“O Município do Porto defende os seus inquilinos e não pode agir, de modo discricionário, em benefício daqueles que, pelas mais diversas razões, incumpriram as regras de uso da habitação social”, declarou Rui Moreira em conferência de imprensa realizada na manhã do passado dia 21 de fevereiro, sobre o despejo de uma ex-inquilina municipal que se encontra a cumprir uma pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes.
O presidente da Câmara Municipal do Porto assinalou também que “o poder discricionário leva à arbitrariedade” e que o Município, enquanto for por si presidido, continuará a cumprir a Lei e também o faz por opção política. “Se nada tivesse sido iniciado pelo Dr. Manuel Pizarro teríamos feito exatamente a mesma coisa”, afirmou.
A resposta do vereador socialista não se fez esperar e, entre outras acusações ao presidente da autarquia, salienta que “a Câmara de Rui Moreira decidiu, na antevéspera de Natal (!), ordenar o despejo da referida moradora, que veio a ser concretizado em finais de janeiro deste ano. Como se pode facilmente demonstrar, o despejo resulta de um processo integralmente iniciado e decidido pelo atual executivo”, e que “o que é mais chocante neste processo de ataques de Rui Moreira é a vontade evidente de esconder que a atual governação acelerou brutalmente o despejo porque a inquilina está prestes a recuperar a liberdade, ainda que condicional. Rui Moreira, estou convicto, sabe que fez asneira, sabe que, invocando normas e regulamentos, foi insensível para com o sofrimento alheio. É, aliás, isso que explica a forma muito nervosa com que me ataca”.
Aberta a “guerra” entre as duas mais importantes forças políticas na autarquia portuense, difícil é, para já, e para muitos, criar qualquer cenário composto pelas consequências da mesma. A verdade, porém, é que crescem os temas politicamente escaldantes na Câmara Municipal do Porto, isto quando estão em “jogo” diversos projetos para o desenvolvimento da cidade, que, unanimemente, são considerados imprescindíveis para a mesma.
Conheça então, e na íntegra, as reações dos dois responsáveis autárquicos, um (Rui Moreira) em conferência de imprensa, e outro (Manuel Pizarro) na sua página no Facebook…
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RUI MOREIRA
“Em primeiro lugar, os factos e a reposição da verdade, que não é nem a que está escrita na carta aberta nem a que hoje o mesmo jornal de sempre escreve ao estilo manifesto.
A pessoa em causa está detida desde Setembro de 2012 a cumprir pena de quase 9 anos por tráfico de droga. Abandonou a sua residência em 2012 e deixou de pagar a renda. Nos termos da Lei e do Regulamento Municipal, tal é motivo para despejo;
A Lei prevê, especificamente, o despejo após dois anos de abandono da habitação em caso de detenção.
Até hoje, a Câmara Municipal do Porto ou a Domus Social não receberam qualquer comunicação da autoridades competentes relativamente à possibilidade da pessoa vir a sair da prisão e necessitar de apoio. Ainda que assim fosse, não existe preceito legal que pudesse inverter a decisão criando uma situação de exceção:
Ao contrário, o que sabe a Câmara é que até ao momento não lhe foi concedida liberdade condicional (e isto demonstra que toda a narrativa é montada com base no falso pressuposto. É mentira, portanto, o que hoje vem escrito no mesmo jornal do costume. É mentira! O estabelecimento prisional é gerido pela Santa Casa da Misericórdia do Porto que está a acompanhar o processo e que, em contacto com o vereador Fernando Paulo, garantiu já à Câmara que, caso venha, um dia, e não foi, a ser determinada a libertação condicional, a Santa Casa tem condições para dar uma resposta social.
