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Porto: o lugar do Carvalhido e a sua envolvência

Maximina Girão Ribeiro

A zona do Carvalhido foi, em tempos, um arrabalde rural da parte norte cidade, constituído por um conjunto de propriedades rústicas, os chamados casais. Por aqui existiram quintas senhoriais e muitos campos agrícolas. Hoje, é uma vasta área citadina, muito movimentada, onde fervilham gente e negócios.

A actual rua do Carvalhido faz fronteira entre as freguesias de Ramalde e Paranhos e herdou este topónimo pelo facto de, nesse lugar, ter existido uma grande concentração de soutos de carvalheiras. O Carvalhido aparece já designado por “Sovereyros munitos” (Sobreiros Resguardados), no documento de 1138, quando D. Afonso Henriques procedeu à ampliação e confirmação do couto do Porto.

Zona do Carvalhido (atual)
Zona do Carvalhido (actual)

Por deliberação da Câmara Municipal do Porto, em 1835, passou este local a designar-se por Praça do Exército Libertador, em homenagem às tropas liberais, chefiadas por D. Pedro IV.

Esta artéria provém do antigo troço da velha Estrada dos Nove Irmãos (séc. XVI) que partia de Cedofeita pela actual rua do Barão de Forrester e de Oliveira Monteiro, levando os viajantes até à mata do Carvalhido, depois pelo Monte dos Burgos para Vila do Conde, seguindo até Valença e, daí, para a Galiza.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, o Caminho do Carvalhido foi-se alargando, atravessando a mata de carvalhos e castanheiros. Estes velhos caminhos estão intimamente relacionados com os trilhos seguidos pelos peregrinos de Santiago de Compostela que, ao longo dos tempos, percorreram o que hoje chamamos o Caminho Português de Santiago.

O Carvalhido nos inícios do século XX
O Carvalhido nos inícios do século XX

Entre os casais que por aqui existiram, destacavam-se o Casal do Carvalhido, foreiro à Misericórdia que, pelo menos desde 1638 até 1904 andou ligado à família Noronha da Quinta da Prelada. Nesta última data, o arruamento era ainda designado por “Rua Nova de Paranhos”. Outro dos casais era o Casal das Vendas (mencionado em documentos, desde o séc. XVI). A partir de finais do século XVII é apenas mencionada a Aldeia do Carvalhido, ou Lugar do Carvalhido, integrado na freguesia de Cedofeita, pertencendo esta, na época, à comarca da Maia.

Por estes sítios existiram além quintas senhoriais e campos agrícolas, também gado, eiras, palheiros, fontes,…

Um dos episódios mais marcantes deste local remete-nos para a entrada das tropas liberais na cidade do Porto, após o desembarque feito na praia de Pampelido. No dia 8 de Julho de 1832, este exército, conhecido como o “Exército Libertador”, caminhou até chegar ao Carvalhido. Era composto por 7500 soldados, muitos deles trazendo a ponta das espingardas enfeitadas com hortênsias brancas e azuis, as cores de D. Pedro IV e da família real. Chegados ao Carvalhido, montaram acampamento e pernoitaram (de 8 para 9 de Julho de 1832). Foi esta a primeira etapa das tropas liberais, antes de tomarem a cidade do Porto, de onde fugiram os absolutistas liderados por D. Miguel. Os liberais que ficaram na cidade e a população em geral, sofreram o longo cerco, um período entre Julho de 1832 e Agosto de 1833, com as forças absolutistas a atacarem e a impedirem o abastecimento de géneros à população cercada.

D. Pedro IV
D. Pedro IV

Durante o cerco do Porto, quando a população ribeirinha e os habitantes das zonas bombardeadas pelos miguelistas, corriam perigo, o Carvalhido foi muito procurado como refúgio por ser um sítio rural, onde seria mais fácil sobreviver aos ataques e à fome que grassava na cidade cercada. Contudo, muitas das pessoas que fugiram para o Carvalhido ou para Cedofeita estavam já contaminadas pela cólera-morbus, doença trazida pelos soldados belgas que vieram a bordo de um navio de Ostende, comandados pelo Marechal Solignac, com o objectivo de ajudarem D. Pedro. Este surto de cólera-morbus registou um número muito elevado de óbitos.

Por esse tempo, a zona do Carvalhido era rica em fontes que já desapareceram, ou mudaram de lugar, construídas entre os séculos XVII e XVIII, com interessantes denominações, ou com nomes conforme se foram abrindo ruas ou ruelas, ou ainda, com designações relacionadas com feitos relevantes, ligados à história da cidade… Deixamos aqui o nome de algumas delas: Nove de Julho, da Bica Velha, da Natária, etc.

A fonte de Nove de Julho situava-se na aldeia do Carvalhido e foi conhecida, inicialmente, por fonte do Cano, do Carvalhido, ou da Falperra, que ficaria situada na esquina da rua Nove de Julho com a Rua dos Arcos.

A fonte da Natária estará ligada ao nome de uma mulher da qual lhe terá vindo esse nome. Esta desaparecida fonte, dos inícios do séc. XVIII, tinha sido construída com o material de uma outra fonte ainda mais antiga que existiu na rua da Bica Velha. Com o decorrer do tempo a fonte ficou muito desprezada e como a sua água estava sempre imunda e fétida, por se permitir ali a lavagem dos miúdos dos bois abatidos no Matadouro Público, que ficava a pouca distância, acabou por ser demolida. Estas fontes tiveram o papel prático, no quotidiano das populações residentes por estes lados – o abastecimento de água a pessoas e animais. Já as belíssimas fontes existentes na Quinta da Prelada, de que salientamos as do Cágado e a da Medusa, tiveram predominantemente o papel de embelezamento e de ludicidade para aqueles que para lá iam no tempo de veraneio.

