(VIAGEM) A decisão de se optar pela antiga “Estrada do Cacém”, como acessibilidade ao litoral, numa viagem familiar de lazer nos últimos dias do ano (2017). Escapando às vias rápidas, através de uma incursão pela malha urbana ainda marcada por linhas arquitetónicas com características tradicionais, e influências de um património sociocultural e humano que resiste ao avanço desenfreado do betão e às consequentes alterações paisagísticas.
Permitiu contemplar com alguma surpresa, um agradável e amplo espaço público em que são perpetuadas memórias da Fábrica da Pólvora em Barcarena, que encerrou em 1988. Um conjunto de edifícios em tom amarelo, que formam no seu núcleo central o Museu da Pólvora Negra com todo o seu acervo ao nível de Ciência, História, Militar e Industria, que se destaca das concentrações de betão que ocuparam montes e vales de zonas rurais ou saloias dos arredores de Lisboa.
José Lopes
(texto e fotos)
Ainda que não programada, a inesperada visita que esta viagem proporcionou, tornou-se irresistível perante o antigo edificado frontal junto à estrada que despertou curiosidade e se mostrou recheado de memórias, incluindo as mais dramáticas, resultantes de várias explosões e de consequentes mortes de operários, registadas pelos jornais da época, que este espaço público integrado na antiga Fábrica da Pólvora também trás à memória coletiva, nesta sua finalidade de preservar e perpetuar um património fabril que laborou cerca de quinhentos anos na atividade do fabrico da pólvora negra em Barcarena.
No interior deste espaço os visitantes deparam-se com vastíssima sinalética de informação sobre os diferentes elementos do edificado localizado numa significativa área verde, em que se destaca a paisagem natural da zona envolvente, bem como diversos equipamentos lúdicos e de hotelaria para aprazíveis horas de contato com todo o espaço, a cultura e o património das memórias ali visivelmente perpetuadas, da antiga Fábrica da Pólvora de Barcarena em que num edifício dos seus núcleos (antiga Casa dos Engenhos) junto à Capela e à principal entrada, está instalado o Museu da Pólvora Negra.
Ao longo do percurso que se pode fazer no seu interior, seguindo o roteiro que o critério e interesse de cada visitante determinar. Em síntese a muita informação disponível, situa 1988 como o ano em que encerrou aquela que foi considerada a mais importante fábrica de pólvora negra do país ou seja de material militar. Um património industrial cuja construção teve origem no século XVII, que viria a ser adquirido pela Câmara Municipal de Oeiras em 1994 com a finalidade de preservar todo o espaço, aberto ao público desde 1998, com a inauguração do Museu da Pólvora Negra que resultou da recuperação do Complexo desta antiga Fábrica.
O Museu mostra a invenção, difusão e composição da pólvora, dando a conhecer a origem e os elementos de que é feito este explosivo. Do ponto de vista histórico, leva os visitantes aos primórdios do fabrico da pólvora em Barcarena e a “produção de armas nas Ferrarias d`El Rei fundadas por D. João II”, dando conta de que surgiria em “XVII a primeira oficina de pólvora”, bem como da “reinauguração da Real Fábrica da Pólvora de Barcarena”, em 1729. Merece ainda particular curiosidade, uma réplica à escala original de um Engenho de Galgas ou um magnífico relógio em bronze, do século XVIII, que “regulava a vida da Fábrica e da localidade de Barcarena”.
400 anos de história contados em cada elemento do Complexo da Fábrica
“Visitar o Museu da Pólvora Negra permite percorrer cerca de 400 anos da história desta Fábrica que se cruzam com muitos dos momentos marcantes da nossa História”, afirma-se no “sítio” do Município local (www.cm-oeiras.pt). No entanto, vale a pena fazer o percurso destas centenas de anos de história também no exterior do Museu, ao longo do Complexo da Fábrica, em que, de elemento em elemento, se cruza o “Pátio de Santa Bárbara”, assim batizado “em nome da padroeira dos operários polvoristas e protetora das trovoadas”, que a partir de 1951 começou a ser celebrado, o “Dia de Santa Bárbara”, tendo como momento alto uma procissão em sua honra.
