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FURADOURO (Ovar): MAIS PEDRA como emergência para TRAVAR O MAR

A paisagem perturbadora que domina todo o litoral no concelho de Ovar, a exemplo de tantos outros pontos críticos no país que as fortes tempestades têm exposto de forma ainda mais inquietante, tal tem sido a destruição e erosão costeira provocada por galgamentos do mar que se têm repetido com demasiada frequência nos dois primeiros meses deste ano, acelerou a decisão do executivo camarário de Ovar que assumiu em mãos as obras a que chamou de “socorro e emergência” face ao preocupante avanço do mar no Furadouro e significativa derrocada dos enrocamentos e consequentemente dos pavimentos dos passeios paralelos à Marginal.

Uma intervenção iniciada em pleno fim de semana de Carnaval que mereceu uma conferência de impressa no passado dia 3 de março para o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, anunciar o arranque das obras com vista a serem repostas as defesas aderentes separadas da zona habitacional por poucos metros.

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À imprensa o autarca explicou a razão da sua decisão, lembrando que, “depois dos muros da Avenida Marginal, terem sido totalmente destruídos pela força das marés, o passeio da marginal sucumbiu à potência da água do mar, abrindo buracos e fendas profundas e muito perigosas neste local”. Perante tal cenário e avaliada a situação pelas entidades da Proteção Civil, Malheiro garantiu ainda que foi auscultada a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) sobre esta iniciativa camarária de mandar avançar a colocação de pedra com grandes dimensões (entre 4 e 6 toneladas), “nos rombos, de forma a conter o avanço da derrocada” justificou o presidente, ainda que tenha reconhecido que a colocação destas pedras, “…não resolve a situação de fundo, nem substitui as obras de emergência que estão a ser preparadas e que serão objeto de candidatura ao Programa Operacional de Valorização do Território, num valor estimado de 1,5 milhões de euros, mas face à realidade e á previsão, nas próximas horas, de marés fortíssimas, a Câmara não poderia deixar de agir, sob pena de destruição iminente de infraestruturas e bens públicos e privados e de ser verificada negligência grosseira por inação, pois o que hoje pode ter um custo de reposição de 500 mil euros, na próxima semana poderá duplicar, face ao poder de destruição e avanço do mar” adiantou ainda o autarca.

Nesta conferencia de imprensa, Salvador Malheiro, ainda que tenha sublinhado, ser indispensável encontrar “soluções mais duradouras, técnica e cientificamente sustentadas, que evitem a destruição pelas marés e o constante sobressalto da população vareira, bem como a rentabilização e o aproveitamento deste recurso natural único que é o Mar!”, no imediato deixou como principais preocupações um conjunto de candidaturas ao POVT a serem trabalhadas pelos serviços municipais, que deverão incluir:

– Proteção Dunar a sul e a norte do Furadouro.

– Recuperação da estrutura de defesa e prevenção de risco da frente urbana marítima do Furadouro.

– Recuperação da estrutura aderente mergulhante (rampa) a sul e a norte do esporão sul de Cortegaça.

– Reforço da estrutura de defesa e prevenção de risco da frente urbana marítima de Cortegaça.

– Reforço de defesa e prevenção de risco da frente urbana marítima de Esmoriz.

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A Câmara Municipal de Ovar espera-se assim, ver esta candidatura aprovada no âmbito do POVT, o que garantirá o próprio “financiamento das obras de socorro e emergência, em curso, na orla costeira do Concelho de Ovar, as quais estão a ser articuladas diretamente com a APA e com o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território” garantiu Salvador Malheiro.

Com os fortes galgamentos do mar a fazerem-se sentir em diferentes locais da orla costeira de Ovar. Dias antes do momento critico no Furadouro que fez a Câmara acionar obras de “socorro”. Em Cortegaça a APA adjudicava a obra de proteção e estabilização dunar na praia desta freguesia que viu o mar romper pelo parque do Clube de Campismo e Caravanismo “Os Nortenhos”. Na verdade há vários anos vem vendo a sua área de terreno ser reduzida pelo avanço do mar numa zona muito critica a sul da praia de Cortegaça.

A tentativa para travar a destruição do parque de campismo, que só este ano já terá perdido cerca de dois hectares de terreno, e como foi justificado, para a proteção marítima e marginal da praia, a obra em Cortegaça também de emergência, passa pela execução de uma estrutura longitudinal aderente no valor de 900 mil euros. Completamente falhada foi a tentativa de segurar as dunas em Maceda ensaiada no início do ano através de estacas de madeira, que foram literalmente arrastadas pelo mar e arrastadas ao longo da costa a sul de Maceda que continua a sofrer grande erosão, deixando a antiga lixeira selada cada vez mais vulnerável ao avanço do mar.

