José Lopes
Em vários cantos do Mundo, as palavras de ordem, as reivindicações em diferentes línguas, para assinalarem mais um 1.º de Maio, dia do Trabalhador, bem podiam ser este ano, “Lula somo todos nós!”
Cento e trinta e dois anos depois da manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos, para reivindicarem a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, sem complexos políticos ou edeológicos, esta poderia ser uma corrente solidária pela libertação de Luiz Inácio da Silva (Lula). O operário metalúrgico, torneiro mecânico, que foi eleito em 2002 presidente do Brasil, batendo-se então com as armas da política para resgatar os direitos e os males sofridos por milhões de brasileiros a quem se dirigiu no momento da vitória (28/10/2002), reconhecendo, “nossa equipa não serão suficientes para que a gente governe o Brasil com os seus problemas, portanto nós vamos convocar toda a sociedade brasileira, todos os homens e mulheres de bem desse País, todos os empresários, todos os sindicalistas, todos os intelectuais, todos os trabalhadores rurais, toda a sociedade brasileira, enfim, para que a gente possa construir um País mais justo, mais fraterno e mais solidário”, afirmaria no seu primeiro discurso na varanda do Hotel Internacional em São Paulo o ex-presidente Lula, hoje preso, no país que já no inicio dos anos 80 o tinha encarcerado como líder sindical.
Foi uma longa e dura caminhada do pernambucano, nascido a 27 de outubro de 1945, em Garanhuns, no Nordeste do Brasil, que, escapando com sua família à falta de água, à falta de comida, à falta de tudo nas terras nordestinas, começou bem cedo a trabalhar, vendendo amendoim torrado nas esquinas de Santos aos 8 anos de idade. Depois de vários trabalhos, o seu primeiro registo oficial como trabalhador, data de 1959, tinha na altura 14 anos, quando começou então nos Armazéns Colômbia, que recebiam cargas de algodão. Teve depois o primeiro contato com o meio industrial brasileiro, ainda que por pouco tempo, na fábrica de parafusos Marte, onde assinou pela primeira vez um Contrato de Trabalho. Desta fábrica foi enviado para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em que tirou a formação de torneiro mecânico (1960).
Entretanto seguiu-se um dos períodos mais sombrios da história brasileira, quando a 1 de Abril de 1964 os militares tomaram o poder pelas forças das armas e mergulharam o país durante 21 anos numa feroz ditadura militar. Impôs-se o autoritarismo de Estado, a perseguição política, a suspensão de direitos constitucionais, a prisão e tortura dos opositores ao regime. É assim neste contexto que Lula da Silva crescerá como homem e operário, e naturalmente como líder sindical, depois de a partir de 1968 começar a assistir às assembleias sindicais dos metalúrgicos da Cintura Industrial de São Paulo (ABC), despertando a sua consciência para a realidade social do país. Acabou então por entrar numa lista como suplente no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
A liderança sindical do carismático Lula, viria a acontecer aos 29 anos, em 1975, em que se tornou líder máximo do maior sindicato de toda a América Latina e da extraordinária emancipação dos trabalhadores rurais e das cidades, na defesa de decisivas transformações políticas e sociais. Foi assim, que, “seguindo o princípio em que acredita, de que a força interventiva dos trabalhadores está na capacidade que têm de parar o país, Lula torna-se o principal impulsionador das grandes manifestações e greves desencadeadas em finais da década de 70, princípios de 80, primeiro na região de São Paulo e depois por todo o Brasil, através das quais é exigido, não só o aumento dos salários, como a consagração de liberdades”.
Foi assim iniciada, apesar da repressão, uma prolongada resistência democrática, com particular destaque na mobilização dos trabalhadores, para lutarem por melhores condições de vida para a população das cidades e do campo. Caminhada assinalada pelo avanço das lutas populares, que permitiu, que “os operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores das periferias, trabalhadores autónomos, camponeses, trabalhadores rurais, mulheres, negros, estudantes, índios e outros sectores explorados pudessem se organizar” e melhor reclamar e conquistar seus direitos.
Com a força dos trabalhadores a ganhar preponderância na luta contra a ditadura e a liderança de Lula a consolidar-se, as greves dos trabalhadores da ABC paulista, em abril de 1980 prolonga-se mais de um mês e sobre os grevistas abate-se violentamente a repressão, com espancamentos e detenções irregulares. Lula e os restantes membros do corpo diretivo do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema foram presos “com base numa nova e repressiva Lei de Segurança Nacional”.
Neste período de greves e prisões, a luta ia para além das questões salariais, era igualmente “pela participação democrática na vida política e social”. Surgiam gigantescas manifestações, que tinham como palcos os “principais centros urbanos”. Entretanto Lula e restantes sindicalistas presos, entravam em greve de fome, “reivindicando a reabertura de negociações com o Governo, que entretanto tinham sido interrompidas”. Ao mesmo tempo realizavam-se concertos de Chico Buarque e de outros músicos brasileiros, de solidariedade com grevistas, que acabavam “proibidos pelo Governo”. Estava-se então em 1980, ano cujo 1.º de Maio ficaria marcado, não só pela permanência de Lula na prisão, como acontece em 2018, mas pela ocupação do estádio de Vila Euclides, nos arredores de São Paulo, “por manifestantes favoráveis aos grevistas e contra o regime militar”.