“Está provado que o vereador Manuel Pizarro foi quem iniciou o processo de despejo”
Os filhos da ex-inquilina estão acompanhados e não se encontram desprotegidos desde 2012 e têm, portanto, proteção social e familiar. Está provado que o vereador Manuel Pizarro foi quem iniciou o processo de despejo, assinou a decisão, assinou a notificação da inquilina e deu-lhe 60 dias para contestar em 2016;
Mais tarde, impediu que o pai, que tinha ocupado ilegalmente a casa, fosse aceite no agregado familiar da inquilina. Fê-lo contra parecer técnico da Domus Social (Vou repetir: a inquilina pediu a integração do pai no agregado, a informação técnica da Domus era favorável e o Dr. Manuel Pizarro negou, ordenando, pela segunda vez, o despejo, seguramente por conhecer os antecedentes da pessoa em causa);
O segundo despejo ordenado pelo Dr. Manuel Pizarro devolveu a casa ao abandono o que, nos termos da Lei e do regulamento municipal (o de agora e o do tempo do Dr. Manuel Pizarro) é motivo de despejo. O atual vereador deu continuidade ao despejo ordenado e nunca revogado pelo Dr. Manuel Pizarro, ao contrário do que se vai dizendo nos jornais. Estes são os factos!”
“Mas vamos a questões políticas”, e continuou Rui Moreira…
“Na passada reunião de Executivo, este tema foi debatido, o Dr. Fernando Paulo questionou diretamente o Dr. Manuel Pizarro. Este remeteu-se ao silêncio. No sítio certo, nada disse.
Em declarações à imprensa, num comunicado e num artigo hoje publicado no tal jornal, diz-se que o Dr. Manuel Pizarro “pediu” (“pediu” é o termo) que a inquilina não fosse despejada, mesmo depois de ter ele próprio ordenado o despejo. Ora, não existe qualquer documento na Domus Social que confirme isto.
Na verdade, não poderia haver, pois não haveria base legal. Nem se entende o termo “pedido”, pois a decisão final seria sempre sua. Terá pedido a si próprio?
Mais, não existe na Lei qualquer preceito que permitisse ao Dr. Manuel Pizarro tomar a decisão discricionária de engavetar um processo específico e não lhe dar o devido andamento, após a notificação que assinou.
Só entre 2014 e até à sua saída, foram despejadas, pelo motivo de uso indevido da habitação ou abandono da mesma mais de 150 agregados familiares de habitações municipais por decisão final do Dr. Manuel Pizarro, enquanto era vereador da habitação e presidente da Domus Social. Vou fazer duas citações:
«Se é verdade que temos de ter preocupações com a família das pessoas que traficam droga, não é menos verdade que temos a obrigação de proteger a comunidade do tráfico de droga, que é um crime que causa graves consequências». «Se tiver de escolher, porei sempre em primeiro lugar as famílias que não traficam.»
Sabem quem disse? O Dr. Manuel Pizarro em reuniões de Câmara e constam das respetivas atas, em 2015. A questão que se coloca e permanece um mistério para nós é por que razão o Dr. Manuel Pizarro, num caso específico, neste caso específico, diz ter decidido de forma diferente.
Eu não quero, nem acho que deva ser feito, judicializar a política. Não o farei. O Dr. Manuel Pizarro, que mandou despejar uma condenada por tráfico de droga, pode ter-se arrependido. Não sabemos. Não encontramos evidência documental ou testemunhal de que se tenha arrependido. Ainda bem, porque a existir poderia configurar uma violação da Lei.
Não é opção discricionário de um vereador, sobrepor-se à Lei e ao regulamento e às suas próprias fundamentadas decisões.
“O PCP e o Bloco de Esquerda têm uma posição com a qual não concordo”
“Quanto ao mais, é preciso também dizer o seguinte: o PCP e o Bloco de Esquerda têm sobre esta matéria uma posição com a qual eu não concordo. Entendem o PCP e o BE que as casas municipais devem servir para albergar munícipes, independentemente da sua atividade e de eventualmente serem traficantes de droga. Convivem bem com os carros topos de gama estacionados nos bairros sociais.
Convivem bem com casas luxuosas escondidas e altamente frequentadas em blocos habitacionais municipais onde vive gente séria e necessitada, que muitas vezes é acossada como recentemente foi evidenciado em reunião de Câmara. É legítimo que o defendam abertamente. Fizeram-no em campanha eleitoral. Podem fazê-lo pela via legislativa, sem assim entenderem e conseguirem”.
“Felizmente, os partidos que têm assento da Assembleia da República de forma maioritária desde o 25 de Abril têm posição diferente. Entendem que a habitação social deve ser gerida por forma a acolher quem dela precisa. Entendem que casas pagas por todos nós não devem ficar sete anos ou nove anos vazias à espera que condenados por tráfico de droga ou por outro comportamento criminoso as voltem, eventualmente, a ocupar.
