Maximina Girão Ribeiro
O edifício que alberga a Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) foi, inicialmente, o Convento Franciscano de Santo António da Cidade, erigido no século XVIII, o último Convento a ser construído na cidade do Porto.

Referimos, seguidamente, alguns dados sobre os primórdios deste Convento até ser ocupado pela BPMP:
Os Frades Menores Reformados de São Francisco, ou Capuchos da Província da Conceição, ficaram mais conhecidos por Capuchinhos, nome que surgiu como alcunha dada pelo povo, pela forma especial do longo capuz, mas foi este o nome que acabou por se tornar oficial. São uma ordem religiosa da família franciscana, sendo o ramo mais recente, surgido em 1525, quando alguns Frades Menores italianos quiseram viver uma vida mais voltada para a oração e a pobreza, em maior proximidade com as intenções originais do fundador, São Francisco de Assis.
Os Franciscanos estabeleceram-se em Portugal, em 1217. Mas, “ […] a ordem franciscana, a dos Capuchinhos, só apareceu na Itália, em 1525 e foi aprovada, em 1528, pelo Papa Clemente VII.” (Azevedo, 2000: 275, C-I)
“A presença estável dos Capuchinhos em Portugal data de 1648, ano em que se fundou uma comunidade em Lisboa, com aprovação de D. João IV.” (Azevedo, 2000: 290, A-C). Tiveram o grande apoio da rainha consorte de Portugal, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, casada primeiro com D. Afonso VI e depois como esposa de D. Pedro II, irmão do precedente.
Era propósito destes frades edificarem um hospício sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, no Porto.
Sabe-se que, em 1749, se procedeu à construção de uma capela, por um particular, no Campo de S. Lázaro, por iniciativa de Dionísio Verney, homem de negócios do burgo. Foi esta capela que, mais tarde, foi adquirida pelos religiosos da Província da Conceição para estabelecimento de um Hospício Regular. Com a morte de Dionísio Verney, em 1755, o seu corpo ficou sepultado na sua capela, ao Campo de São Lázaro e, em 1776, Maria Angélica Teresa, vendeu a capela a António José Mendes Guimarães, bem como três moradas de casas, sitas no Campo de São Lázaro, que tinham pertencido a seu irmão.
A 30 Novembro 1780, a comunidade religiosa dos Franciscanos da Província da Conceição mudaram-se das casas que habitavam na Rua de Santa Catarina para o edifício de São Lázaro, registando-se em 26 de Maio 1781, o pedido de autorização à Câmara para ocupar parte do terreiro de S. Lázaro, a fim de dar continuidade à obra do hospício dos religiosos. O ano de 1783 marca a fundação do convento de Santo António, em São Lázaro, pelos religiosos Franciscanos da Província da Conceição.
Mas, em 1789, o edifício conventual estava ainda por concluir e, segundo o Padre Agostinho Rebelo da Costa, na sua obra “Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto” este convento poderia vir a ser um dos maiores da cidade. Nessa data existiria já o chafariz do claustro.

É em 1790 que o Hospício passou a Convento e Casa Capitular. Contudo, em Abril 1809, o edifício funcionou como hospital para as tropas francesas, que invadiram Portugal e atingiram a cidade do Porto (2ª invasão). Em 20 de Maio, do mesmo ano, o Convento foi destinado à instalação das tropas portuguesas.
O Convento foi abandonado pelos últimos religiosos, em Julho de 1831, no dia 9 de Julho, data da entrada do Exército Libertador e, posteriormente, foi ocupado pelas tropas inglesas que combatiam ao lado dos liberais, tendo estes furtado móveis, alfaias religiosas e livros.
Enquanto decorriam as lutas liberais e o cerco do Porto, por decreto de D. Pedro IV, em 1833, foi criada a Real Biblioteca do Porto (Biblioteca Pública Municipal), que esteve, inicialmente, alojada no Hospício de Santo António do Vale da Piedade, à Cordoaria e, depois, no Paço Episcopal. A decisão de fundar a Biblioteca ficou expressamente declarada e assinada nos paços reais do Porto.
Com esta medida governamental, o actual Museu Nacional Soares dos Reis começou a guardar as suas colecções, em algumas dependências do Convento, com acesso pelo claustro.
O ano 1834 marca a extinção das Ordens Religiosas Regulares Masculinas, em Portugal, lei promulgada pelo ministro Joaquim António de Aguiar, alcunhado de “Mata Frades” e, nessa altura, o Convento ainda não estava terminado.
Em 1836 procedeu-se à criação da Escola de Belas Artes do Porto, por iniciativa da reforma escolar, decretada por Passos Manuel e a instituição de ensino instalou-se no piso térreo do Convento, até à sua transferência para o actual edifício, onde funciona. Também o Museu Municipal ocupou aí algumas dependências.
A Real Biblioteca do Porto foi, provisoriamente, aberta ao público, em 30 de Julho 1839, por decreto de doação do Convento de Santo António da Cidade à Câmara Municipal do Porto.
Em 4 de Abril 1842, procedeu-se à instalação definitiva e abertura oficial da Real Biblioteca do Porto, no edifício anteriormente ocupado por este Convento, em São Lázaro;
De 1929 a 1932 procedeu-se à transferência de azulejos hispano-mouriscos do Convento de Santa Clara, em Vila do Conde, para a Biblioteca Pública, assim como de belos painéis de azulejos, provenientes de outros conventos extintos.