Este Pátio de entrada na Fábrica, que tem a particularidade de o pavimento ser de “tijolo burro”, um material “escolhido por suportar temperaturas elevadas e por não produzir faíscas por meio de fricção”, está rodeado pela “Casa dos Engenhos” e “Casa do Relógio” em que funcionam salas de exposições, loja e o Museu. Pode-se ainda observar as “mós” em pedra calcária do século XVIII, pertencentes ao primitivo engenho das galgas, utilizado para o fabrico de pólvora negra.
Da cronologia mais recente da Fábrica da Pólvora, no século XX, em 1918 foi apresentado um projeto para o aproveitamento da água da Ribeira de Barcarena para produção de energia elétrica através da construção de uma Central Hidroeléctrica. Mais tarde, em 1923são acionados quatro Engenhos de Galgas de ferro fundido, para o “encasque da pólvora, instalados no Edifício das Galgas”. Seguiu-se em 1924 a instalação da primeira Central Elétrica Diesel, entre outros equipamentos que levariam a Fábrica a atingir em 1945 o seu máximo rendimento.
As memórias de perdas de vidas humanas estão igualmente assinaladas e remontam a 1927 em que uma explosão vitima um operário, quando “foi criada a Fábrica de Pólvoras Físicas e Artifícios”, resultando das “novas orientações do governo da ditadura militar”, após a extinção do Arsenal do Exército. Explosão que se repetiria em 1933 causando a morte a sete operários.
Em 1947 a Fábrica passou a ser “denominada de Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos, em que, “morreram 3 operários”, noticiou o então Diário de Lisboa (07/09/1947). E em 1951viria a ser “arrendada a uma companhia belga”, passando a denominar-se “Companhia de Pólvoras e Munições de Barcarena”. Fabricava então, “pólvora negra, artifícios pirotécnicos e carregamento de granadas”.
As explosões continuavam a tirar a vida a operários, como as seis vitimas em 1956, mas no ano seguinte a Fábrica expande-se adquirindo novos terrenos na margem direita da Ribeira para o projeto da Fábrica de Pólvora M1 que seria concluída em 1960 equipada com maquinaria moderna, mas só viria a laborar “no período experimental”. Ao mesmo tempo que as explosões continuariam a ceifar operários, resultando em 1963, em três mortos e quatro feridos. “As explosões de Barcarena provocaram grande sobressalto nos povoados vizinhos” escrevia o Diário de Lisboa (04/03/1963).
Uma nova tragédia em vidas humanas poderia ter acontecido em finais dos anos sessenta caso os operários estivessem a trabalhar, como noticiou o Diário Popular (05/07/1969), ao registar-se uma “violenta explosão numa fábrica de pólvora atingida por um raio”. Segundo registos deste jornal, “os 400 quilos de pólvora ali armazenados, provocaram uma onda de choque que foi estilhaçar vidros e portas da vizinhança da fábrica”.
O fim definitivo do fabrico da pólvora negra nesta Fábrica, viria a acontecer na sequência de, “uma violenta explosão atingiu doze operários – cinco dos quais mortalmente – e destruiu várias oficinas da Fábrica da Pólvora de Barcarena”, uma notícia do Diário de Lisboa (03/12/1972), que já no dia anterior tinha escrito, “inobservância das normas de segurança na origem do acidente em Barcarena”.
A degradação da Fábrica acentuou-se durante os anos oitenta e o encerramento oficial desta unidade industrial viria a ser assumido em finais dos anos 80. Voltando este património a ganhar vida uma década depois, nos anos 90, mantendo-se a ruína da parte da Fábrica que sofreu a “fatídica explosão de 30 de novembro de 1972, cujo impacto “foi de tal forma grande que, para além de ter vitimado operários, destruiu grande parte da maquinaria, inviabilizando definitivamente a recuperação da linha de fabrico e, consequentemente, terminando com a produção de pólvora negra na Fábrica de Barcarena”. Ruinas ali preservadas museologicamente, que no conjunto de todo este Complexo cultural da antiga Fábrica, fazem os visitantes calcorrearem todo um espaço recheado de história e de memórias, incluindo as resultantes das tragédias das explosões de pólvora.
Obs: texto baseado na informação museológica no local
01fev18
em 30 /11 /1972 estive momentos antes da explosao a permitir o reinicio dos trabalhos, logo apos o almoco, (cerca da uma hora da tarde). Fazia parte dum servico de inspeccao no controlo da fabricacao e carregamento de municoes para a FAP.
Foi terrivel ,e perderam se 5 ou 7 vidas.
Deixo a minha homenagem as vitimas.