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NUNO CARDOSO: “A CIDADE DO PORTO ESTEVE PARADA DOZE ANOS… COM RUI RIO À FRENTE DA CÂMARA MUNICIPAL!”

Nuno Cardoso, engenheiro licenciado pela respetiva Faculdade da Universidade do Porto, natural do Peso da Régua, onde nasceu há 57 anos, destacou-se na cidade do Porto ao chegar à Câmara Municipal, em 1990, no executivo socialista liderado por Fernando Gomes.

Tendo sido responsável pela nova estratégia de transportes na cidade, colaborou de forma intensa na conceção da rede do Metro do Porto. Depois de passar pela presidência das Águas do Douro e Paiva (1996), substituiu Fernando Gomes na presidência da autarquia portuense, de 1999 a 2002.

Foi com ele a presidente da Câmara, que o Porto conheceu aquilo a que o próprio chama de “revolução”, com a construção de diversas infraestruturas de relevo na cidade, como a Casa da Música, Biblioteca Almeida Garrett, entre outras obras significativas, que se destacaram na “Porto 2001, Capital Europeia da Cultura”.

Depois de um mandato com algumas turbulências e problemas com a Justiça, a verdade é que Nuno Cardoso candidatou-se em 2013, como  independente à Câmara Municipal do Porto, e, mesmo não obtendo um resultado positivo, manteve-se vivo e ativo na cidade, deixado, entretanto, o Partido Socialista.

Foi com o Nuno Cardoso, responsável por importantes obras na cidade que falamos. O antigo presidente da Câmara Municipal do Porto não poupa críticas a Rui Rio que, durante doze anos, e, em seu entender, fez “parar a cidade”.

O nosso entrevistado elogia Rui Moreira e todo o trabalho que o atual executivo da Câmara tem vindo a realizar.

Uma grande entrevista na qual se fala de tudo um pouco, desde Ambiente à Regionalização, passando pelos Transportes, a outros factos políticos da atualidade que têm dele um parecer muito próprio… assim como de um novo projeto de habitação colaborativa por ele idealizado…

Eis, Nuno Cardoso na primeira pessoa do singular… e muitas das vezes na do plural!

José Gonçalves                    Luís Navarro

(texto)                                      (fotos)

Está a valer  a pena viver no Porto nos dias que correm?

“Como não?! O Porto é a melhor cidade do mundo para viver…”

… é uma cidade que tem evoluído de acordo com aquilo que era previsível?

“O Porto é uma cidade encantadora e sedutora. Costumava dizer que Lisboa apaixonava, mas o Porto seduzia, porque a relação que o Porto estabelece com as pessoas é muito mais forte que a paixão. É mesmo uma sedução profunda. Fica-se preso! É por isso que o dinamismo do turismo é o que é, e está sempre a crescer. Porque as pessoas ao contactarem com a cidade, com a nossa cultura e com a nossa gente, acabam ficando presas e voltam, e dizem aos amigos para virem… a cidade é de facto muito sedutora.”

Há seis anos dizia, como candidato independente à presidência da Câmara Municipal do Porto, e em campanha eleitoral, que era preciso uma «Revolução Urbana» na cidade. Ela foi efetuada ou ainda estamos no PREC*?

“Uma cidade não tem terceiro momento. Uma cidade ou cresce e revitaliza-se, ou, se pára, morre! De alguma forma a cidade esteve parada doze anos, com o doutor Rui Rio à frente da Câmara. Agora, penso que está efetivamente a revitalizar-se.

O ambiente cultural é muito forte e muito positivo, facto que deve-se muito ao malogrado vereador Paulo Cunha e Silva que conseguiu relançar aquilo que era a dinâmica da «Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura». Ele, nos dois curtos anos que esteve à frente do pelouro da Cultura, foi capaz de relançar toda essa dinâmica que tinha sido quebrada após 2001, com a entrada do doutor Rui Rio na Câmara. Portanto, essa é a grande mais-valia do momento. A cidade respira outra vez muita cultura, e a cultura é a alma da cidade. Sem cultura a cidade esmorece.

