Ricardo Guerra
‘atarefadimediatismo’: atarefado + imediatismo
atarefado: muito ocupado numa tarefa; afadigado; azafamado
imediatismo: qualidade ou carácter do que é imediato; tendência para a simplificação
Era uma vez um rapaz cheio de coisas para fazer. Ao sair das aulas, direto para uma reunião importante, esse rapaz vai à caixa de email e depara-se com uma pergunta. ‘Uma Pergunta’ era o assunto daquele email. Pareceu-me estranho, curioso, então senti-me logo tentado a clicar. O que seria aquela mensagem inusitada?
Era uma pergunta do diretor deste jornal onde leem este texto. O senhor José pergunta-me se, embora já tenha passado o prazo para enviar a crónica deste mês, ainda pretendo enviar algo. Tocou-me esse gesto, o facto de se ter lembrado de mim, mas não lhe prometi nada. Porém, ao mesmo tempo, estava com este texto já a ‘carburar’ na minha cabeça. É que a minha vida é uma série e há sempre novos episódios a adicionar e aspetos novos para refletir!
Trabalho, trabalho, trabalho! Ando atafulhado em trabalho. Foi a justificação que dei para não ter escrito ainda nada e é a verdade. Para além dos deveres académicos, estão as línguas estrangeiras, está a ser secretário de um núcleo e coordenador de outro e está uma tentativa de vida social. É o meu último ano de licenciatura e nunca tive tanto trabalho, nem tanta responsabilidade nas mãos. E eu gosto! Acreditem que gosto! Numa das minhas últimas aulas refletimos sobre isso e eu cheguei a essa conclusão: eu preciso de trabalho para me sentir vivo, para ter motivação e energia. Porém, devia-me estes momentos de inspiração para parar. E abrandar. E escrever…
Sobre ‘parar’ e ‘abrandar’ nos dias de hoje: como fazê-lo? E como utilizar os tempos de pausa de forma enriquecedora? Muitas vezes não sei gerir isso. Num mundo em que as redes sociais são desenhadas ao pormenor para manter o ser humano preso ao ecrã, num ‘scroll’ sem sentido, a olhar para o vazio… É difícil libertarmo-nos de tudo isso. Por um lado, quando tenho tempo para parar, não tenho energia para atividades que estimulem demasiado o cérebro: quero algo que me dê um alívio imediato, que me dê aquele conforto temporário antes de voltar ao trabalho. Por outro lado, como deixar as redes sociais quando tudo o que importa se passa lá? Ok, não tudo… Mas muita coisa. E tudo é imediato, é urgente: se perdeste este ‘post’ ou está ‘story’, perdeste esta oportunidade porque te passou ao lado… E agora?
E agora? Continuamos assim. Vivemos num ‘atarefimediatismo’. Criticamos o desejo pelo imediato quando vivemos num mundo em que o que sobrevive é o imediato. Queremos que as pessoas façam reflexões profundas, vão mais além, mas o que ganha é o design mais chamativo, as acusações mais polémicas. Tem a ver com o nosso estilo de vida enquanto sociedade. E as redes sociais são só um exemplo. Fake news, notícias dadas de forma maliciosa, filtros… Tudo são engodos para o ser humano, mas até que ponto nos podemos por cair nestas esparrelas que nem patinhos, quando, bem, nos fazem de patinhos?
Não sei, não tenho soluções – e esta é a parte em que vocês, leitores guerreiros que chegaram até aqui, ficam desapontados comigo. Podia tentar encontrar algumas, mas isso implicaria demasiado tempo e dedicação. Implicaria quebrar o véu entre as palavras e as ações. E esse é outro aspeto deste ‘atarefimediatismo’ também. Todos sabemos falar, todos temos a retórica aguçada na ponta da língua, sabemos dizer as palavras certas… Até eu! Estou aqui a escrever este texto na minha viagem de autocarro até à faculdade, a mandar postas de pescada? Qual é a validade de tudo isto a longo prazo?
Não sei, e, em certo ponto, isso também me conforta. Eu também sou imediato, temporário, e as minhas palavras valem o que valem. O meu objetivo é que elas valham o mais que possam enquanto não se esgotam. E é por isso que, quando tenho tempo livre, entre o ‘atarefadimediatismo’ da minha vida, escrevo.
01nov22