Reconhecida a popularidade das artes marciais e a atividade física que é proporcionada, em que se destaca fundamentalmente, segundo os especialistas, pelos efeitos positivos que podem exercer sobre a saúde física e mental, bem como bem-estar emocional e desenvolvimento pessoal especialmente de crianças e adolescentes praticantes.
José Lopes
(texto e entrevista)
É igualmente reconhecida a enorme variedade de estilos tradicionais ou contemporâneos, que podem estar ligadas a crenças em religiões ou filosofias, como o budismo, ou seguir algum código específico de honra não necessariamente relacionado à espiritualidade. Diferentes caminhos de influencias e referencias, que os atletas podem treinar e lutar por alcançarem a progressão de cinto, representando o grau e o nível de desenvolvimento na sua relação responsável e exigente com as artes marciais. Este foi o ponto de partida que procuramos junto de Carlos Silva, um atleta com base marcial do Karaté que se tornou reconhecido Mestre do conceito “híbrido” Contacto Total Mundial (CTM).
Em entrevista ao nosso jornal, Carlos Silva, natural de Ovar em que desde criança pratica artes marciais, fala-nos com entusiasmo e natural humildade sobre o seu exemplo concreto de como se pode e deve ser resiliente na procura de conhecimentos teóricos e práticos sobre os pilares fundamentais de várias artes marciais, que no seu caso o tornou numa espécie de embaixador do Contacto Total em Portugal.
Com uma assumida profunda relação com o mundo das artes marciais do Brasil no referido conceito do Contacto Total, Carlos Silva ainda recentemente foi reconhecido através de uma “Menção Honrosa” atribuída em São Paulo (14/09/2021), no âmbito da iniciativa “Grandes Mestres das Artes Marciais”, como “uma justa homenagem pelo incentivo e apoio ao desporto e às artes marciais.” Mas também “um agradecimento por sua contribuição para um mundo mais justo e fraterno.”
Carlos Silva viu ainda este ano o seu nome constar no livro de biografias e memórias “Grandes Mestres das Artes Marciais do Brasil”, uma obra que vem sendo editada anualmente no Brasil, propondo-se “mostrar o caminho de sucesso traçado por todos os mestres”. Estes são alguns dos temas que Carlos Silva nos abordou na entrevista que aqui se publica.
Com que idade começaste a prática das artes marciais?
Comecei em 1983 com 13 anos no karaté Shotokan na Associação Desportiva Ovarense (ADO).
A relação com a arte Contacto Total (CT) começou quando e porque tipo de influencia?
O Contato Total (CT) começou com influência de um aluno do lendário Rui de Mendonça, o Grande Mestre (GM) Ruy de Mendonça, ou como ficou conhecido, “Ruy San” que foi o criador de um conceito marcial, o Kung Do Te (KDT), e impulsionador do Ninjutsu em Portugal, que até á sua morte em 2005 continuou a partilhar e desenvolver em paralelo com o conceito “Ruy San Ryu”. Um pouco antes da sua morte, proibiu mesmo os seus atletas no mundo inteiro de usarem o método marcial KDT, ordenando a dedicarem-se ao desenvolvimento exclusivo do conceito “Ruy San Ryu”, arte de combate similar ao Kickboxing. Daí eu ter chegado ao CT com a mestria do GM Adriano Silva. Trata-se de um conceito “híbrido”, Artes Marciais Mistas, que é uma adaptação do KDT, uma nova realidade fora de Portugal. O GM Adriano Silva, leva então em 1976 o KDT para toda a América Latina. Eu seguia treinando Ninjutsu e a arte de “Ruy San Ryu”, de 1999 até 2003. Entretanto, com o abandono de um outro Mestre, Jaime Leirinha, e o fim do “Ruy San Ryu”, bem como do Ninjutsu em Ovar por abandono do ensino, tive de recorrer a outra escola de artes marciais. Para continuar, resolvi aí, procurar e juntar ao meu conhecimento de defesa pessoal, algo menos formal e tradicional.
Para tal procura de escola que caminho foi feito?
Como resultado do fim do Ninjutsu e “Ruy San Ryu” em Ovar, comecei a observar e a ler sobre o rumo dos alunos do Mestre Ruy San fora do país, e aí cheguei ao nome do GM Adriano Silva. Mestre de relevo e renome no Brasil para onde imigrou. Lendo a sua história entrei em contato com este para saber mais sobre a sua “metamorfose” do KDT em CT.