Do ponto de vista urbano, a reabilitação é – e ainda bem – a palavra de ordem, porque nós estávamos com todo o casco velho muito degradado; não havia investimento privado; a pouca reabilitação que se fazia era à custa do investimento público, que, claro está, era diminuto: Ficou-se ali pela Ribeira, pelo Barredo e, portanto, não havia capacidade de intervenção”

FIZEMOS MUITO PELA ZONA ORIENTAL DA CIDADE

A zona oriental da cidade, por seu lado, foi sempre um pouco esquecida…

“…não creio! Antes pelo contrário, isto se formos a ver as infraestruturas que foram criadas no meu tempo. É preciso ver que há um momento político de doze anos do Partido Socialista a governar a cidade do Porto, que o líder foi, incontestavelmente, o doutor Fernando Gomes, juntamente com os técnicos que estavam por trás. Eu estive, desde a primeira hora com o doutor Fernando Gomes, e nesses doze anos, fez-se imenso pela zona oriental. É muito desagradável pensar-se que no nosso tempo nos esquecemos da zona oriental!

Se alguma vez, lá, se fez alguma coisa foi connosco. O Plano de Pormenor das Antas é nosso. Portanto, toda a transformação com o Estádio do Dragão e com todas as acessibilidades – Avenida do Dragão, e todo aquele complexo – é tudo do nosso tempo. O Metro é obra nossa! E chegámos com o Metro à zona oriental com várias estações… quatro! Depois fizemos outra avenida: a que liga a Praça das Flores à Corujeira, a Avenida 25 de Abril. Fizemos outra avenida, a de Cartes, que estrutura a zona do Cerco do Porto. Portanto, do ponto de vista de infraestruturas, fizemos imenso na zona oriental. Criámos acessibilidades que não havia.

O problema que aconteceu é que, logo após nós termos passado pela Câmara, houve a grande crise económica e, consequentemente, a crise do imobiliário, ao contrário do que hoje acontece. Há, neste momento, uma enorme capacidade de crescimento urbanístico na zona oriental. Estou mortinho por ver começar a aparecerem prédios na Avenida 25 de Abril, na Avenida do Dragão…”

EM 1990, QUANDO FERNANDO GOMES CHEGOU À CÂMARA, O PORTO TINHA TRÊS MIL BARRACAS

E quanto aos bairros sociais. Estão a ter a devida atenção por parte da autarquia?

“Acho que sim. Esse foco foi o de Rui Rio durante doze anos, esse foco continua, agora, com o doutor Rui Moreira, isto no que concerne à reabilitação dos bairros sociais, e acho muito bem.

Mas, é preciso que se note que quando o doutor Fernando Gomes chegou à Câmara, em 1990, nós tínhamos três mil barracas. No que é hoje o Parque da Pasteleira era um amontoado de barracas. Esse era o quadro; um quadro que é bom recordar.

É preciso que se note que nesses doze anos do Partido Socialista a governar a cidade, resolvemos o problema das barracas; construímos imensos bairros sociais; deitamos abaixo alguns bairros, como da Mitra e outros aglomerados habitacionais de fraca qualidade, portanto tudo isso foi feito nesses doze anos. É claro que não tivemos capacidade financeira para reabilitar os outros bairros, não se pode fazer tudo, mas a prioridade era atacar o bairro de lata e isso foi feito!”

LEMBRA-SE DE ALGUMA OBRA ESTRUTURANTE NOS 12 ANOS QUE RUI RIO ESTEVE À FRENTE DA CÂMARA?

Agora, há projetos que estão no papel, é verdade, mas estão no papel o que já de si é significativo. Refiro-me ao Terminal Intermodal de Campanhã e ao ex- Matadouro. São projetos, a seu ver, importantes, para a cidade?

“São, sem dúvida projetos importantes, o que é preciso é concretizá-los: e já lá vão seis anos sem nada ter sido feito!”

Por quê, em seu entender, essa demora?

“Porque falar é fácil. Lançar ideias e projetos é fácil, mas depois é preciso concretizá-los. No fundo, não é fácil concretizar coisas em Portugal. O centralismo e as teias burocráticas são enormes. O Tribunal de Contas cria muitas dificuldades. Às vezes é mais fácil nada fazer! Há pessoas que acabaram por conseguir passar tanto tempo na Câmara, quanto passou o doutor Rui Rio, e nada se passou, nada aconteceu de novo. Lembra-se de alguma obra estruturante nos doze anos do doutor Rui Rio? Não se lembra. Agora, eu posso relembrar algumas do Partido Socialista: o Parque da Cidade; o Metro do Porto; a erradicação das barracas; todo o esquema de circulação da VCI; todos os túneis da cidade foram projetados por mim.

