Fernanda Ferreira
O Sr José Beltrão, com os seus 71 anos, era um homem complicado e rezingão.
Tudo para ele era obstáculo e motivo para reclamar da vida, mas como se poderá culpar uma pessoa que nunca sentiu afeto, de ser uma pessoa amarga?
Nunca teve uma infância feliz.
O pai era alcoólico e a mãe, vítima de violência doméstica e com meia dúzia de filhos para criar sem ter condições econômicas nem psicológicas para isso, descurou atitudes de carinho para com os filhos.
Os irmãos não se entendiam porque, por covardia e para se protegerem dos castigos corporais, culpavam-se uns aos outros das travessuras que cometiam, acabando tudo com uma sova coletiva, “para servir de emenda”.
Para se libertar deste suplício e porque nunca teve grande aproveitamento escolar, mal acabou o ensino obrigatório, foi trabalhar para a construção civil e assim, andando de terra em terra, passava muitos dias distante da família.
O mestre não gostava dele por ser antipático, mas como ia fazendo bem o trabalho, lá o ia aguentando e até conseguiu que se tornasse um bom profissional.
Um dia encontrou uma rapariga por quem se apaixonou e pensou que iria ser a sua companheira para a vida, mas devido ao seu mau feitio, ela não quis continuar o namoro.
Daí em diante ficou ainda pior.
Com o passar dos anos, conseguiu arranjar uma estabilidade económica confortável, mas vivia sozinho, triste e amargo como sempre foi.
Há cerca de um ano, encontrou à porta de casa um cãozinho muito ferido, sem conseguir andar. Provavelmente teria sido atropelado.
Pensou em não lhe ligar, mas o bichinho estava tão queixoso e indefeso, que não teve coragem de ficar indiferente.
O animal deixou que ele lhe desinfetasse as feridas e aceitou ficar deitado numa manta perto dele.
A situação mostrou-se mais grave do que parecia, pelo que, com medo que o cão morresse, no dia seguinte levou-o ao veterinário, que o internou para operar a fratura da pata e tratar as feridas infetadas.
O Sr Beltrão nunca se tinha sentido tão preocupado como então. O coração quase que saltava pela boca de tanta ansiedade.” Será que vai conseguir recuperar? Ele está tão ferido!”-pensava, agoniado.
Ao fim de três dias o cãozinho teve alta, com recomendação de vigilância e medicação a horas, coisa que ele se comprometeu a fazer e cumpriu rigorosamente até à completa recuperação do animal.
Foi maravilhoso vê-lo curado e a agradecer-lhe, com inúmeras demonstrações de carinho, os cuidados que lhe prestava.
Finalmente já podia respirar de alívio.
O cãozinho não o largava e brincava muito com ele.
Necessitava de lhe dar um nome e Amigo foi o que achou mais adequado porque, não sendo nome habitual para um cão, ele era o seu único amigo e a amizade seria para toda a vida, já que não conseguia pensar viver sem a sua companhia.
Desde aí a nuvem negra que, mesmo nos dias de sol, acompanhava diariamente o Sr Beltrão, foi lentamente desaparecendo e ele começou a ver tudo mais colorido, porque aquele ser indefeso conseguiu quebrar o aço do seu coração e ensinar-lhe o verdadeiro significado do amor e que ele é a razão da nossa vida.
Foto: pesquisa Google
01jan19