Ricardo Guerra
Infelizmente, o Natal acabou e 2023 começou oficialmente. Por isso, começo este texto por desejar aos meus leitores um feliz ano novo, com muita alegria e muitas conquistas. E com o começo do novo ano, todos (aparentemente) querem saber: quem foi o primeiro bebé do ano? A resposta deste ano foi, no mínimo, controversa: esta criança chama-se Aariz e os seus pais são paquistaneses.
Na minha opinião, este é um exemplo evidente de globalização: a globalização simplificou o processo de migração. Mas será isso sinónimo do fim da intolerância e da xenofobia? Claro que não. Uma ausência total de racismo seria, de qualquer forma, impossível. Contudo, no que diz respeito a esta questão, os portugueses tornaram-se muito melhores pessoas.
No entanto, as redes sociais são infelizmente um ‘espaço seguro’ para todos os tipos de discriminação. Os comentários no Instagram e no Facebook da publicação que relata esta notícia são autoexplicativos: “O primeiro bebé português do ano não é português… Após duas gerações, esta situação tornar-se-á irreversível” ou “A globalização já colonizou todos os países europeus (…) Acordem!”
Irónico, não é? De acordo com o que aprendemos sobre o colonialismo na escola, Portugal e outros países contribuíram, na era dos Descobrimentos, para o desenvolvimento dos países do terceiro mundo… Mas quando os paquistaneses emigram para Portugal ou quando os chineses, brasileiros e indianos obtêm a cidadania portuguesa, essa migração constitui um enorme problema, para o qual devemos acordar. Não é uma loucura?
É como se, de alguma maneira, nos tivéssemos coletivamente esquecido ou ignorado os benefícios da globalização… Faria sentido viver num mundo em que só se pode comprar e utilizar produtos nacionais? Seria lógico voltar a viver num mundo onde não se pode, de forma mais ou menos fácil, viajar para todo o lado? Essas limitações não iriam constituir um retrocesso civilizacional?
Além disso, a globalização é um requisito obrigatório do mundo pós-revolução industrial e permanentemente manchado por duas guerras mundiais. A globalização é essencial para o desenvolvimento económico em todas as partes do mundo, porque as exportações e importações de bens são uma parte importante da economia – especialmente para países do terceiro mundo. Considero, também, que a cooperação entre países é indispensável para a manutenção da paz, visto que a história já nos mostrou como o isolamento dos países pode ser prejudicial…
Quando se trata de guerra, a globalização é também um aspeto importante, já que representa uma arma de defesa. Se todos os países estivessem fechados sobre si próprios, estaríamos nós, que vivemos num cantinho à beira-mar plantado, informados sobre a guerra na Ucrânia? Será que se manteria a a vontade mundial de união e paz que reinam hoje em dia? Seria tão intenso o apoio bélico e humanitário fornecido à Ucrânia? Acredito plenamente que não.
Também o considero notável o seguinte: o poder da pressão social internacional não deve ser subestimado. Recentemente, algumas regras conservadoras no Irão foram abolidas devido à pressão internacional (talvez superficialmente – mas já é alguma coisa). O apoio global às manifestações feministas no Irão tem aumentado o poder das mulheres. O facto de o governo ter tentado mudar alguma coisa mostra isso muito claramente.
É claro que a globalização propicia alguns desafios e traz desvantagens. Uma “aldeia global” implica um mercado global e, portanto, muito mais competitivo, do qual só as empresas multinacionais beneficiam: as pequenas empresas não possuem as condições monetárias, financeiras e de mão de obra para acompanhar este desenvolvimento.
Além disso, as expectativas a nível da qualificação dos trabalhadores são também maiores: a formação deve ser mais completa e a capacidade de se expressar fluentemente em muitas línguas diferentes é um fator decisivo nas candidaturas a postos de trabalho. Mas o que pode fazer quem não tem dinheiro ou tempo para desenvolver estas “competências transversais”?
É também verdade que os habitantes de países do terceiro mundo são explorados por estas empresas multinacionais. Os danos ambientais da globalização são também um problema inevitável: o ambiente está a ficar irreversivelmente danificado devido à super-produção que caracteriza a economia de hoje. E embora a globalização promova a paz, também pode ser a razão por detrás das crises internacionais. Ainda assim, tenho de perguntar: a solução para todos estes problemas é necessariamente “o fim da globalização” (o que seria isso afinal? Como aconteceria?)? Não podem ser encontradas outras soluções para resolver estes problemas?
Na minha opinião, um mundo sem globalização seria um mundo doente e retrógrado. Nós temos a oportunidade de tornar o mundo um lugar melhor para as gerações futuras. E o bebé Aazir tem o direito de nascer algures no mundo, mesmo que nem todos os portugueses estejam de acordo.
foto: pesquisa web
01fev23