Maximina Girão Ribeiro
Esta pequena e singela capela situa-se na rua do Heroísmo, na esquina com a rua da Formiga. Tem a fachada virada a Norte ostentando, por cima da porta, a data de 1810, embora essa data possa corresponder a uma reconstrução, já que se pensa que a capela possa ser mais antiga.

A fachada do edifício é revestida de azulejo azul, onde sobressaem dois painéis também em azulejos, talvez colocados na fachada posteriormente. Representam Nossa Senhora da Saúde e, do outo lado, o Cristo crucificado. Cada quadro ou painel está a ladear uma janela com gradeamento, que se situa bem acima da porta. A parte cimeira da capela, triangular, ostenta um relógio.

Ladeando a porta, numa parte baixa do edifício, salientam-se dois “óculos” em forma oval, com um gracioso trabalho em ferro forjado, permitindo a entrada de mais luz no interior do templo. A fachada completa-se, do lado direito, com um prolongamento do edifício que termina com a torre sineira.

Sabe-se que, em tempos anteriores à criação da actual freguesia do Bonfim, aí existia um marco que delimitava a freguesia de Santo Ildefonso da freguesia de Campanhã.
Segundo o jornal “O Comércio do Porto” de 15 de Outubro de 1869, somos informados que os administradores da capela e alguns moradores da rua do Heroísmo, solicitaram a cedência do cruzeiro do “Senhor da Piedade”, que estava num “Passo” * ou “Oratório” existente na Rua do Loureiro, sendo o requerimento deferido, pelo que a imagem acabou por ser transferida para o interior desta capela.
Diz-nos “O Jornal do Porto”, publicado em 8 de Julho 1891, que foi decidido fazer a festa ao Senhor da Piedade e à Senhora das Dores, imagens muito veneradas na Capela do Padrão, na Rua do Heroísmo. Para o efeito, foram colocados adornos diversos, desde o Prado do Repouso até ao palacete onde residia, à data, o Barão do Valado, na Rua do Freixo, muito perto da pequena capela.
O edifício desta capela foi sofrendo, ao longo dos anos, numerosas intervenções, destacando-se a de 1899 que é descrita no jornal “A Província”, de 12 de Julho do mesmo ano:
“Começaram já as obras para a construção da nova torre na capela do Padrão, na Rua do Heroísmo, melhoramento que, como os outros que há pouco foram concluídos, se deve à iniciativa do actual secretário da mesa da confraria, sr. Maximino Gomes da Fonseca, que tem sido incansável no granjeio de donativos para o engrandecimento daquele templo.”
Mais tarde, em 1903, com a finalidade de melhor aprimorar esta capela, o Barão do Valado, ofereceu uma imagem de Santa Luzia, em tamanho quase natural.
Em tempos idos, ir de S. Lázaro para Campanhã, fazia-se o trajecto pelo chamado Caminho do Padrão de Campanhã. O Senhor do Padrão de Campanhã situava-se nessa antiga estrada que começava na Praça da Batalha e que, depois, em São Lázaro se subdividia em duas: a que seguia para Valongo, a chamada “Estrada do Pão” que passava pelo Bonfim e São Roque da Lameira, enquanto a outra, tomava o caminho para o esteiro de Campanhã, conhecida por “Estrada de Campanhã”, ou por outros nomes, como Reimão, Heroísmo ou Freixo, continuando depois para Gondomar.
Na confluência da travessa da Formiga com a Rua do Heroísmo ficava um antigo cruzeiro seiscentista que o estudioso de toponímia, Andrêa da Cunha e Freitas explica na sua obra, ser conhecido por Padrão da Aldeia da Formiga, como é referida num assento de óbito de 1664 e também num assento paroquial de 1724, onde se alude a um pequeno aglomerado populacional. Diz-nos, também, que a cruz se erguia do lado norte da rua e era resguardada das intempéries por um modesto alpendre. O Padrão da Aldeia da Formiga está, desde1869, na capela de Nossa Senhora da Saúde, também conhecida por Capela do Senhor do Padrão, ou ainda, por Capela da Formiga.

Nas “Memórias Paroquiais” de 1798, a Aldeia da Formiga aparece referida como tendo 59 vizinhos (habitantes) e sendo um dos trinta lugares que se denominavam por “aldeias”, na freguesia de Santa Maria de Campanhã.
Um documento de 1820, referenciado na obra de Andrêa da Cunha e Freitas, regista que a capela devia ser ampliada, pois os moradores do Sítio do Senhor do Padrão, da freguesia de Campanhã, lembravam que “[…] por ser demasiado pequena, a maioria do povo ficava fora dela.”

Ao longo do tempo, a rua do Heroísmo foi tendo várias designações: com as lutas liberais, do Cerco do Porto e depois do dia do grande combate de 29 de Setembro de 1832, a artéria tomou o nome de Rua 29 de Setembro (entre o Freixo e a entrada do cemitério do Prado do Repouso). Mais tarde, passou a denominar-se Rua do Heroísmo, evocando a valentia dos liberais que, em número muito inferior, enfrentaram os absolutistas no combate aí travado, na data já referida.
Tudo indica que este templo que temos vindo a referir, poderá ter tido um papel importante, durante este combate, servindo para acolher feridos que tombaram no confronto.
Um pormenor curioso desta zona da Formiga é a existência da «Pedra da Audiência» que se situaria, em terreno público, no lugar da Formiga, vendido, em 1835, a Custódio Teixeira Pinto Basto por 6400 reis. Sendo “[…] a Pedra da Audiência mudada para o Pé da Igreja e posta em lugar que não estorvasse a passagem de pessoa alguma”.
A Pedra da Audiência, desde a Idade Média, era o ponto de reunião dos moradores de determinado sítio que, em conselho, tomavam decisões de interesse colectivo, como a manutenção de caminhos e pontes, ou a utilização das águas. Tratava-se de uma jurisdição civil. Quanto à administração da justiça no Couto de Campanhã, os moradores elegiam entre si, anualmente, um juiz, que entrava em funções após confirmação pelo Ouvidor.
Das decisões do juiz do couto, podia sempre a população apelar para o Ouvidor. À imagem de outras Pedras da Audiência que existiram noutros pontos do país, esta estrutura representava a autonomia do couto na administração da própria justiça. Os julgamentos/audiências costumavam ter uma determinada periocidade e eram dirigidas pelo Juiz, normalmente um ancião, eleito pela população do local, que segurava uma vara vermelha, símbolo da autoridade, sendo assistido por dois oficiais, um escrivão e um meirinho.
A Pedra da Audiência era um monumento arquitectónico civil, constituído por uma mesa de pedra e três bancos de granito. Embora a antiga ‘Pedra da Audiência’ do couto de Campanhã esteja registada documentalmente, hoje, desconhece-se o destino que levou.
Para terminar, lembro aqui uma passagem da obra “Uma Família Inglesa”, da autoria do escritor Júlio Dinis que descreve um passeio da personagem Manuel Quintino, pela margem direita do rio Douro e a passagem pela capela do Padrão (Nossa Senhora da Saúde), quando refere:
“Tinha chegado à capelinha do Padrão. Que angústias, meu Deus! Valei-me, Nossa Senhora! — murmurou ele. Encostou-se algum tempo às grades da porta, porque já não podia andar. Fez uma oração fervente […]”.
Espero ter suscitado o interesse dos leitores por esta capela e toda a zona envolvente.
*”Passo” – significa cada uma das fases da paixão de Cristo (via sacra).
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01set22