O edifício apresenta uma arquitectura religiosa de origem setecentista e conservam-se ainda algumas dependências conventuais, funcionando o claustro como elemento de ligação entre os vários corpos.

Deste grandioso edifício, descrevemos apenas a fachada principal que está virada a Oeste e se desenvolve em dois pisos, separados por um friso de granito, um andar tipo mezanino e aproveitamento do telhado.

Os telhados são de duas e quatro águas, com beiral saliente. As fachadas são rebocadas e pintadas de branco, com os elementos estruturais em cantaria e rematada por cornija, também de granito, sobreposta por friso e beiral saliente. No primeiro registo estão rasgadas dezasseis janelas de guilhotina, em arco abatido, com moldura de granito e, ao centro, o portal principal, também em arco abatido, é envolvido por moldura de granito, sobreposta por tabela recortada, que se entende até ao friso.
No segundo registo rasgam-se oito janelas de sacada, de verga recta, com portas de duas folhas e bandeira, moldura de granito sobreposta por friso e cornija, protegidas por guarda de ferro forjado. Sobre as janelas de sacada, abrem-se em igual número, pequenas janelas de duas folhas, formando quadricula, com moldura retangular simples. Sobre o telhado seguem-se sete janelas em mansarda, com cobertura de duas águas.
Ocupando o Norte do edifício conventual, existia a igreja que acabou por ser demolida.


O interior da BPMP é composto por diversas salas, algumas intercomunicantes, outras com acesso através de corredores de circulação e escadarias de granito entre pisos. (Descrição do edifício in net Monumentos, Sistema de Informação para o Património Arquitectónico)
A BPMP possui um relevante acervo patrimonial, quer em termos quantitativos, como em termos qualitativos, incluindo manuscritos e incunábulos (obras impressas antes do século XVI), assim como várias dezenas de milhares de espécies bibliográficas, destacando-se o fundo constituído por importantes códices de Santa Cruz de Coimbra que aqui estão guardados. São volumes antigos manuscritos em pergaminho, cujas folhas se unem como num livro.

Foi o historiador e escritor Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo que, como segundo bibliotecário da instituição, procedeu à incorporação na recentemente fundada Real Biblioteca Pública da Cidade do Porto, de parte considerável do património bibliográfico manuscrito e impresso do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Além destes manuscritos iluminados destacam-se também a “Bíblia do século XIII” e o Foral Manuelino do Porto.
Apesar de toda a modernidade informática dos nossos dias e da enorme capacidade de investigação que proporciona, a Biblioteca Pública Municipal do Porto, como qualquer outra biblioteca, permanecerão para as actuais e futuras gerações como instrumentos fundamentais de trabalho, investigação e criação intelectual, verdadeiros “monumentos” culturais, cumprindo as funções iniciais para que foram instituídas – divulgar a cultura.
Bibliografia consultada:
– Azevedo, Carlos Moreira (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal (2000), vol. C-I, Círculo de Leitores, Mem Martins.
– Azevedo, Carlos Moreira (dir.), Dicionário de História Religiosa de Portugal (2000), vol. A-C, Círculo de Leitores, Mem Martins.
– Dados arquitectónicos colhidos in net Monumentos, Sistema de Informação para o Património Arquitectónico – Convento de Santo António da Cidade / Edifício da Biblioteca Pública Municipal do Porto, Base de dados SIPA da Direcção-Geral do Património Cultural.
– Costa, Agostinho Rebelo (1945, 2ª ed.), Descrição Topográfica e Histórica da Cidade do Porto, Editora Livraria Progredior, Porto.
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do ‘Etc. e Tal jornal’, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01jan23