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Adolfo Casais Monteiro: O professor, o crítico e o lutador…

Nascido no Porto a 4 de Julho de 1908, Adolfo Casais Monteiro licenciou-se em Histórico-Filosóficas na primeira Faculdade de Letras do Porto, e exerceu, depois, o ensino liceal na mesma cidade, atividade de que foi demitido por motivos políticos. Pertenceu ao grupo da “Presença“, já depois da sua fundação, vindo a ser um dos três diretores (1931), com José Régio João Gaspar Simões. À dissolução da revista, em 1940, não foi alheia a dissidência do autor. Em 1954 estabeleceu-se no Brasil, exercendo a docência universitária de literatura portuguesa nas universidades do Rio de Janeiro e de S. Paulo, dedicando-se, desde então, de modo mais intenso, à atividade ensaística e à colaboração crítica em vários jornais brasileiros.

Em relação à sua poesia, bafejada de grandeza, de ritmo livre e livre inspiração, é de referir que o autor não adere nem ao Sobrerrealismo nem ao Concretismo, nem à coisificação da palavra poética, revelando um certa agonia de quem na terra se firma, e a outro além renuncia, atitude em que se conjugam temáticas de Fernando Pessoa, de Nietzsche, Walt Whitman, e do esteticismo de Gide, tudo fundindo numa afirmação humana de amarga desesperança.

As suas obras principais foram: Poesia – “Poemas do Tempo Incerto” (1934), “Sempre e Sem Fim” (1937), “Canto da Nossa Agonia” (1942), “Noite Aberta aos quatro ventos” (1943), “Versos” (1944), “Simples Canção da Terra ” (1949), “O Estrangeiro Definitivo” (1945), “Voo Sem Pássaro Dentro” (1954); Romance – “Adolescente” (1945); Ensaio – “Considerações Pessoais” (1933), “Sobre o Romance Contemporâneo” (1940), “De pés fincados na terra” (1940), “O Romance e os seus problemas” (1950), “Fernando Pessoa, o Insincero Verídico” (1954), “Estudos sobre a Poesia de Fernendo Pessoa” (1958), “A Moderna Poesia Brasileira” (1956), “O Romance (Teoria e Crítica) ” (1964); Traduções – de Troyat, Unamuno, Tolstoi, Sartre, Balzac, Diderot, Carrel.

Adolfo Casais Monteiro faleceu, em S. Paulo (Brasil), em 1972.

I –EU FALO DAS CASAS E DOS HOMENS

Eu falo das casas e dos homens,
dos vivos e dos mortos:
do que passa e não volta nunca mais…
Não me venham dizer que estava materialmente
previsto,
ah, não me venham com teorias!
Eu vejo a desolação e a fome,
as angústias sem nome,
os pavores marcados para sempre nas faces trágicas
das vítimas.

E sei que vejo, sei que imagino apenas uma ínfima,
uma insignificante parcela da tragédia.
Eu, se visse, não acreditava.
Se visse, dava em louco ou em profeta,
dava em chefe de bandidos, em salteador de estrada,
– mas não acreditava!

Olho os homens, as casas e os bichos.
Olho num pasmo sem limites,
e fico sem palavras,
na dor de serem homens que fizeram tudo isto:
esta pasta ensanguentada a que reduziram a terra inteira,
esta lama de sangue e alma,
de coisa a ser,
e pergunto numa angústia se ainda haverá alguma esperança,
se o ódio sequer servirá para alguma coisa…

Deixai-me chorar – e chorai!
As lágrimas lavarão ao menos a vergonha de estarmos vivos,
de termos sancionado com o nosso silêncio o crime feito instituição,
e enquanto chorarmos talvez julguemos nosso o drama,
por momentos será nosso um pouco do sofrimento alheio,
por um segundo seremos os mortos e os torturados,
os aleijados para toda a vida, os loucos e os encarcerados,
seremos a terra podre de tanto cadáver,
seremos o sangue das árvores,
o ventre doloroso das casas saqueadas,
sim, por um momento seremos a dor de tudo isto. . .

Eu não sei porque me caem as lágrimas,
porque tremo e que arrepio corre dentro de mim,
eu que não tenho parentes nem amigos na guerra,
eu que sou estrangeiro diante de tudo isto,
eu que estou na minha casa sossegada,
eu que não tenho guerra à porta,
– eu porque tremo e soluço?
Quem chora em mim, dizei – quem chora em nós?

Tudo aqui vai como um rio farto de conhecer os seus meandros:
as ruas são ruas com gente e automóveis,
não há sereias a gritar pavores irreprimíveis,
e a miséria é a mesma miséria que já havia…
E se tudo é igual aos dias antigos,
apesar da Europa à nossa volta, exangüe e mártir,
eu pergunto se não estaremos a sonhar que somos gente,
sem irmãos nem consciência, aqui enterrados vivos,
sem nada senão lágrimas que vêm tarde, e uma noite à volta,
uma noite em que nunca chega o alvor da madrugada…

II – VEM VENTO, VARRE

Vem Vento, Varre
Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
noturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só covardia.
Que fique apenas
ereto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.
Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.

Vem vento, varre!

III – PERMANÊNCIA

Não peçam aos poetas um caminho.

O poeta não sabe nada de geografia celestial.

Anda aos encontrões da realidade

sem acertar o tempo com o espaço.
Os relógios e as fronteiras não tem
tradução na sua língua. Falta-lhe
o amor da convenção em que nas outras
as palavras fingem de certezas.

O poeta lê apenas os sinais
da terra. Seus passos cobrem
apenas distâncias de amor e
de presença. Sabe
apenas inúteis palavras de consolo
e mágoa pelo inútil. Conhece
apenas do tempo o já perdido; do amor
a câmara escura sem revelações; do espaço
o silêncio de um voo pairando
em toda a parte.

Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
– morto redivivo.
Tudo é simples para quem
adia sempre o momento
de olhar de frente a ameaça
de quanto não tem resposta.

Tudo é nada para quem
descreu de si e do mundo
e de olhos cegos vai dizendo:
Não há o que não entendo.

 

Coordenação: Maria de Lourdes dos Anjos

Fotos: Pesquisa Google

 

01mar14

 

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