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A derrocada dos enrocamentos era previsível

Mais uma vez os acontecimentos não deixaram margem para eventuais alternativas à pedra em zonas urbanas em risco, a observar pela resposta de emergência que criou uma barreira de pedra ao longo da Marginal sul do Furadouro. Mas a paisagem de destruição e derrocada dos esporões e enrocamentos que se verifica no caso concreto da costa vareira não pode ser novidade para governantes e autarcas, bem como as entidades competentes pelo estudo e acompanhamento da evolução e consequências da erosão costeira.

Aliás, da vasta obra já publicada pelo ambientalista natural de Ovar, engenheiro Álvaro Reis, Mestre em Ciências das Zonas Costeiras pode ler-se no seu último livro, “Praia dos Tubarões”, um verdadeiro alerta para o que acabou por acontecer no caso concreto do Furadouro, relativamente ao desmoronamento dos enrocamentos e dos paredões. É pois afirmado na sua obra publicada em 2006 exatamente a propósito dos acontecimentos ocorridos com maior dimensão neste inicio de 2014, que, “também os vulgarizados ‘enrocamentos´, estruturas rochosas usadas como revestimento da praia emersa até uma cota superior ao nível da preia-mar de águas-vivas e os ´paredões’, estruturas em betão ou alvenaria, umas vezes de grande verticalidade, outras vezes inclinados, lisos ou em degraus, têm por objetivo teórico proceder à absorção da energia das vagas incidentes reduzindo o potencial erosivo das mesmas”.

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Ora acontece que, como reafirma este especialista que há várias décadas acompanha, não nos gabinetes mas no terreno a evolução da erosão costeira, “aquilo que se verifica nas praias onde os enrocamentos e os paredões se encontram implantados é que as vagas ao rebentarem sobre tais estruturas refletem, de facto, uma grande parte da sua energia incidente. No entanto, esta energia que é refletida, de novo, para a zona de rebentação produz uma turbulência acrescida, da qual resulta muito rapidamente a erosão total da praia frontal ao enrocamento (ou ao paredão), bem como, o ataque das vagas sobre outras praias próximas a sotamar. Vai ser esta grande ação energética que se verifica na base da obra aderente que acabará por descalçá-la conduzindo inevitavelmente ao seu desmoronamento.”

Este é objetivamente o quadro que o tempo veio comprovar, mas em tempo de satisfação imediata aos sentimentos de insegurança das populações afetadas pelo avanço do mar, as soluções da pedra criam, mais do que tranquilidade, criam impacto como o que é agora bem visível no sul do Furadouro com uma muralha de pedra que já depois de ali colocada, terá ajudado a travar os mais recentes galgamentos, que em Esmoriz as ondas arrastaram mesmo uma idosa de 73 anos quando se encontrava junto à praia do Cantinho. Na mesma altura, as ondas gigantes deram origem a uma escarpa junto ao Parque de Campismo de Cortegaça, obrigando ao desalojamento de sete famílias que viviam nas rulotes mais próximas da praia.

Avanço do mar integrou agenda da Assembleia Municipal de Ovar

Por iniciativa do Bloco de Esquerda o tema da erosão costeira integrou a agenda da sessão ordinária de 25 de fevereiro da Assembleia Municipal de Ovar no sentido de ser constituída uma comissão de acompanhamento sobre todo o processo e intervenção relativa à problemática da erosão costeira no âmbito da Assembleia Municipal.

Na apresentação da proposta o Bloco começou por afirmar que, “a ideia é alargar de forma abrangente o debate sobre esta temática e constituir uma comissão de acompanhamento com as características que sejam encontradas por esta Assembleia, porque não podemos deixar de sublinhar que, a política não substitui a técnica e os técnicos, mas também estes não substituem a política, uma vez que as decisões e financiamentos decorrerão de uma ação politica e portanto são os primeiros responsáveis por algo acontecer. Mas nem por isso é consensual que as intervenções que têm sido feitas tenham sido as mais acertadas apesar do imenso dinheiro já gasto.”

O autarca do Bloco considerou ainda, que, “nenhuma opção é ideal e tem custos associados, uns financeiros, outros emocionais, outros chocam com a nossa memória e a própria noção histórica e identitária do país e do território. Não fechemos é os olhos e assobiemos para o lado, porque o mar não vai descer e nós não podemos eternamente fugir às nossas responsabilidades”.

“Para valorizar e enriquecer o debate como um contributo sério, responsável e sem complexos políticos” como justificou o eleito do Bloco, foi partilhado com a Assembleia Municipal um documento designado, “Parecer técnico sobre o impacto de temporais e opções de intervenção no litoral do concelho de Ovar” realizado na sequência dos temporais entre dezembro de 2013 a fevereiro de 2014.

