António D. Lima / Tribuna Livre
Já lá vai um tempinho que ando a analisar comportamentos de supostamente poetas e dizedores de poesia. Também já faz um tempinho que analiso quais os locais onde há maior participação de poetas. Embora não frequente muitos lugares a onde se diz poesia, vou sabendo por amigos poetas, (verdadeiros) quais as tertúlias que são das mais participadas.
Galeria Vieira Portuense, Casa Barbot, Guarany, Mafamude, Gondomar, Casa da Cultura de Paranhos, “Clube d’Avós e Poetas”… Para além destas há outras mais, mas, para o efeito desta crónica, chegam para o reforço do exemplo que a seguir quero dar.
A minha primeira vez que disse poesia foi na Flor de S. Mamede de Infesta. Pela primeira vez fui dizer um poema da minha autoria por pressão do meu amigo Mário Anselmo e, também, por influência de uma professora que tive e que, me incentivou para este mundo poético aquando e, já depois de me ter reformado, ter ido fazer o 12º ano nas Novas Oportunidades. O seu nome (tenho a certeza que ela não se importa que o diga), é Paula Costa, e, estará sempre gravado num diamante em forma de coração.
Dizia ela então: – Vá António, vá, não desperdice o seu jeito.
– Então e, pela insistência do Mário Anselmo, fui ter com ele à associação Flor de S. Mamede de Infesta, numa sexta-feira, a poesia aqui, na Flor de S. Mamede, é sempre na terceira sexta-feira de cada mês. Aqui, encontrei um ambiente que me cativou. Todos os presentes disseram poesia de forma simples e fantástica. Hoje, reconheço nessas pessoas que disseram poesia de forma simples e fantástica, valores poéticos, despidos de vedetismo.
Tremi, antes, durante e depois. Foi difícil para mim enfrentar todas aquelas pessoas. Quando acabei de dizer o poema, acho que até perdi o jeito de andar, tremia e cambaleava. Nessa sessão de poesia conheci a (Drª) poetisa Maria de Lourdes dos Anjos, que no final da sessão dirigiu-se-me e perguntou:
– Desculpe, mas é a primeira vez que aqui vem e dizer poesia, não é? – Respondi afirmativamente. Voltou a inquerir-me:
– Está nervoso, não está? – Voltei a responder afirmativamente.
– Deixe lá! Isso passa com o tempo. Vá amanhã à Galeria Vieira Portuense, lá também se diz poesia… vai ver que também é agradável.
– Não prometi que ia, mas disse: -Talvez vá! Não era minha intenção entrar em negação com uma senhora (poeta, mas que poeta, valha-me Deus!) tão simpática e que sem me conhecer, deu-me um enorme apoio. Claro que não fui, tinha acabado de sair de uma alhada e ia-me lá meter em outra alhada?! Nem pensar!
No mês seguinte, na terceira sexta-feira, lá estava de novo na Flor de S. Mamede. Mal entrei no salão arrependi-me no imediato. Uppsss tanta gente? Deu-me vontade de dar meia volta, descer as mesmas escadas por onde tinha subido.
O meu amigo Anselmo apercebendo-se da minha real intenção agarrou-me e disse: – É pá não faças isso! Vais ver que na próxima já estás habituado. Sentei-me, olhei para todos os lados, vi a (Drª) poetisa Maria de Lourdes dos Anjos com aquele sorriso com que falou para mim pela primeira vez e, tal como a primeira vez, estar de frente para todas aquelas pessoas a dizer o poema que tinha feito tremia como uma qualquer cana de um qualquer canavial, tremia como se estivesse a ser fustigado por um ciclone, tipo Stephanie.
Exatamente como anteriormente já tinha feito, a (Drª) Maria de Lourdes dos Anjos, acercou-se de mim com o seu sorriso (Oh! Como hoje já conheço tão bem este sorriso. Até já sou conivente com ele!) e em jeito de brincadeira (com o tal sorriso critico) perguntou, então como é? Amanhã vai ou não vai à Galeria?
Não tive coragem de lhe dizer nim. Confirmei a minha presença. Ainda estou por saber a onde busquei tanta coragem. Hoje, já passado tanto tempo, ainda me interrogo. Não estou arrependido.
No dia seguinte, sábado, lá fui até à Galeria Vieira Portuense. O espaço estava literalmente cheio, encostei-me na entrada pelo lado de dentro claro a recuperar dos meus batimentos cardíacos que estavam um pouco acelerados pela caminhada e pelo receio de ali estar.
Estava eu a hiperventilar e concentrado em toda aquela gente, não me apercebendo que me chamavam. Era uma menina muito simpática e muito bonita, hoje sei que se chama Daniela, funcionária da Galeria, perguntou-me:
– Vem dizer poesia? – Não, venho só ver, respondi.
De um canto, também na entrada, ouvi uma voz a dizer à Daniela:
– Não, não, Daniela, aponta aí o nome do senhor porque ele vai dizer poesia. Fiquei confuso e balbucionei um… não trouxe nada para ler; resposta imediata – Ó meu amigo, tem aqui uma biblioteca, é só escolher. Ao dizer isto abriu uma pasta que tinha com ela, dentro, tinha não sei quantos livros de poemas – escolha um.