O Carvalhido de outros tempos deveria ter outros encantos que o tempo fez desaparecer, como é o caso da antiga rua das Pirâmides, onde se encontravam os monumentais obeliscos que hoje se conservam no Passeio Alegre. Aí, bem perto, existiram as instalações da Invicta Film, uma produtora portuguesa de cinema, com sede na cidade do Porto, que se destacou nos anos vinte do séc. XX, com documentários, pequenos filmes publicitários e filmes de ficção, muito importantes para a história do cinema português. A empresa encerrou definitivamente a sua actividade, em 1931.

Não podemos esquecer, nesta envolvência do Carvalhido, a Casa e Quinta Amarela, propriedade que subsiste e que se situa na esquina da rua Oliveira Monteiro. Foi nesta casa e quinta que estiveram instaladas as forças absolutistas, fiéis a D. Miguel. Com a chegada das tropas liberais, a casa foi incendiada para expulsar os ocupantes. Mais tarde, reabilitada, serviu de hospital para os doentes da febre-amarela. A partir de 1920 foi, durante algum tempo, sede provisória da primeira Faculdade de Letras do Porto, fundada pelo filósofo Dr. Leonardo Coimbra. Depois, com a 1ª Guerra Mundial e a participação portuguesa no conflito, criou-se em 1916 a Junta Patriótica do Norte que, entre outros objectivos, pretendia prestar assistência-socorro às vítimas da guerra, especialmente às crianças órfãs. Nasceu, assim, a Casa dos Filhos dos Soldados que se instalou na Quinta Amarela, onde também, mais tarde, funcionaria a Liga dos Combatentes.

Igreja do Carvalhido nos anos 50 do século XX
Igreja do Carvalhido nos anos 50 do século XX

Dois pontos de relevante interesse, no Carvalhido, são a capela e o cruzeiro.

A capela, localizada no extremo norte da Praça, é um edifício do século XVIII, referenciada pela primeira vez, em 1760, num registo paroquial de Santo Ildefonso. Esta foi a primeira igreja paroquial do Carvalhido até à criação da Paróquia do Coração de Jesus do Carvalhido, em 1940. O edifício encontra-se no cruzamento das ruas da Natária, do Carvalhido e da Prelada com a Praça do Exército Libertador e pertencia, desde 1886, à Confraria de Nossa Senhora da Conceição.

Azulejos da igreja do Carvalhido
Azulejos da igreja do Carvalhido

azulejos

Azulejos ca capela do Carvalhido
Azulejos ca capela do Carvalhido

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Foto: Carlos Amaro
Foto: Carlos Amaro

Posteriormente à sua construção, a fachada granítica foi valorizada com uma integração harmoniosa dos azulejos, cujos painéis são da autoria do pintor cerâmico F. L. Pereira, conforme se pode confirmar pelas marcas manuais, com indicação das iniciais e o último nome do pintor, por extenso. Francisco Luís Pereira (1891-1961) foi um artista que trabalhou na Fábrica da Vista Alegre e, mais tarde, na Fábrica do Outeiro (Águeda), onde foram produzidas, em 1944, estas belíssimas peças de valor artístico considerável.

Foto: cruzeiro do senhor do padrão

Foto: Carlos Amaro
Foto: Carlos Amaro

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Foto: Carlos Amaro
Base do cruzeiro – Foto: Carlos Amaro

Base do cruzeiro com inscrição em cartela – foto Carlos Amaro

O Cruzeiro do Senhor do Padrão destaca-se no extremo sul da praça, situando-se na confluência das ruas de Oliveira Monteiro e de 9 de Julho e está datado com o ano de 1738. É um característico cruzeiro de caminho que contempla a religiosidade dos caminhantes. O cruzeiro é composto por quatro peças: base dupla quadrangular, com inscrição datada entre enrolamentos na face frontal; fuste em coluna circular; capitel de folhas de acanto; Cristo na Cruz.

O cruzeiro apresenta como legenda a seguinte frase que nos faz reflectir: «Louvado seja os tempos de valores virtude lisura ozias(*). MDCCXXXVIII».

(*)Ozias – é um personagem bíblico (foi o décimo rei de Judá)

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

01nov18

 

 

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5 Comments

  1. Manuel dos Santos silva

    Peco desculpa pelo anterior comentário e claro que aprecio toda aquela zona do Carvalhido principalmente a sua igreja com os seus bonitos azulejos assim como os estabelecimentos comerciais obrigado

  2. Anónimo

    Sou nascida e criada no famoso Carvalhido. Congratulo a autora do texo, foi bastante precisa e elucidativa parece até que nasceu no Carvalhido. Adorei a história, obrigada por a partilhar connosco. (Tenho 55 anos de idade)

  3. Serafim da silva

    Nasci neste local ,Rua 9 de abril ,junto ao Carvalheiro no ano 1943 ,toda aminha infância foi feita no Carvalheiro, fui batizado, nesta igreja,casei, fiz bodas de prata, bodas de ouro, espero fazer as. De diamante, tudo nesta capela do Carvalhido. Inclusive sair desta capela, para a minha última morada,quanto ao Carvalheiro, recordo historia de família que minha falecida mãe ,o primeiro namoro que teve , faleceu quando estava a fazer a reparação de uma destas torres da igreja do Carvalheiro ,,,,,histórias de família ,,,,,,,, adoro este local, pela sua historia, seja do cafezeiro , como de uma figura típica do local ,,,,o marquês vidraçaria, que morava pegado à igreja
    Saudades que levo com migo

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