No primeiro mandato – que é sempre difícil porque estamos a começar a conhecer a máquina – conseguimos ter a ideia, projetar e construir o túnel de Faria de Guimarães. Gostava de ver alguma cidade no país onde, no primeiro mandato de um executivo camarário, tivesse uma obra tão estruturante como a do túnel de Faria de Guimarães, que foi inaugurado em maio de 1993…”

Em termos ambientais o Porto está melhor? Estamos a falar, por exemplo, do Rio Tinto que está praticamente despoluído e com as suas margens arranjadas…

“… curiosamente, há semanas, acabei por passear duas longas horas no parque. O Parque Oriental está lindíssimo! É uma obra conjunta das câmaras do Porto e de Gondomar. É uma obra estruturante e vai reequilibrar os espaços verdades.

No nosso tempo, fizemos o Parque da Cidade, a ocidente – muito descentrado -, e esta obra é fabulosa. E não há obra mais interessante para um autarca que um parque da cidade. O parque da cidade é uma obra incrível, pois todos os anos se renova; todos os anos é melhor e é extremamente importante para os cidadãos”.

NÃO BASTA TER UM «PASSE» MUITO BARATO, TAMBÉM É PRECISO FAZER TRANSPORTE

Ao nível dos transportes, o Metro tende a alargar-se, levantando-se sempre a questão da zona ocidental – designadamente a do Campo Alegre/Foz – se encontrar afastada da rede….

“O Metro tem de se expandir por fases. É preciso que se vá continuando a construir rede. Um serviço de transportes públicos é, como você disse, em rede, portanto, quanto mais rede, mais eficiente se torna.

Acho que se devia investir mais na ligação complementar da rede do Metro com a de autocarros. Defendo que o Andante foi uma grande evolução e uma conquista para os cidadãos. Agora, temos o Passe Único, mas também é preciso gerar a qualidade de serviço que os cidadãos merecem. Não basta o “passe” ser muito barato, também é preciso fazer transporte, para levar as pessoas a horas e em condições…”

Na realidade, a questão, atualmente, coloca-se no facto de que há mais passageiros, sem que verifique capacidade de resposta para esse crescimento.

“O número do aumento de passageiros é óbvio”.

Então, se já estavam à espera deste crescimento, por que razão não houve uma resposta imediata, reforçando os serviços?

“Às vezes pensa-se mais no ponto de vista mediático, do que nas medidas. Depois, quando assim é, há sempre o reverso da medalha e acaba tudo por ser contraproducente. É óbvio que é uma decisão estrutural deste governo e dos autarcas das grandes áreas metropolitanas, mas, estava na cara, que tinham de reforçar os serviços.

Qualquer cidadão sabe – e não é preciso tirar um curso específico para perceber – que se vamos pôr o serviço mais barato, isso vai ter, naturalmente, um reflexo na procura, portanto vamos ter que criar mais oferta, porque, caso contrário, as pessoas são mal servidas”.

E ainda em termos de transportes, vem ao de cima, o facto de se terem acabado no Porto – como em Gaia, Gondomar e Valongo – com os troleicarros, transportes cómodos, eficazes e amigos do ambiente…

“Isso foi uma medida triste…”

…não foi no seu mandato?

“Não! Foi muito anterior, no tempo do engenheiro Carlos Brito. No nosso mandato, e pode pôr isso como medalha – se bem que não precise de medalhas-, dos poucos elétricos que estão a circular a nós se devem.”

Estava a falar dos troleicarros…

“… sim, os tróleis já tinham saído da rede dos STCP antes de 1990; ou seja antes de Fernando Gomes e eu termos chegado à autarquia. Foi uma pena porque de facto era um serviço, como disse, cómodo, eficaz e amigo do ambiente. Mas, estamos sempre a tempo de os voltar a colocar em circulação”.