Depois de muita troca de informação, que vai de 2010 até 2013, assumi em 2014 aceitar o convite para ser representante do seu sistema e metodologia de ensino, de conceitos e visão marcial, porque havia retornado á prática do Ninjutsu, que tinha regressado à cidade de Ovar pelas mãos de um amigo (ninjas) de treino da primeira fornada da escola de Ninjútsu em Ovar. Desta feita, a linha de Ninjutsu não era a original que tinha-mos integrado, sendo outra linhagem marcial que durou só 3 anos. Por isso, saí de novo e aí sim, dediquei-me à Organização do Contacto Total Mundial (OCTM) e ao seu sistema.
Que características distinguem a arte CT de outras artes marciais?
As características que distinguem o CT de todas as outras artes é a adaptação técnica e base militar no seu sistema de combate, tal como reafirma o GM Adriano Silva, no sistema por si reconhecidamente desenvolvido como referência internacional.
Como se desenvolveu a tua formação no CT?
O CT é um conceito, e como tal, não tem uma forma específica, indo por isso buscar a parte efetiva de cada arte na sua forma. No meu caso, a forma base de referência marcial, vem do karaté, “Ruy San Ryu”, Taijutsu, e as Técnicas de Defesa e Combate Urbano (TDCU). Além de usar o meu conhecimento no sistema, tive formação de Kung-do e através dos meios escritos e tecnológicos atuais, venho aprendendo com o Conselho de Mestres do Contacto Total Mundial, a adaptação e a prática, estando em diálogo permanente com a “fonte” criadora do sistema “híbrido” que é o CT.
Quais os mestres portugueses que marcaram a tua carreira desportiva na modalidade?
Na modalidade tive várias referências. A mais relevante e atual é a do GM Adriano Silva. Já nas modalidades e nas artes marciais em Portugal, tive como referencia o Mestre Ruy de Mendonça no KDT, mas também o Mestre Carlos Coutinho (Karaté), Mestre Jorge Canelas (Taijutsu), Mestre Jaime Leirinha e Mestre José Coutinho na arte (Ruy San Ryu).
Que momentos competitivos mais destacas ao longo do teu percurso como atleta?
O campeonato nacional de Freestyle em 2003 na cidade de Vila Nova de Gaia no Pavilhão de Hóquei dos Carvalhos, onde me sagrei campeão nacional. Participei também na equipa de atletas para o torneio internacional de Pankration de 2004 em Mirandela, numa época em que praticava Full Contact. Integrei várias outras provas de menor relevo e classe amadora, mas sempre de forma entusiástica, empenhada e de dedicação às artes desenvolvidas e dos conhecimentos adquiridos e aprofundados. Tive meu mérito e relevo, com desempenho em provas desportivas nacionais. Lembro que sou um praticante de artes marciais e não de desporto de combate, porque sou adepto da filosofia marcial em geral e não de competição, porque as artes marciais na sua base, não tinham como finalidade a competição.
Como Mestre do CT (5.º Dan) que responsabilidades tens na sua promoção e desenvolvimento?
Acho que tenho a responsabilidade moral de promover os valores inerentes a este sistema, e ajudar os jovens e todos que recorrem à sua prática, a estarem preparados mentalmente, moralmente e fisicamente mais aptos para o dia adia, bem como no seu meio ambiente cotidiano. Sendo eu o representante e “embaixador” de tal metodologia para Portugal, com a função de difundir as técnicas, ajudando na disciplina e melhorando a sua eficiência. Encaro tal função com o melhor sentido de exigência e responsabilidade.
Qual é o estado atual de desenvolvimento e prática desportiva do CT nas artes marciais em Portugal?
Estou dando o meu melhor para que o sistema seja conhecido e se expanda neste meio, atualmente muito diversificado e competitivo, em que por exemplo no caso de Ovar, há mais de 7 mestres de várias disciplinas de artes marciais e desportos de combate em Portugal.
No caso do CT começámos por ser três representantes em Ovar, um mestre e dois instrutores/monitores, mas na atualidade só estou eu no ativo como divulgador deste sistema e treinador com cédula da Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), para além das certificações oficiais da própria organização internacional do CTM. Neste percurso, um deixou as artes, e um outo que exercia boxe como treinador em Ovar até 2020, acabou por abandonar na sequência da pandemia.
Mas como geres estas dificuldades para continuar a organizar e promover o CT?
Atualmente estou eu a trabalhar como um irmão de luta (brother fight) num departamento do Contato Total Mundial (CTM) ou seja, mais virado para os conceitos da defesa pessoal. Na componente desportiva estou a promover a criação de um núcleo de desenvolvimento de escolas do CT a Sul do país, nomeadamente na Moita (Setúbal), em que temos um atleta de 1.º Dan em fase de estudo e acolhimento, com a finalidade de vir a implantar uma escola CT, sendo para tal necessário superar um conjunto de provas, ficando durante 3 anos em análise e acompanhamento, sendo este trabalho uma das minha competência no CTM, cujo Conselho de Mestres analisará toda a informação dos atelas/candidatos propostos até à sua aprovação final. Sopradas estas provas receberá um alvará de funcionamento para poder lecionar na sua escola. Ficando obrigado a anualmente renovar a sua filiação e prestar provas. Estas são as nossas regras de funcionamento, responsabilidade e rigor, para o desenvolvimento do CT.
