadro de destruição e ruina de um património florestal tão vulnerável, ficámos a saber que o “Plano Nacional contra Incêndios não é avaliado há quatro anos” e que, o “Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI)”, que tinha sido aprovado e implementado em 2006 e que se mantêm em vigor até 2018, “não é avaliado há quatro anos”, através de uma “monitorização de dois em dois anos” (Público online). Mas também ao nível da legislação sobre ordenamento da floresta só as 64 mortes em Pedrógão Grande naquele fatídico dia 17 de junho, fizeram acelerar o debate e a aprovação de diplomas para uma Reforma Florestal, como a nova lei das florestas que visa limitar o crescimento da área plantada de eucalipto.
Medida que o Bloco de Esquerda negociou com o Governo ainda que com a resistência dos autarcas, a quem se junta a Celpa, que se refere a esta lei como, “representa muito provavelmente o maior atentado realizado à floresta portuguesa na história da democracia em Portugal”. Ou seja, a Associação da Indústria Papeleira mesmo perante um estado caótico que se volta a enfrentar este ano, em que objetivamente a invasão do eucalipto promove, deixando em muitas regiões, como rescaldo dos incêndios, a ruina de vidas construídas ao longo de décadas. Insiste na defesa do seu “petróleo”, que o destino das populações e do país é render-se a esta espécie de crescimento rápido, afirmando mesmo que, “os incêndios em nada dependem das características das espécies florestais, do eucalipto ou outras”, negando assim a importância estratégica de espécies autóctones na redução das condições propícias ao fogo.
Com campanhas do género da assumida pela Celpa, escamoteiam-se ainda dados como os que já no ano passado, afirmavam que “Portugal tem mais de metade da área ardida na Europa”, sendo “quatro vezes maior que a média do que ardeu de 2008 a 2015, segundo os técnicos de proteção civil” (D.N., agosto/2016). Ao mesmo tempo, negam a oportunidade de fazer a reforma florestal, que como o primeiro-ministro, António Costa, já tinha afirmado há um ano, referindo-se então a mais uma época de incêndios marcada por vitimas, “tem que avançar enquanto estiver bem viva na memória a tragédia que o país tem vivido com os incêndios” e reafirmava, ainda que também tenha ficado prisioneiro dos muitos interesses que se movimentam nesta frente de combate igualmente politico, “é esta a altura, porque é preciso que as pessoas tenham bem viva na sua memória a tragédia que temos vindo a viver”, (D.N., 15/08/2016).
Um ano depois, tais palavras de António Costa que no essencial se ficaram por aí, lamentavelmente não tiveram ecos num setor como a Indústria Papeleira para um passo fundamental na tardia reforma florestal, que limite a desenfreada ocupação dos solos pelo eucalipto. Chegando ao ponto de num comunicado verdadeiramente surrealista, a Celpa considerar a “reforma florestal um erro histórico e um atentado à floresta portuguesa” (Expresso, 29/07/2017), quase transformando o eucalipto no absurdo de uma espécie em vias de extinção, com necessidade de ser protegida pelas suas “características” de rentabilidade e aproveitamento económico em alternativa ao abandono das terras de cultivo.
Uma intolerável tentativa de branqueamento da influencia do eucalipto na vulnerabilidade da floresta em que é predominante na maior parte das áreas ardidas, é tanto mais incompreensível, quando ao mesmo tempo que o país ainda faz o luto do rasto de morte deixado pelos incêndios que cercaram Pedrógão Grande, com ondas gigantes de fogo que deixaram lugares de aldeias reduzidos a cinzas. Os mesquinhos interesses económicos sobrepõem-se às tragédias com impressionante perda de vidas humanas.
Neste cenário de justa indignação e perante argumentos tão despropositados de uma tal Associação, que não deixa uma única palavra às muitas vítimas das opções de cultivo com promessas de rendimentos mais rápidos, fomentadas pelas celuloses. Preferindo continuar a valorizar, como contestação a qualquer lei limitadora da sua matéria-prima, que destaca ser “uma riqueza que representa 5% do PIB”.
Lógica de riqueza que mereceu de Miguel Sousa Tavares, na mesma edição deste semanário, no seu texto com o título, “Sinais de Fogo” (Expresso, 29/08/2017), uma acutilante desmistificação dos interesses económicos em causa, ao afirmar, “Para eles, talvez; para o país é um desastre – financeiro, humano, ambiental, sociológico” e acrescenta ainda, “eles têm amigos poderosos em todo o lado, como bem se viu no debate parlamentar em que, honra lhe seja feita, apenas o Bloco de Esquerda defendeu, de princípio a fim, o interesse público”, mesmo tendo começado por admitir que, “(…) foi tamanha a resistência do Governo a essa medida imposta pelo BE e vai ser tamanha a resistência dos autarcas a quem o anterior Governo delegara competências para decidirem da eucaliptização dos seus concelhos”, que em muitos dos cenários infernais vividos, não podem de todo desresponsabilizarem-se das consequências das apostas no eucalipto.
Fotos: Pesquisa Google
01set17