Esse entendimento do PS, do CDS e do PSD é que enquadrada a Lei e é o nosso. E era o Dr. Manuel Pizarro. Sempre foi. É seguramente o entendimento do Governo. É seguramente o entendimento do presidente da Câmara de Lisboa. É o nosso e é o da esmagadora maioria dos portugueses e dos portuenses que querem ver o orçamento da Câmara para a qual pagam impostos, bem aplicados.
Sendo o entendimento do PS deixou de ser o entendimento do Dr. Manuel Pizarro, num caso específico. Pergunto por quê’? A Câmara do Porto convive muito bem com as suas decisões e com a crítica. Pago pela Câmara do Porto, no âmbito de um programa municipal, foi produzido um filme e levado a um importante festival internacional de cinema, que retracta precisamente um caso com contornos muito semelhantes a este.
“Assumimos uma política coerente e assente na Lei”
Não temos problemas com o que assumimos, que é uma política coerente e que se alicerça na Lei. Entendemos que é nossa obrigação criar programas que promovam a reinserção ainda que esta seja uma competência específica do Ministério da Justiça. Por isso o estamos a fazer agora”, concluindo o presidente da Câmara do Porto a sua intervenção, fazendo alusão à proposta de recomendação do vereador Fernando Paulo, aprovada por unanimidade, no passado dia 19 de fevereiro, em reunião de Executivo.
MANUEL PIZARRO
Em artigo publicado na sua página no Facebook, o vereador socialista Manuel Pizarro respondeu, na noite de 22 de fevereiro (dia da conferência de imprensa realizada por Rui Moreira) aos ataques do presidente da edilidade, da seguinte forma:
“Nos últimos dias, totalmente a despropósito, Rui Moreira lançou uma campanha desenfreada, contra mim e contra o PS, a respeito do despejo de uma inquilina municipal que se encontra presa, mas a poucos dias de obter liberdade condicional. Nessa campanha, misturam-se factos, mentiras, deturpações e, sobretudo, um tom desabrido, nervoso e muito agressivo. Não responderei no mesmo tom. Fá-lo-ei, antes, com a devida serenidade, ajudando a que todos possam ficar esclarecidos.
A Câmara de Rui Moreira decidiu, na antevéspera de Natal (!), ordenar o despejo da referida moradora, que veio a ser concretizado em finais de janeiro deste ano. Como se pode facilmente demonstrar, o despejo resulta de um processo integralmente iniciado e decidido pelo atual executivo, com a seguinte cronologia:
- a) Janeiro de 2018: notificação da intenção de resolução do arrendamento apoiado – decisão de Fernando Paulo, vereador de Rui Moreira;
- b) Junho de 2018: notificação da decisão de resolução do arrendamento apoiado – decisão do mesmo vereador;
- c) 22 de dezembro de 2018: ordem de despejo, concretizada em 30 de janeiro de 2019 – decisão do mesmo vereador.
Estes são os factos, indesmentíveis e indiscutíveis. Não deixa por isso de ser extravagante que Rui Moreira, como habitualmente, avesso a assumir responsabilidades pelo que quer que seja, procure imediatamente encontrar outro que responda por ele. Ou seja, que tente sacudir a água do capote e fazer-me responsável de uma decisão executada quase dois anos depois de eu ter sido forçado a sair do Pelouro.”
“Rui Moreira acelerou brutalmente o despejo”
“O que se passou quando eu tinha pelouro na Câmara é bem diferente, e também é comprovável com toda a facilidade. Em fevereiro de 2016, notifiquei a inquilina daquela que, à primeira vista, seria a existência de motivo para o despejo. Mas a inquilina, como é evidente, podia apresentar as suas razões. E fê-lo, como era seu direito.
Em face das informações e explicações que me foram dadas, descontinuei o despejo. E porquê? Porque a senhora tinha cumprido, entretanto, 5 anos da sua pena; porque tinha 3 filhos menores; porque os serviços prisionais faziam uma avaliação muito positiva da sua recuperação; e porque ia beneficiar de saídas precárias a partir dessa altura e, para as concretizar e se poder juntar com os filhos, teria de manter a sua casa. Estas foram as razões que justificaram plenamente, até deixar de tutelar o pelouro da Habitação (em maio de 2017), que não tivesse decidido qualquer despejo.