A medo peguei no primeiro livro de poemas que me veio à mão, já não me lembro qual foi.
A partir desta minha primeira vez, nunca mais faltei a um sábado de poesia na Galeria Vieira Portuense.
O ambiente é fantástico, os poetas são recebidos pelo Dr. Agostinho e pela sua Exma. Esposa como se fossemos uns príncipes. Servem-nos vinho do Porto, uns bolinhos, uns pedacinhos de bola, umas fatias de pão com um delicioso queijo. Todas estas guloseimas são feitas pela esposa do Dr. Agostinho e gratuitamente.
Além dos mimos com que nos recebe, também nos cede o espaço igualmente gratuito. Tira montanhas de fotos aos poetas a dizerem os poemas, seus ou de um outro autor, publica-as no facebook juntamente com os poemas lidos.
O Dr. Agostinho é um verdadeiro SENHOR (escrito com letra grande porque, quanto a mim, é assim que deve ser tratado) no amor que tem à cultura. Tanto à da pintura como à da escrita, razão suficiente para que seja, no mínimo, respeitado, o que julgo não acontecer.
Muitos, ou alguns dos que possam ler estas letras têm o direito de perguntar: – Mas quem é este aprendiz de feiticeiro que aqui vem dar uma de escritor e critico? – Eu explico.
No início de cada sessão de poesia, o Dr Agostinho faz uma breve intervenção sempre alusiva a eventos culturais, dando como é obvio, mais substância introdutória à pintura, razão da existência da Galeria Vieira Portuense. Fala da exposição, o que ela representa, os materiais usados na execução das obras, quem é o autor, etc., etc.
Dá as boas vindas aos poetas para mais uma sessão de poesia. Diz quais são as regras: – “Cada poeta diz 2 poemas se forem pequenos, se forem grandes só dizem um”.
Muitos dos presentes, quer sejam poetas ou não, estão mais interessados no seu ego, na sua visibilidade do que em ouvir o que o nosso anfitrião está a dizer.
Então e como não ouvem o apelo do Dr. Agostinho, muitos dos poetas começam a sua intervenção (mais elas do que eles) mais ou menos assim:
– Vou dizer um poema da minha autoria que está editado no meu quarto (terceiro ou quinto, não importa) livro de poemas na página… (cento e cem; também não importa). Bamboleando-se como se estivessem numa dança de ventre ou mesmo de zumba, tão em moda. Bora lá a dizer umas quantas palavras de amores perdidos e não encontrados. Sempre é mais fixe e mais fácil do que poetizar sobre os problemas que enfrentamos neste nosso dia-a-dia, na fome, nos sem-abrigo, na humanidade e sua destruição, etc., etc., enfim…presunção e água benta, cada um toma a que quer.
Logo de seguida, enfiam outro poema com as mesmas características do anterior, a página é outra mas a ladainha é a mesma, tão extensa como a anterior. Quando são mais “eles do que elas”, na verdade não fazem referência a qualquer livro de poemas que seja seu, mas continuam a ser lidos poemas seus que são um tudo nada semelhantes aos 4 cantos dos Lusíadas. Sem terra à vista. Isto vem acontecendo cada vez com mais frequência. Claro que todos tem o direito de dizer um ou dois poemas seus ou de outros autores, mas com os Diabos cumpra-se as regras impostas pelo dono da casa.
Na última sessão de poesia vi o Dr. Agostinho com cara de poucos amigos, talvez pela hora tardia que a – tertúlia? – acabou ou outra coisa que posso pensar, mas não dizer. Reparei, (por isso é que digo) isso sim, que o semblante não era de quem está muito contente.
Na despedida e ao cumprimentar o Dr. Agostinho e tentar apaziguar um pouco do que lhe ia na alma, perguntei:
– Acabou muito tarde não acabou?
– A censura já acabou, agora não há lápis azul, as pessoas escolhem aquilo que querem!?- Respondeu.
Esta resposta deixou-me a pensar por esta razão deixo aqui um alerta à navegação.
-Prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, cuidem-se.
Se assim não for, qualquer dia os frequentadores da Galeria tem que procurar outro poiso.
O MEU NOME
-Desculpe, como devo tratá-la!?
-Agradeço que me trate bem
– Pois, eu sei mas…
Devo tratá-la por doutora?
é que muitas pessoas fazem questão…
exigem mesmo tal tratamento…
e não queremos causar nenhum aborrecimento!
-Percebo a sua preocupação mas…
isso não consta no meu registo de nascimento
-Trato-a então apenas pelo seu nome
sem nada acrescentar?!…
-Exatamente…é assim que me deve tratar
Apenas pelo meu nome de batismo
Naturalmente, sem qualquer snobismo
O nome que é meu e tem a minha idade
Mais outro que me deu a minha raiz
Eu sou essa … sou essa pessoa
e com esse nome irei até ao fim
acompanhando as cinzas que restarem de mim.
Tanta, tanta balofa vaidade
tanta merdice para engalanar
quem nada mais que um título
conseguiu a sua vida acrescentar…
Lourdes dos Anjos
Fotos: António D. Lima
01-mar-14
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