Libertado Lula e os grevistas, a necessidade de novas formas de organização, ainda que no âmbito sindical, fez “germinar a ideia de uma central sindical capaz de unir todos os trabalhadores”. Mas Lula depois de regressar de uma viagem à Europa e aos Estados Unidos, “em busca de apoios para a luta contra a ditadura”, voltará a ser detido e condenado a três anos e meio, por um tribunal militar em São Paulo, “por incitamento à greve”. Esta pena não chegaria a ser cumprida na totalidade, porque a sentença viria a ser “anulada pelo Tribunal Supremo Militar”, vindo o processo de Lula e de mais dez companheiros a prescrever a 11 de maio de 1982.
Inicia-se então “um novo ciclo de luta por um Brasil finalmente livre”, com a palavra de ordem “Presidente quem escolhe é a gente”, um movimento desencadeado em defesa de eleições diretas para Presidente da Republica no Brasil sujeito ao garrote do FMI, a cujas exigências Lula afirmaria, “não é possível compatibilizar a necessidade de desenvolvimento de um país, com a necessidade de pagar 15 milhões de dólares de juros todo o ano. É incompatível. O Governo ou faz a opção de pagar a dívida externa, contentando os interesses dos banqueiros internacionais, ou deixa que o povo brasileiro continue a passar fome, como está passando…”.
Nas primeiras eleições diretas para as presidenciais (1989), ainda que Lula tenha perdido na segunda volta para Collor de Mello, o candidato que reuniu a direita e os setores mais conservadores, a surpresa foi mesmo, “pela primeira vez um candidato oriundo do meio operário consegue fazer tremer os alicerces da política instituída”. Voltando a ser derrotado em 1994, desta feita logo na primeira volta para Fernando Henrique Cardoso.
De caminhada em caminhada, a preparação para a terceira candidatura de Lula à presidência, é assinalada como “a década dos Sem-Terra”, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e no 1.º de Maio de 1997 a palavra de ordem é: “Abra o olho Brasil”. Uma mensagem que ainda não passaria nas eleições presidenciais de 1998, em que, Lula volta a perder para Fernando Henrique Cardoso, a que se seguiu uma nova crise “com a desvalorização do real” (1999).
Estavam finalmente reunidas as condições políticas e sociais, para uma coligação “Lula Presidente” que reuniu vários partidos à esquerda (PT/ PcdoB/PL/PCB/PMN), contra o candidato José Serra da aliança PSDB/PMDB. A vitória de Lula da Silva em 2002, foi esmagadora à segunda volta (61,3% contra 38,7%), com um resultado que “nunca um candidato conquistara tão grande número de votos na história do país”, deixando gravada a medida mais simbólica do Presidente Lula, como foi o projeto “Fome Zero”.
Uma viragem no rumo da história das últimas décadas do Brasil a que certamente os militares nunca se resignaram, mas que significou também, o “esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades. Diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse económico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começar, ela mesmo, a promover a mudança necessária”, palavras do discurso da tomada de posse de Lula da Silva como Presidente da República, em que afirmou ainda, “creio num futuro grandioso para o Brasil, porque a nossa alegria é mais do que a nossa dor, a nossa força é mais do que a nossa miséria, a nossa esperança é maior do que o nosso medo”.
Medos naturalmente tinham os que através de vários meios se opunham à eleição de um líder sindical como Lula, em que vale a pena recordar o que dizia o magnata George Soros. “O candidato de esquerda, Lula, não pode ser eleito porque os mercados, o mesmo será dizer os Estados Unidos, não o querem”. Curiosamente como responderia o Prémio Nobel para a economia e ex-número dois do Banco Mundial, Joseph Stiglitz, “para a política económica do mundo Bush é muito mais perigoso do que qualquer candidato brasileiro. E se eu tivesse de escolher entre Bush e Lula escolho Lula”. Assim na verdade fizeram os brasileiros em 2002 para um primeiro mandato entre 2003 a 2006 e um segundo mandato 2007 a 2011. Uma caminhada de vitórias populares personalizada posteriormente por Dilma Rousseff até à sua destituição na linha do retrocesso democrático e do revanchismo das forças de direita que se vive no Brasil.
Hoje, 1.º de Maio, Lula da Silva, o histórico líder sindical e ex-Presidente da Republica do Brasil, é a voz encarcerada que um dia afirmou, referindo-se ao estado social do seu país, “essa pobreza não é ocasional: é o resultado de um modelo perverso, assentado em salários miseráveis e que tem produzido crescente concentração de rendas”. É a voz que exige solidariedade internacional.
Gritemos hoje em várias línguas, Somos Todos Lula! O nordestino metalúrgico que fez o povo acreditar ser possível lutar e conquistar direitos e condições de vida, preso de forma arbitrária no dia 7 deste mês de abril, ao ser acusado de corrupção sem provas. Lula da Silva, que continua à frente das sondagens para as presidenciais de outubro (2018), como candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), tornou-se no alvo politico principal do ataque em curso contra o campo progressista e os direitos sociais, desencadeado por setores revanchistas que promoveram o governo de Michel Temer, que resultou do golpe parlamentar, o impeachment no Senado, que destituiu Dilma Rousseff em 2016. Tempos que exigem unidade, porque representam o maior atentado à democracia desde o fim da ditadura militar, que abrem caminho à escalada de violência tipicamente fascista que se vive naquele país a exemplo da execução de Marielle Franco ou Anderson Gomes.
Assinalar o 1.º de Maio em 2018 poderia ser marcado também por esta SOLIDARIEDADE
Fotos: pesquisa Google
Consulta: “Lula do Agreste ao Planalto”, João Nascimento, Notícias Editorial, 2003; “Lula, o Presidente dos Pobres Um ex-operário à frente do Brasil”, Paolo Manzo, Campo das Letras, 2004
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