Maximina Girão Ribeiro
No mês em que se comemora a implantação da República em Portugal, a 5 de Outubro de 1910 lembro, desta vez, um dos símbolos do republicanismo – o busto da República.
A par da bandeira e do hino, esse símbolo, como representação de uma ideia, é expresso de forma icónica através do busto de uma mulher, ostentando um barrete frígio. A imagem teve como inspiração a obra “A Liberdade guiando o Povo”, pintada em 1830 pelo francês Eugène Delacroix. Esta imagem da República é uma herança da Revolução Francesa (1789) e dos seus ideais, nomeadamente a liberdade, fraternidade e a igualdade.
Em Portugal, esse símbolo nasceu em meados do ano de 1908, em pleno período de forte descontentamento e de grande agitação popular, precisamente no ano em que teve lugar o regicídio, ou seja, dois anos antes da vitória definitiva da República, quando um grupo de republicanos portugueses, liderados pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Braamcamp Freire e pelo grande arquitecto e vereador municipal, Ventura Terra, resolveram abrir concurso para que fosse elaborado um busto de mulher que, à boa maneira francesa, fosse um símbolo que facilmente a generalidade do povo português, de baixa iliteracia, pudesse compreender.
A materialização desse símbolo foi feita a partir de um modelo: uma jovem, mulher do povo, de olhar sereno e sensualidade recatada, mas com um ar firme e decidido. Este rosto da República Portuguesa tem um nome e uma história – chamava-se Hilda Pulga e era uma jovem natural da vila alentejana de Arraiolos, onde nasceu em 1892. Sabe-se que, quando tinha apenas 13 anos, foi viver para Lisboa com a mãe e as irmãs, devido às grandes dificuldades económicas que sentiam, após a morte do pai. Hilda começou a trabalhar em Lisboa, como costureira, numa camisaria na Rua Augusta, na Baixa de Lisboa e morreu com 101 anos, em 1993.
Um dia, Hilda, quando ia fazer uma entrega, cruzou-se na rua com o escultor Simões de Almeida (sobrinho de outro grande escultor, também Simões de Almeida). Conheceram-se e o artista viu nela o rosto cheio de beleza e o ideal para o trabalho que pretendia executar – acabou por a convidar para ser sua modelo. Com todos os preconceitos que existiam, no início do séc. XIX, era preciso ter muito arrojo para posar para um artista – Hilda teve essa coragem!
Na altura, Hilda era ainda menor de idade e o escultor Simões de Almeida teve de pedir autorização à mãe dela para que fosse possível ter Hilda como modelo. Mas, a mãe de Hilda impôs como condições que, ela própria, deveria estar presente nas sessões em que a filha posava, no atelier do artista e que Hilda teria de posar vestida… Durante um mês, Hilda Pulga posou duas horas por dia para que se concretizasse o busto… No entanto, Hilda pouco falou deste assunto, ao longo da sua vida. Apenas aos 93 anos confessou que, apesar de ter sido representada com um amplo decote, “só tinha desabotoado um botão da camisa”…
O escultor Simões de Almeida (sobrinho), com este trabalho tomava parte no concurso promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, para a execução do busto da República. Neste concurso participavam nove artistas e o vencedor foi Francisco dos Santos escultor e pintor português, que tinha sido aluno da Casa Pia, tendo o seu trabalho original, em gesso, ficado exposto no Centro Cultural Casapiano. Embora Simões d’Almeida tivesse ficado em segundo lugar, foi a obra deste autor que se sobrepôs, desde o início, pois foi a peça exposta, logo nos primeiros actos públicos oficiais da República.
A peça original de Simões d’Almeida (a de 1908), em barro, encontra-se na sede da Academia Nacional Belas Artes, em Lisboa.
Hilda Pulga foi a jovem, de carne e osso, que corporizou a República.
Fotos: pesquisa Google
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
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