Que relações internacionais há entre os praticantes e mestres do CT?
A minha relação, com o Grande Mestre, é permanente, diária e intensa. Já a dos alunos é esporádica, e relativa ao tipo de avaliação e troca de faixa ou cinto representando o grau e o nível de desenvolvimento do atleta. Missão de graduar os meus alunos e todos os do país no CT, que eu estou responsável e autorizado a graduar até ao cinturão castanho dentro do sistema.
A formação e graduação à distância são mais facilitadoras para a progressão dos atletas e mestres?
Sim! Hoje mesmo à distância, com as novas tecnologias podemos ter a avaliação final do fundador da arte, neste caso do GM Adriano Silva, no Brasil. Já noutros tempos, os mestres obrigavam-se a uma presença anual no país de origem da sua arte para obter as respetivas graduações. Há uns anos esta tarefa era mais arcaica, morosa e dispendiosa. A troca de informação e partilhas entre os mestres e os criadores das artes praticadas, era fundamentalmente transmitida e adquirida através do visionamento de vídeos VHS. Hoje é muito mas fácil e de interação imediata, não precisando de ser presencial, mas sim, via online através do whatsapp e outras plataformas digitais. Mas também, hoje como ontem em tempos idos, se usam os livros, as cartilhas e compilação de normas, regras, técnicas e níveis, que se absorvem na leitura da “bíblia dorsal do sistema”.
Que evento deste sistema gostarias de poder realizar em Portugal?
O meu sonho seria um dia trazer o GM Adriano Silva a Portugal de onde é natural, do qual veio a sair para desenvolver esta arte na América Latina e com particular relevância no Brasil em que está radicado e dedicadamente empenhado na afirmação do CTM. Sonho que naturalmente tem custo financeiros elevados para os quais, espero um dia ter apoios para se concretizar. Assim como o inverso, que passará por poder levar um dia uma delegação portuguesa ao Brasil.
O reconhecimento do Mestre Carlos Silva no Brasil é o resultado da sua dedicação e promoção do CT em Portugal?
Pois isso não sei. Mas durante estes anos fui visitado por imissários do CTM do Brasil, aqui mesmo na cidade de Ovar em diferentes anos, e como aconteceu recentemente no campeonato do mundo do KDT que se realizou em Mirandela em 2019, em que tiveram também por missão, analisar a minha própria progressão no CT, bem como no trabalho sob minha responsabilidade no país. Assim de forma natural, foram-se criando laços de amizade e parceria com troca de conhecimentos.
Ainda na sequência da última visita dos avaliadores do CT a Portugal foi criado um grupo de mestre que formam o conselho de análise do CTM do qual eu faço parte como representante para a Europa, em que existem outros mestre europeus. Alem disso, sou administrador de um grupo onde “posto” meu trabalho e de todo o “contatista” (praticante do CTM), sendo ainda correspondente assíduo de uma revista do Brasil (www.chakurikibrasil.com) em que assino uma crónica sobre o CT e as artes marciais em geral. Uma relação em que estou empenhado com a “fonte” do CTM, que em conjunto com o trabalho que desenvolvo, está certamente nos critérios que me elegeram como um dos mestres eleitos para figurar no livro dos Grandes Mestres editado no Brasil (www.buenoeditora.com.br). Este livro tem como propósito reconhecer os feitos de cada um dos mestres que se destacam no mundo marcial. A sua publicação é algo único no mercado editorial de artes marciais no Brasil.
O fomento da prática do CT a teu cargo, tem como atual referencia o trabalho desenvolvido no Espaço Aberto em Ovar?
Sim…, sim…, a ideia surgiu no início da pandemia na expectativa de formar turmas. Aliás, sendo a base do meu trabalho, como representante para nosso pais e orientador de novas candidaturas no âmbito da promoção do sistema. Ovar continua a ser a minha prioridade no desenvolvimento do CT para fomentar e criar novas bases do sistema. A proposta, além de ser treinador, é trabalhar outros valores que estão inseridos nas artes deste sistema. Por isso assumo que Ovar é a base principal creditada pela Organização do CTM, apesar das atuais dificuldades em formar turmas. Mas como diz o Grande Mestre, “vamos em frente!”
Fotos: Grupo de “Discussão” de Artes Marciais, e Defesa Pessoal. Ovar/Facebook
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