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2.º Ciclo do Ensino Básico órfão e abandonado à mercê de novas experiências de reorganização

José Lopes

A ideia de alargar o 1.º ciclo em regime de monodocência ao 5.º e 6.º do 2.º ciclo do Ensino Básico, em que o professor titular que pode ser coadjuvado por mais dois ou três em áreas específicas, dispensaria um professor por disciplina. Não sendo nova, é uma cíclica tentativa de reorganização dos ciclos de ensino em que persistem dúvidas e falta de consensos. Desde logo em alguns dos pressupostos para justificar o alongamento do 1.º ao 6.º ano, com a necessidade de aprofundamento das aprendizagens básicas, quando, o necessário e desejável debate continua muito longe das escolas e suas comunidades, como autênticos “laboratórios” das sucessivas politicas educativas e desta vivencia concreta do 2.º ciclo e sua evolução durante meio século, em que partilhou unidades escolares com o 3.º ciclo até voltar a ficar isolado e sem perspetivas, na sequencia do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, iniciado em 2008, que deram origem a agrupamentos de escolas, deixando o 2.º ciclo do ensino básico lentamente abandonado e órfão.

Ainda que tenha sido no governo de Salazar, que teve origem a necessidade da unificação do 2.º ciclo do Ensino Liceal e do Ciclo Preparatório do Ensino Técnico, tendo sido mesmo então considerado, que foi com algum atraso que esta inovação se verificou no Sistema Educativo Português, o que implicaria na época abandonar o princípio da ditadura, “Deus, Pátria, Família”, mesmo sem descurar novas formas de inculcação ideológica daquele regime. Veio a resultar em 1968 a publicação de estatutos e programa do Ciclo Preparatório, sendo ainda no regime sem liberdade nem democracia aprovada em 1973 a Lei de Bases do Sistema Educativo que no essencial se consolidou após o 25 de Abril com naturais momentos de rutura curricular que a construção de uma sociedade democrática exigia e exige, consubstanciada em 1986 na Lei de Bases do Sistema Educativo.

Mas, que razões objetivas podem justificar deixar o 2.º ciclo literalmente ao abandono, com acentuada descaraterização, que se intensificou logo após a fusão dos anteriores agrupamentos de escolas (verticais e horizontais), em mega agrupamentos centralizados nas escolas secundárias?

O resultado em vários casos, foi assimilar o 3.º ciclo e deixar órfão o 2.º ciclo, ficando numa espécie de insolvência à mercê de sucessivas tentativas para reorganização deste ciclo do ensino básico que não tem sido devidamente considerado pelos mais recentes ministros da Educação, como Nuno Crato de cuja gestão ficou excesso de burocracia, elitização do sistema educativo ou organização curricular sem sustentação pedagógica. Enquanto do atual Ministro da Educação, Tiago Rodrigues, em final de mandato, deixa legislação para a implementação da Educação Inclusiva e da Flexibilidade Curricular, como mais uns remendos à manta de retalhos que parecem ser as políticas educativas dos sucessivos governos.

Neste cenário de desgastante expectativa junto das comunidades escolares e seus profissionais, mais uma vez, e em finais da legislatura (fevereiro de 2019), o Parlamento ainda se limitou a deixar como recomendação ao Governo, a realização de um estudo com vista à viabilidade da reestruturação dos ciclos de ensino, para que o próximo Governo possa tomar decisões sobre um novo desenho do ensino obrigatório, que poderá vir a passar por alterar os atuais quatro ciclos de ensino e assim fazer a fusão entre 1.º e 2.º ciclo, mais por caprichos economicistas, do que com motivações capazes de transformar e valorizar a atual realidade do ensino básico e consequentemente o conceito de currículo do 2.º ciclo que será moeda de troca pela monodocência num previsível 1.º ciclo de seis anos.

O atual modelo curricular do 2.º ciclo não é imutável, como provam as várias alterações e adaptações às necessidades educativas exigidas na realização de uma sociedade democrática ao longo das últimas décadas, tal como não serão os restantes ciclo do ensino básico. Mas a aquisição de saber e de instrumentos de aprendizagem que sirvam de apetrechamento de base para a compreensão do mundo, para a inserção na vida prática e para estudos subsequentes, tal como para o desenvolvimento da autonomia e da sociabilidade, continuam com maior premência a exigir respostas verdadeiramente transformadoras e não meramente burocráticas ou experimentalistas, em que se continua a deixar à margem as comunidades escolares e educativas.

Perdida a oportunidade de uma legislatura com uma maioria politica, que ao contrário da vocação da direita, teve condições para em tempo útil, promover o debate necessário no seio da Escola Pública, que certamente contribuiria para se encontrarem possíveis caminhos sobre a reorganização dos ciclos nos ensinos básico e secundário. Exercício democrático na defesa e valorização da própria Escola Pública, que à esquerda se exige para além de reforços de investimento. Neste caso da evolução do 2.º ciclo e da reorganização dos restantes ciclos de ensino, mais do que ficar à espera da decisão do novo Governo, é urgente partilhar no seio das escolas, dos agrupamentos de escolas, seus órgãos de gestão e comunidades escolares e educativas, todas as dúvidas, experiencias e fundamentos, incluindo as politicas entretanto seguidas e promotoras do estado de abandono e desagregação a que chegou o 2.º ciclo, a que não é também estranha a fase de tentativa de municipalização. Criando assim condições de envolvimento e participação desde logo dos profissionais da educação como os professores, tão arredados pela tutela num tal desafio, que representará uma eventual reorganização dos ciclos de ensino, que resultem, não de mais uma imposição legislativa, mas de um amplo debate, quando um novo ano letivo tem inicio.

Foto: pesquisa Google

01out19

 

 

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