Maximina Girão Ribeiro
Os coretos são hoje equipamentos urbanos muito esquecidos pela população, devido às múltiplas solicitações que são oferecidas aos cidadãos, em matéria de diversão e de ocupação dos tempos livres.
No passado, os coretos tiveram um papel importante na animação das populações e representaram palcos abertos à fruição musical de todos os que dispusessem de tempo para ir ouvir música. Integrados em jardins românticos, ofereceram aos nossos antepassados momentos de desfrute de tempos livres, de educação musical e de convívio.
Estas construções arquitectónicas, os coretos, de formato circular ou octogonal, surgiram nos jardins públicos, a partir de meados do século XVIII, inicialmente em Inglaterra e, depois, foram muito divulgados pela Europa, após os ideais veiculados pela Revolução Francesa (1789) que trouxeram uma abertura cultural às populações. Se, anteriormente, a música, os serões e as actividades de cariz cultural se realizavam, predominantemente, em espaços privados, em ambientes ricos pertencentes a gente com boas possibilidades económicas, depois com as novas concepções ideológicas, o jardim público e os coretos podiam ser oferecidos a todos os que quisessem usufruir dessas novidades.
Num tempo em que as cidades europeias sofreram grandes transformações urbanísticas, devido a um crescente êxodo rural, relacionado com os primeiros passos da industrialização, foram criadas novas artérias, novas praças com espaços ajardinados, como é o caso do Porto, com os jardins de S. Lázaro, o Largo da Aguardente (actual Praça do Marquês),… Os jardins, enquanto espaço público, vieram trazer a noção de um local de pertença de todos, aberto a todos, um espaço comunitário onde se poderia ter acesso à cultura de forma gratuita – era o local onde as famílias, os amigos e vizinhos se podiam encontrar para conviver e até partilhar o inevitável farnel.
O coreto tornou-se, então, o cento das atenções dos jardins da época do Romantismo. Alguns eram montados para ocasiões especiais, como por exemplo, em dias de festa/arraial, sendo posteriormente transportados para outros locais. Há notícia da existência destes coretos volantes, também no Porto, geralmente associados a procissões, ou a paradas militares. Outros coretos foram edificados de raiz, eram fixos, construídos de diversos tipos de material, especialmente em ferro, material muito característico da época (séc. XIX), com elementos decorativos elaborados em ferro fundido e decorados interior ou exteriormente, com azulejos, pinturas, cantaria,… Em cada um deles sobressaiam detalhes primorosos.
É diferenciadora a decoração dos pilares que servem de base ao telhado, sendo este, por dentro e por fora, um elemento que torna o coreto mais ou menos original, pelos pormenores que apresenta. O espaço que serve de palco ergue-se a cerca de um metro acima do chão, altura conveniente para que a música possa estar ao alcance dos ouvintes, fazendo-se o acesso ao recinto coberto, através de um pequeno lanço de escadas.
Os coretos estão intimamente relacionados com as bandas militares e com o aparecimento das bandas filarmónicas, que divulgavam temas musicais mais populares, dirigidos a uma burguesia em ascensão e ao povo, sempre carente de quase tudo. Os coretos podiam ser, também, um palanque para oratória política, mas é na música que mais se destacaram.
O Porto conserva ainda vários coretos, como o dos Jardins de São Lázaro, do Marquês, do Jardim da Arca d’ Água, da Cordoaria, do Passeio Alegre,… O próprio Palácio de Cristal (o primitivo e autêntico) possuía um coreto, hoje inexistente, que funcionou a par do Teatro-Coreto, a denominada Concha Acústica que, felizmente chegou aos nossos dias, com projecto do arquitecto Tomaz Soller, tendo sido inaugurada em 1866.
O Jardim de S. Lázaro, ou Jardim Marques de Oliveira, o mais antigo jardim municipal/público do Porto, foi inaugurado em 1834, quando D. Pedro IV mandou ajardinar o antigo Campo de São Lázaro, durante o Cerco do Porto. Foi, durante muitas décadas, “o passeio preferido dos portuenses”, segundo o que se lê na placa, numa das entradas. Com um traçado de características românticas e desenhado por João José Gomes, o primeiro jardineiro municipal do Porto, aí existe um coreto, desde 1869, por intervenção do arquitecto paisagista, o alemão Émile David. Construído pela Fábrica de Fundição de Massarelos, o coreto só foi oficialmente inaugurado em 1873. O jornal “O Comércio do Porto”, de 28 de Maio desse ano, descreve-o assim: “Sobre a respectiva base de pedra assentam oito colunas de ferro, nas quais se apoia a cobertura em forma cónica, terminando por uma agulha. A cobertura é de zinco canelado e em toda a extensão da sua base corre um rendilhado de ferro fundido.”
O último dos coretos oitocentistas, instalados em jardins do Porto, foi o da Praça do Marquês de Pombal, inaugurada oficialmente em 1898, que teve a instalação de um coreto, em 1899, fabricado pela Fundição da Trindade. Diz-nos o jornal “O Primeiro de Janeiro” de 4 de Abril desse ano que “A inauguração do coreto, no domingo, com músicas pelas bandas da Infantaria 18 e dos Bombeiros de Gaia, iluminação veneziana à noite e muito fogo no ar, atraiu enorme afluência de gente ao jardim do Marquês de Pombal.”
Este coreto do Marquês, assim como o da Cordoaria, eram conhecidos como os que melhor acústica possuíam e neles se podiam ouvir desde as marchas militares aos temas populares que, de tanta alegria, até convidavam os presentes a dançar.
Entre os coretos construídos já no século XX, salienta-se o do Passeio Alegre (1902), que teve animação em vários dias da semana, sobretudo na época balnear, quando o espaço era mais frequentado pelos veraneantes.
O coreto de Arca d’Água é de 1929 e localiza-se na Praça 9 de Abril, jardim que foi projectado por Jerónimo Monteiro da Costa e inaugurado em 1928. A estrutura deste coreto é de características diferentes dos outros mencionados, já que não tem estruturas em ferro, mas sim de betão armado.
Estes equipamentos de mobiliário urbano, os coretos, hoje com sinais de abandono e desvalorizados no contexto urbano, merecem uma devolução digna à cidade, não apenas como palco musical, mas com outras funções culturais, como exposições de arte, de flores, a projecção de filmes, actividades para crianças,…
Os coretos precisam de novas vivências ligadas à animação cultural, porque representam símbolos da nossa cultura e identidade que é necessário preservar.
Fotos: pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01mar18
Excelente trabalho de Máxima Girão Ribeiro. Os coretos do Marquês e de S.Lázaro dizem-me muito, o 1º na minha infância e o 2º na minha juventude romântica.