ERA IMPORTANTE VOLTAR A TER O ELÉTRICO NA AVENIDA DA BOAVISTA

E a Avenida da Boavista descaraterizou-se, ou não, com a falta de elétrico no seu corredor central? Era importante reaver esse transporte nessa importante zona da cidade?

“Sim. Podíamos ter um Metro Ligeiro, ou seja um sistema que tivesse outra capacidade de transporte e que garantisse mais capacidades de volumes e menor tempo de viagem. Mas podemos, concomitantemente, ter um elétrico à superfície em zonas menos povoadas. Portanto, era interessante voltar a ter o elétrico à superfície na Avenida da Boavista conectado com o Metro, na zona da Casa da Música. Fazia todo o sentido retomar esse projeto.

Nós temos uma rede de elétricos que ficou-se por uma rede de elétricos históricos. A minha ideia quando, de facto, lançamos o repto aos STCP – e a Câmara também se envolveu na instalação dessas linhas, que ainda existem -, não era só pôr veículos históricos a circular, era também ter veículos modernos sob esse suporte. E a ideia, por exemplo, era a linha da marginal ir até Matosinhos, à gare dos cruzeiros.

Lembra-se que havia linha de elétrico montada no viaduto do Parque da Cidade, que o doutor Rui Rio deitou fora sem perguntar nada a ninguém? Há inclusive ainda linhas no Castelo do Queijo e em Matosinhos, até à gare dos cruzeiros. Há linha! A linha está instalada, falta só pôr a catenária e fazer o resto.

Era extremamente interessante apanhar os turistas que saem em Matosinhos, e poder fazer toda essa viagem pela marginal até ao centro do Porto.

Isto para dizer que o elétrico à superfície continua a fazer sentido, e não pode ser só veículos históricos, a coisa, assim, acaba por morrer, porque com tanto trânsito que fazem não têm resistência. Podíamos comprar veículos elétricos para circular nesta rede, com um bom design, mas que pudessem fazer transporte”.

A CÂMARA ESTÁ A FAZER UM TRABALHO INTERESSANTE

O Porto está bem entregue?

“Acho que sim. A atual Câmara tem feito os possíveis por projetar a cidade. Acho que está a fazer um trabalho interessante, mas ainda há muita coisa para concretizar. Gostava de ver um pouco mais de dinamismo nas obras e nos grandes projetos.

Veja-se o Bolhão. O Bolhão era a obra inadiável no primeiro mandato do doutor Rui Moreira, mas ainda hoje não está concluída. Estamos a falar de seis anos… é a tal diferença,”

O Palácio de Cristal…

“…vamos ver! É um projeto que não sei muito bem nos termos em que acabou por ficar, porque a dado momento era para crescer muito, agora parece que já não é… que é só uma reabilitação da cúpula. Bem, só espero que vá ficar bastante bem…”

O MANDATO DE RUI MOREIRA TEM SIDO POSITIVO E MARCA UMA ENORME DIFERENÇA EM RELAÇÃO AOS TRÊS MANDATOS FRAQUÍSSIMOS DE RUI RIO

E Rui Moreira tem alternativa à altura, refiro-me ao líder do PS-Porto, Manuel Pizarro, que com Rui Moreira trabalhou no primeiro mandato?

“Como sabe, continuo socialista, mas não sou militante. O doutor Rui Moreira já fez história com a única vitória de um independente numa câmara municipal do nosso país, e o mandato dele tem sido positivo, sem dúvida.

Marcou, sobretudo, uma enorme diferença em relação aos três mandatos fraquíssimos do doutor Rui Rio. Há uma enorme evolução!

Ele anunciou que não será candidato na próxima eleição. Não sendo candidato, não sei qual será o futuro do seu próprio movimento, que é algo meia inorgânico. Não sei quem poderá suceder-lhe como candidato, mas nunca será a mesma coisa”.

NO MEU MANDATO VIVERAM-SE TEMPOS ALUCINANTES

E vai concorrer a essas eleições, ou seja, às próximas “Autárquicas”?

“Não, de maneira nenhuma!”

Como analisa a sua experiência como presidente da Câmara Municipal do Porto, substituindo Fernando Gomes, e depois não lhe terem dado a oportunidade para continuar o seu trabalho? Como é que foi?

“Foi um ciclo que se encerrou. Na altura não quis continuar…”

Turbulenta a parte final do seu mandato.