Um trabalho que tinha acabado de ser elaborado (Faro, 20 de fevereiro de 2014) pelo munícipe de Esmoriz, Carlos Loureiro Ferreira, investigador de pós-doutoramento na área da Geografia – especialista de Dinâmica Litoral, filiado no Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve, que os bloquistas partilharam com a Assembleia Municipal de forma sintética, referindo algumas ideias do parecer técnico referentes ao âmbito do impacto dos episódios recentes na costa ovarense:

– A sequência de temporais que afetou o litoral português entre Dezembro de 2013 e Fevereiro de 2014, apesar de não excecional no que se refere à altura das ondas, foi atípico no que se refere à frequência e sucessão quase ininterrupta;

– As condições de agitação intensa, associadas a níveis de maré elevados, potenciaram a ocorrência de galgamentos e inundação de sectores protegidos por obras de engenharia pesada nos núcleos urbanos de Esmoriz, Cortegaça e Furadouro;

– Por outro lado, em áreas em que existe praia (ex. sector norte da praia de Esmoriz), os impactos dos temporais foram insignificantes, pois a praia funcionou como mecanismo natural de proteção costeira.

Por outro lado, e referindo que “as opções de intervenção específica que têm sido apresentadas para o litoral de Ovar, não promovem a resolução da principal causa da erosão costeira em Portugal, o défice crónico no fornecimento de areias ao litoral”, este parecer apresenta como propostas:

– Uma intervenção integrada no litoral ovarense que deverá ser estruturada em torno de alimentações artificiais muito significativas, além de realimentações periódicas;

– Intervenções de redimensionamento e requalificação das estruturas de proteção costeira existentes;

– Reconversão das frentes de mar e processo gradual de relocalização parcial das zonas de risco.

Iniciado o debate em que os vários partidos representados neste órgão autárquico (PSD, PS e PCP) se disponibilizaram para aprofundar e viabilizar a proposta, a mesma acabou no entanto por evoluir para a forma de constituição da comissão de acompanhamento com o Bloco a abdicar da paternidade, retirando a sua proposta para que o objetivo de uma tal comissão fosse assumido pela comissão especializada da Assembleia Municipal do Urbanismo, Habitação, Ambiente, Equipamento Social, Património, Transportes e Trânsito, a quem vai caber o papel de acompanhar todo o processo e intervenção relativa à problemática da erosão costeira no concelho de Ovar.

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Os eventos entretanto sucedem-se sobre esta temática. Já se realizaram, entre vários outras iniciativas, nomeadamente na região de Aveiro, debates, sessões, conferências e mesas redondas a exemplos de “A Nossa Costa: Erosão e Proteção”, organizada pelo Rotary Clube de Ílhavo (22 fevereiro). “Mitigação do Problema da Erosão Costeira” – Mesa Redonda organizada pela Fábrica Centro de Ciência Viva e a Plataforma Tecnológica do Mar, em Aveiro (13 fevereiro). Conferência “Risco de Cheia e Erosão do Litoral na Zona da Ria”, organizada pela Delegação de Aveiro da Ordem dos Engenheiros (8 fevereiro) entre várias outras como a realizada em Cortegaça (28 Março).

Também a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA) vai organizar, em Ovar, uma conferência nacional sobre o tema da erosão costeira. A iniciativa está prevista para maio e propõe-se lançar uma “estratégia” para travar o avanço do mar.

As intempéries nos municípios da Região de Aveiro, e as consequências no agravamento da erosão costeira, em particular nos municípios de Ílhavo e Ovar”, foram avaliadas em reunião da Cira que deu conta de elevados prejuízos materiais em infraestruturas públicas e privadas os quais exigem medidas para proteção e valorização das zonas atingidas, que vão das áreas dunares, aos areais das praias e às áreas urbanas afetadas. Para tal, a Cira, que defende a aprovação com “caráter de urgência” da revisão do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) Ovar/Marinha Grande, propõe-se debater também o recurso aos fundos comunitários para financiamento destas obras, incluindo a defesa da garantia dos investimentos do Governo para o prometido combate à erosão costeira.

 

Texto e fotos: José Lopes

(Correspondente “Etc e Tal Jornal em Ovar)

 

 

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1 Comment

  1. José Lopes

    A resposta de emergência dada pela Câmara Municipal de Ovar através de colocação de pedra no Furadouro afinal não dá garantias de segurança como se propunha. As últimas investidas do mar mostraram que os galgamentos acontecem com a mesma facilidade!Com a época balnear à porta as praias de Ovar vão ter um cenário deprimente sem que as obras prometidas pelo Governo tenham inicio.

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