O que é mais chocante neste processo de ataques de Rui Moreira? A vontade evidente de esconder que a atual governação acelerou brutalmente o despejo porque a inquilina está prestes a recuperar a liberdade, ainda que condicional. Rui Moreira, estou convicto, sabe que fez asneira, sabe que, invocando normas e regulamentos, foi insensível para com o sofrimento alheio. É, aliás, isso que explica a forma muito nervosa com que me atac”.
“Numa sociedade decente, quem comete crimes deve ser punido por isso. Mas, o contraponto do castigo é a abertura do caminho para a reintegração e para a reinserção social. A inquilina em causa já foi duramente castigada com 7 anos de prisão, ficou privada de assistir ao crescimento dos seus filhos – e quem for Pai ou Mãe compreende muito bem o quanto deve ter sofrido por isso. Teve na cadeia comportamento exemplar. Trabalhou. Tornou-se num exemplo para o sistema e numa inspiração para muitas colegas. Faz sentido privá-la agora da sua casa? Precisamente agora?
“Nunca me esqueci que devemos estender a mão a todos e manter sempre a confiança na humanidade”
Enquanto fui responsável pelo pelouro da Habitação nunca me faltou coragem nem determinação para combater o tráfico de droga. Mas, ao mesmo tempo, nunca me esqueci que devemos estender a mão a todos e manter sempre confiança na humanidade e respeito pela dignidade de cada um. Tomei muitas decisões e sinto-me tranquilo em relação a elas. Não sei se cometi erros, espero não os ter cometido.
Mas não tenho, como Rui Moreira, a arrogância fátua da perfeição. E de uma coisa estou certo: nunca tentarei fazer atribuir a outros a responsabilidade das decisões que tomei, para escapar à crítica ou à discordância. Esta atitude de Rui Moreira é uma desilusão e, até pela falta de coragem que demonstra, trai os valores do Porto.
Estou certo de que, se a Câmara persistir nesta atitude, alguém nesta Cidade, solidário e livre, se lembrará da Paula e a ajudará na sua na sua reinserção. Trabalharei para isso”.
AÇÃO DE “SOLIDARIEDADE”

Este caso teve, entretanto, repercussões públicas, com cerca de seis dezenas de pessoas a concentrarem-se no Bairro do Lagarteiro, no passado dia 23 de fevereiro, para manifestarem solidariedade com Paula, a “ex-inquilina”, que “está prestes a sair em liberdade”, pedindo os manifestantes a reversão daquilo que intitulam um “despejo cruel”.
No ato estiveram presentes, entre outros, o vereador socialista Manuel Pizarro, assim como o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro, que se encontraram com Paula, numa das suas saídas precárias.
Em declarações ao” Jornal de Notícias” – o “Etc e Tal” não teve acesso a qualquer informação sobre esta ação, o que já não é de estranhar quando se trata de movimentações do género, vamos lá saber o por quê?! – Manuel Pizarro referiu que “se fosse vereador, revertia [a decisão] na segunda-feira de manhã. É uma questão de pedir o processo e, admitindo que a Câmara fala verdade e não sabia que Paula está prestes a sair em liberdade, acrescentar esse dado e tomar a decisão. Dessa atitude não sairia ninguém prejudicado, porque a casa está vazia.

Por seu turno Albano Loureiro, advogado de Paula, informou, também ao “JN” que “o despacho de 03 de junho de 2018 [do vereador da Habitação] está a ser impugnado em tribunal, porque há uma ilegalidade no processo camarário. A reclusa, oficialmente, só foi notificada do despejo a 08 de fevereiro de 2019, já depois de o despejo ter sido concluído, a 31 de janeiro. “Escreveu quatro cartas à Câmara e a diretora adjunta do estabelecimento prisional informou dos prazos e previsões. A correr bem podia ter saído em agosto, a correr mal, saía em fevereiro ou março”.
Tratamento editorial: José Gonçalves
Foto em destaque: Pedro N. Silva (Arquivo EeTj)
Fotos (conferência de imprensa): Miguel Nogueira (Porto.)
01mar19