“Foi turbulenta mas isso já foi há muito tempo. Acho que a cidade perdeu muito, mas a cidade não viu com bons olhos o regresso do doutor Fernando Gomes…”

… e nessa altura não era para continuar a apostar em si?

“Não. Era preciso que eu quisesse continuar, e eu não quis. E posso dizer o por quê, ainda que seja uma coisa íntima: tinha um compromisso com a minha mulher e com a minha família. Estava definido que durante quatro anos estaria afastado da política… e eu sou um homem de palavra e cumpro!”

FOI UM REVOLUÇÃO TOTAL A CAPITAL EUROPEIA DA CULTURA

E o que marcou mais nesse tempo que esteve à frente da Câmara Municipal do Porto?

“Foram tempos alucinantes. A cidade nunca viveu um momento tão estimulante, porque, ao mesmo tempo que havia obras em todo o lado, fomos capazes de realizar um certame que ficou na memória de muitos e que muitos foram também os equipamentos que ficaram, que foi o «Porto 2001».

Com a Sociedade «Porto 2001» fizemos uma biblioteca municipal, como a de Almeida Garrett; a Cadeia da Relação como Museu Nacional da Fotografia; o Museu Soares dos Reis e o Carlos Alberto foram renovados; fizemos a Casa da Música… foi uma revolução brutal a Capital Europeia da Cultura.”

Criaram-se alicerces…

“Podemos dizer que todo este movimento de turismo, que agora temos, resultou do «Porto 2001», altura em que nós nos abrimos ao mundo; fizemos muitas infraestruturas. Foi também no tempo do primeiro-ministro António Guterres, que investimos no aeroporto; investimos no Metro, portanto são estruturas absolutamente cruciais. O aeroporto moderno, e o Metro a chegar ao aeroporto; um Metro com dignidade como poucas cidades têm! Conseguimos, inclusive, chegar ao fim de quarenta anos – começamos mais tarde que Lisboa -, primeiro ao aeroporto que Lisboa, sendo que o aeroporto de Lisboa é no centro da cidade e o do Porto é fora.

A AVENIDA NA CIRCUNVALAÇÃO É UMA OBRA ESTRUTURANTE QUE CONTINUA ADIADA

A Área Metropolitana do Porto é uma mais-valia?

“Claro que sim, o que é preciso é que trabalhem mais. Era muito importante haver um maior compromisso entre as cidades. Há uma coisa que é a de transformar a Circunvalação numa avenida… passaram-se vinte anos e nada aconteceu. Aquilo que de facto era a avenida que ia unir os vários municípios; uma avenida com muita dignidade e com passeios (que, hoje, ainda são inexistentes).

Podia-se começar por aí, que era, efetivamente, investir no eixo estruturante que liga os vários municípios do Grande Porto”.

O Estado terá entendido isso?

“Bem. Aqui também temos de fazer mea culpa, porque os autarcas é que têm de dar as mãos e trabalhar em conjunto. É sempre uma obra estruturante que continua adiada.”

SE O DINHEIRO DA EUROPA É DADO ÀS REGIÕES, DEVEM SER AS REGIÕES A GERI-LO

A Regionalização ainda é – e pelos vistos continuará a ser – um tema importante e que está sempre na ordem do dia?!

“Sempre! Porque se queremos modernizar o País e fazer diminuir as assimetrias só com a Regionalização é que conseguimos alcançar tais objetivos.

E veja-se a hipocrisia deste país perante a Europa, porque quando nós vamos buscar os fundos «somos regiões». Nós para sacar o dinheiro à Comunidade Europeia apresentámo-nos como Região Norte, Região Centro; Região Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Sul e Algarve, são essas as regiões.

Portanto, se o dinheiro é dado às regiões têm de ser as regiões a geri-lo, pelo que a Regionalização faz todo o sentido.

Essa é a forma de tornarmos o aparelho de Estado mais eficiente. No fundo, garantirmos que há subsidiaridade nas decisões de quem está mais perto da população. O autarca da freguesia decide melhor numa pequena obra junto dos fregueses do que o município…”

…é a proximidade…

“…é a proximidade, exatamente!

