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Quando ainda há jornalistas que, em carta aberta, avisam que “sem Jornalismo, a Democracia morre na solidão!”

José Gonçalves

 

É uma palavra cada vez mais cara esta a da ‘liberdade’. E o preço torna-se mais elevado, quando, 49 anos depois do 25 de abril, surgem verdadeiros atentados à democracia, referindo-me, em concreto, à comunicação social, que deveria ser o garante da ‘liberdade’… de expressão, da Democracia.

E os tais atentados contra jornalistas e ‘parajornalistas’ estão aí, através dos grandes grupos económicos que dominam, a seu bel-prazer, a comunicação social, e, numa questão mais regional, determinadas autarquias (câmaras municipais e até juntas de freguesia), e, nelas, também ‘conhecidos’ caciqueiros .

Acresce, aos factos anteriormente referidos, as más, ou péssimas, condições de trabalho nas redações, acrescentando ainda o repugnante facto, dos jornalistas serem ‘constantemente’ aliciados com propostas para a rescisão de contratos, e outras ‘cenas’ de humilhação que poucos têm coragem de divulgar. Se existe, porque o há, jornalixo, ele não é por culpa dos jornalistas.

Neste 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, deixo-vos um ‘mais que triste’ – revoltante! –, mas corajosa e exemplar ‘carta aberta’ a comprovar tudo o que atrás se escreveu:

 

CARTA ABERTA DA REDAÇÃO DO ‘DIÁRIO DE NOTÍCIAS’

 

“Dirigimo-nos a todos os que em Portugal percebem a necessidade de pluralismo na comunicação social para que o princípio democrático se mantenha forte.

É a estes que a redação do DN vem apelar para que connosco se mobilizem na defesa de uma inversão no rumo de degradação do DN enquanto jornal de referência.

Esta carta aberta surge por constatarmos ter sido, até agora, impossível o diálogo com a comissão executiva do Global Media Group no sentido de encontrar uma forma de reforçar este jornal, garantindo que o seu jornalismo não perde qualidade. Três despedimentos coletivos nos últimos 14 anos (2009, 2014 e 2020) e rescisões ditas ‘amigáveis’, como as que foram tentadas no último mês, têm vindo a esvaziar o DN dos seus quadros mais qualificados.

Atualmente, a redação está nos mínimos de sobrevivência, longe de poder medir os seus recursos com os concorrentes diretos e continuar a honrar a sua história de 158 anos.

Entre todos os produtos generalistas do Global Media Group – DN, JN e TSF -, este é o que tem sido mais duramente sangrado: dos 17 jornalistas incluídos no último despedimento coletivo na empresa, oito eram do DN.

Sem jamais esclarecer qual o seu projeto para o jornal, a administração do grupo parece considerar que ganha com “saídas amigáveis” e com precariedade laboral. Mas o que, num mero exercício contabilístico, poupa em massa salarial, é o que o DN perde em memória e experiência, ou seja, em qualidade – logo, em viabilidade.

Por decisões de gestão, que contrariam até o discurso público do acionista principal – que invariavelmente garante querer “jornalismo de excelência” – o DN está a ser morto por dentro. Duvidando nós que o atual CEO deseje ficar para a história como “o empresário que fechou o ‘Diário de Notícias’, resta-nos a perplexidade: por quê?

De entre vários exemplos que atestariam a falta de recursos ou visão estratégica com que o DN é gerido hoje, atente-se no seguinte:

Um jornal que teve entre os seus colaboradores Eça de Queirós e Ramalho Ortigão, que viu Cesário Verde estrear nas suas páginas a publicação da sua poesia, que integrou na sua direção a escritora Helena Marques e o futuro Nobel da Literatura José Saramago, que teve como colaboradores João Gaspar Simões, Herberto Helder, Luís Pacheco, Maria Teresa Horta e Maria Alberta Menéres, Vasco Pulido

Valente ou Mário de Carvalho, que acolheu a produção artística de Stuart Carvalhais, que lançou nas suas páginas, através do DN Jovem, toda uma nova geração de intelectuais, hoje, plenamente consolidados no panorama cultural nacional, um jornal que teve enviados aos mais importantes acontecimentos da História ao longo dos seus anos de vida, de Guerras a Jogos Olímpicos, do canal do Suez às Portas de Brandemburgo, de Bagdad aos escombros das Torres Gémeas, encontra-se hoje numa inacreditavelmente degradante situação de falta de meios humanos e tecnológicos em todas as áreas de produção do jornal.

O DN não vê, há sucessivas administrações, e ao contrário do que souberam fazer os seus principais concorrentes, qualquer investimento ou sinal de revitalização. Mesmo a recente valorização do Arquivo do Diário de Notícias como Tesouro Nacional aconteceu malgrado sucessivas tentativas internas de o descaracterizarem e de o integrarem num arquivo geral do grupo, sem atender ao seu ADN próprio.

Sabemos bem que a massificação da internet criou problemas globais de sobrevivência dos ‘media’; não ignoramos os problemas nacionais de pobreza e iliteracia. Mas a este contexto somam-se causas próprias de incompetência na gestão empresarial do jornal, como o foram os recentes avanços e recuos na decisão de abandonar a edição diária impressa por uma semanal, de forma totalmente imprudente e que apenas serviu para sustentar mais um processo de esvaziamento da redação.

Sem jornalismo, a democracia morre na escuridão – este é desde 2017 o lema do Washington Post.

Acreditamos nisso. Acreditamos na missão do jornalismo e na sua importância fundamental na vida democrática e na defesa dos direitos humanos.

Acreditamos num jornalismo que faz diferença. Com rigor, acutilância, assertividade, coração e ganas. Somos jornalistas, não “produtores de conteúdos”.

Queremos continuar jornalistas.

Morrendo o DN como jornal de referência, o panorama do jornalismo de imprensa ficará substancialmente reduzido. Ficará um pouco mais escuro; a democracia ficará a perder. Num momento em que o ideal democrático parece por vezes perder fulgor, queremos crer que a sociedade portuguesa não ficará indiferente ao nosso apelo”.

Quarente e nove anos depois do 25 de Abril está, assim, o nosso jornalismo. E este é só um dos muitos tristes e revoltantes casos que afetam a comunicação social – e não só a Imprensa – em Portugal.

Isto não dá que pensar, é que já não há tempo para pensar… só há mesmo tempo para agir, agora, falta saber como?!

 

01mai23

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