Na verdade, há espaços para haver regiões, e em todos os países europeus há regiões. E Portugal não é um país tão pequeno como se diz. Na média dos países da Europa a 28…”

… é o 11.º…

“… exatamente! Estamos acima da média., Estamos em 11.º em dimensão e todos os países têm regiões. Então, nós não podemos ter? Claro que podemos ter regiões e isso não vai dividir-nos.

Depois diz-se, que somos um povo único; que com esse processo poderia vir a verificar-se quezílias entre regiões… enfim! Não é por haver governos regionais que as coisas mudaram. O espírito português está muito arreigado em nós. As Regiões são fundamentais para aumentarem a eficiência e a salutar competitividade entre elas.”

SE QUEREMOS SER A CAPITAL DE UM TERRITÓRIO, TEMOS DE NOS PREOCUPAR COM O TERRITÓRIO

Por falar em Regiões. Estranhamente, deixou-se de falar – como há tempos se falava e era quase uma bandeira – do Porto como capital do noroeste peninsular, por que será?

“É outro tema que não se tem tratado. Não há ligações com a Galiza! Tinha que politicamente se estar a trabalhar constantemente com a Galiza. Nós, se queremos ser capital de um território, temos de nos preocupar com o território. Não basta dizer «nós somos a capital!», não! Se somos temos de estar juntos dos outros poderes galegos para, em conjunto, traçarmos políticas e lutarmos por aquilo que é importante para eles; isto, para eles lutarem porque aquilo que é importante para nós. Essa ligação não existe! Houve, para aí, umas quezílias por causa do aeroporto de Vigo, enfim, casos que levam a lado nenhum.

O Porto para se afirmar como capital do noroeste peninsular tem de trabalhar muito para isso.”

CANDIDATEI-ME PARA RESOLVER O MEU PROBLEMA INTERNO…

Há seis anos personalizou uma candidatura independente à Câmara Municipal do Porto, foi importante para si esse passo?

“Foi, sem dúvida, importante! Candidatei-me para resolver o meu problema interno, porque cruzava-me todos os dias com pessoas a perguntarem por que é que não concorria outra vez (?), e pronto, fiz a candidatura para resolver esse problema, e concorri.

Na verdade, tudo foi muito feito sobre o joelho; foi fora do tempo; também estava à espera de outra cobertura mediática – foi das eleições autárquicas com menos cobertura mediática que alguma vez vi – e, portanto, com poucos meios também não consegui.

Mas, foi importante para mim, até porque fiz coisas interessantes. Olhe: a minha sede cultural da campanha abriu o Batalha. Consegui abrir o Batalha! Consegui, nesse entretanto, tirar as pessoas sem-abrigo que lá continuam a dormir à porta, e animei o Batalha, tive lá muitos espetáculos…

O FILIPE LA FÉRIA NO RIVOLI FOI UMA COISA INADMISSÍVEL!

Em termos culturais e de apoio a iniciativas nesse âmbito, as coisas estão bem?

“Estão muito mais dinamizadas. Já não há o Filipe La Féria no Rivoli que era uma coisa inadmissível. É uma mente que não é do Porto. Até pode ter nascido no Porto, mas não é o espírito do Porto.

Desse ponto de vista, ou seja do ponto de vista cultural, penso que estamos realmente bem; o dinamismo está a crescer; todos os dias há mais grupos de teatro; há montes de bandas de jovens… achoo que por aí estamos bem.”

O ASSOCIATIVISMO ESTÁ BASTANTE DEPAUPERADO

Em termos de desporto, excetuando os dois “grandes” (Futebol Clube do Porto e Boavista Futebol Clube) tem havido uma evolução ou uma estagnação? Refiro-me, concretamente, ao associativismo, ao desporto popular…

“O associativismo está bastante depauperado, porque são muitas as carências; não há um apoio da Câmara próximo com os clubes e estes, assim, não têm grande forma de subsistir.

No nosso tempo fazíamos muito esse apoio, as coisas corriam bem, mas atualmente não sinto tanto isso. O papel do associativismo é estruturante na cidade, que é uma cidade brutal a esse nível, e é uma pena que se perda essa riqueza, porque é, no fundo, muito altruísta. A maior parte dos clubes vivem do esforço dos seus dirigentes e atletas… isto é fantástico.”

A CÂMARA TEM DE ESTAR PRÓXIMA DO INVESTIDOR E ISSO, ÀS VEZES, NÃO SE SENTE

O que é necessário para o Porto, num futuro próximo, para continuar esta evolução?

“O Porto precisa cada vez mais de economia. O dinamismo na parte do urbanismo é muito importante. Uma coisa é viver no centro da grande área metropolitana, que é o Porto, outra é viver nos restantes municípios. Mas, falando mesmo no Grande Porto, nós precisamos de reforçar a economia”.

Como fazer isso?

“O Porto tem uma grande Universidade, há, assim, que acarinhar os novos projetos, as startups… toda essa nova economia, mas também a velha economia. Nós temos todas as condições para sermos o grande motor económico do país. Estamos muito inebriados na questão do Turismo! De facto ele tem feito crescer muito a economia, mas há mais economia para além do turismo, nomeadamente, a industrial e outros tipos de serviços que era preciso ter.

E depois há outra coisa: o Porto está a ser escolhido por muitas empresas internacionais para cá se sediarem. E para albergar essa nova economia, é preciso criar condições. Temos de ter um organismo muito eficiente; muito rápido a decidir e, no fundo, uma Câmara sempre muito próxima do investidor, e isso, porventura, às vezes não se sente. A Câmara tem de ser um parceiro do investidor, que atraia, que cative, que ajude o investidor. Alguém para investir aqui às vezes espera muitos anos e isso é muito desagradável”.

Como independente ainda que socialista, acha que os partidos estão bem de saúde?

“Não! Os partidos estão todos muito mal de saúde. Estas últimas eleições europeias são exemplo de uma enorme doença.

Eu, porventura, se fosse líder de um partido não festejava uma vitória de uma eleição onde só votaram 30 por cento de portugueses! É muito triste!

Os cidadãos sentem que os partidos são um conjunto de pessoas; uma casta que não se abre. Escolhem-se os deputados sem haver diálogo, nem sequer com as bases; são as cúpulas que definem as listas… está tudo errado!

Aliás, subscrevi um movimento que procura sensibilizar os partidos a abrirem-se aos cidadãos e a fazerem primárias…

há um partido que as faz: o Livre!

“Sim, é. É o Livre. E fez o Partido Socialista em boa memória. O António José Seguro abriu o PS numa eleição de primárias para a liderança do partido, e o doutor António Costa foi eleito com a participação de simpatizantes e militantes do Partido Socialista.

Essa boa prática devia ter sido mantida no Partido Socialista. É um capital que está a ser desperdiçado, porque o PS, com António José Seguro, deu o mote e devia ter continuado por aí.

Portanto, todas as listas, seja para deputados europeus, seja para deputado da Nação, seja para as Autarquias, deviam ser abertas às bases e, nomeadamente, a simpatizantes. Se queremos envolver as pessoas na política é por aí. As pessoas têm que ter capacidade de estar logo na escolha dos candidatos a candidatos.

Repare: as primárias do Partido Socialista – que o doutor António José Seguro desenvolveu-, tiveram 170 mil votos. Já viu: 170 mil votos para escolher um líder partidário?! É brutal! É uma riqueza incrível! Como é que se deita um capital destes pelo cano abaixo?! Tem de haver democracia nos partidos… que não há!”…

E isso abre caminho a mais candidaturas independentes…

“… e, pior que isso, é que se abre caminho para, um dia, aparecer um populista que leve a população atrás. Eta é uma preocupação, e a qualquer momento pode ser uma realidade. Basta parecer alguém que tenha o reconhecimento público suficiente e tenha vontade de fazer isso.

Os partidos, ou se renovam rapidamente, ou acaba por haver qualquer coisa menos agradável”.

ESTOU A LANÇAR A PRIMEIRA «COHOUSING» EM PORTUGAL

Por quanto tempo vai ficar afastado da política partidária?

“Da partidária? Sempre! Mas, na política, devemos estar todos; todos devemos participar ativamente na cidadania, na vida da comunidade”.

E de que forma participa o Nuno Cardoso?

“Neste momento estou a lançar uma ideia que me está a motivar muito, e que se prende com a necessidade de termos soluções eficazes para os seniores ativos.

Eu, nós, fizemos a primeira associação portuguesa de habitação colaborativa (“cohousing”). Lançamos a primeira associação; estamos a trabalhar…”

É de âmbito nacional?

“É. Já fizemos um documento para a Assembleia da República de modo a que na Lei de Bases para a Habitação já possa aparecer o termo da «habitação colaborativa». Tivemos, recentemente, uma reunião com o ministro das Infraestruturas e da Habitação, que é uma pessoa que está muito aberta a esta ideia e deu-nos bastante apoio”.

E a recetividade tem sido boa?

“Sim. Brutal! A Habitação Colaborativa vai ter vários planos de execução. O genuíno é um grupo de amigos juntar-se, começar a pensar num projeto; depois, desenvolve-o; constrói-o e autogere-o.

Mas vamos necessitar ainda de fazer Habitação Colaborativa institucional, seja pelas câmaras, seja pelas misericórdias, seja por IPSS, porque precisamos tirar das casas as pessoas que vivem sozinhas.

Temos os seniores, cada vez mais, numa solidão enorme; pobres e sozinhos. Assim sendo, temos de os tirar dessas casas e criar estes equipamentos, que também não são lares. Não podemos ter lares para toda a gente, por um lar ou uma residência sénior é um equipamento muito caro, e esses equipamentos estão, agora, cada vez mais vocacionados para os cuidados continuados, as pessoas entram nessas residências já muito debilitadas e essas casas têm um ambiente pesado, por isso o facto de não gostarmos delas.

Portanto precisamos de um equipamento antes desse, no qual as pessoas são capazes de se organizar; são capazes de fazer refeições…”

Foto: NunoCardoso (05)

E como é esse projeto?

“Repare: tem vinte seniores ativos a viver cada um em sua casa, sozinho. Todos os dias eles têm de pensar na sua subsistência; todos os dias eles têm de cozinhar, de fazer limpezas, etc. Se os juntarmos acaba por haver economias brutais.

Eu fiz uma conferência internacional em fevereiro último, na FEUP, patrocinada pela Altice, e foi assim que a HAC ORA – é assim que se chama a associação – se deu a conhecer.

Entretanto, no nosso site damos o exemplo de uma arquiteta sueca dá a conhecer o projeto em que – no seu caso – cada um cozinha para todos. Ela cozinha de seis em seis semanas para toda a gente. Durante todo esse tempo que não cozinha, ela senta-se e é servida… tem comida e não tem de se preocupar com a comida. E mais, se só tem de cozinhar para amigos de seis em seis semanas, terá a possibilidade de inventar, surpreender…

Portanto, a Habitação Colaborativa tem enorme um potencial, não só para os seniores, mas também para os jovens. Por cá estamos a lançar esta ideia agora, mas em Espanha já está a ser muito forte”.

E por cá?

“No Porto vamos elaborar um protocolo com a Misericórdia, instituição que está muito interessada no projeto, e há algumas pessoas que começam a agrupar-se. Depois de se juntarem criam uma cooperativa de habitação, que é para terem uma entidade jurídica, depois começam a pensar no tereno e na sua escolha… este é um processo um bocadinho demorado, mas interessante porque é um processo colaborativo”.

Falou em jovens?

“Sim. A Habitação Colaborativa é também possível para os jovens. A nossa associação foi focada nos seniores, porque é um problema que a sociedade tem, mas os jovens que têm precaridade de emprego; salários baixos; eles na Habitação Colaborativa podem encontrar sustentabilidade e baixos custos. Este projeto é intergeracional!

A HAC HORA está a entusiasmar-me muito. Há projetos em muitas cidades. Recentemente estive em Viseu a falar com um grupo numeroso de jovens… este é um tema que vai começar agora a despontar”.

Então, e pelos vistos, não está parado?!

“Não, não estou. Parar é acabar!”

01jul19

 

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1 Comment

  1. Helena Brás

    Gostaria de receber o Eng Nuno Cardoso um dia, para sentir a zona oriental tal como a temos actualmente. Seria interessante poder observar a ausência de muitos básicos que nos travam na evolução tão ansiada por muitos. Fica o convite feito, o José Gonçalves conhece o trabalho que tenho realizado e seria importante para mim poder também conversar um pouquinho da zona oriental e acredite como privada tem sido uma luta com Golias

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