José Egito de Oliveira Gonçalves (Matosinhos, 8 de Abril de 1920 – Porto, 29 de Janeiro de 2001), mais conhecido por Egito Gonçalves, foi um poeta, editor e tradutor. Publicou os primeiros livros na década de 1950. Teve como atividade profissional a administração de uma editora.
A sua intensa atividade de divulgação cultural e literária concretizou-se, a partir dos anos 50, na fundação e/ou direção de diversas revistas literárias, como A Serpente (1951), Árvore (1952-54), Notícias do Bloqueio (1957-61), Plano (1965-68, publicada pelo Cineclube do Porto) e Limiar. Em 1977 foi-lhe atribuído o Prémio de Tradução Calouste Gulbenkian, da Academia das Ciências de Lisboa pela seleção de Poemas da Resistência Chilena e, em 1985, recebeu o Prémio Internacional Nicola Vaptzarov, da União de Escritores Búlgaros.
Em 1995 obteve o Prémio de Poesia do Pen Clube, o Prémio Eça de Queirós e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro E No Entanto Move-se. A sua obra encontra-se traduzida em francês, polaco, búlgaro, inglês, turco, romeno, catalão e castelhano.
Faleceu em 2001, e o seu último livro, Entre Mim e a Minha Morte Há Ainda um Copo de Crepúsculo, foi editado cinco anos depois.
São de Egito Gonçalves os poemas que hoje partilho convosco
À MEMÓRIA DA MINHA MÃE
Mãe! Morreste!
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhã, movimentar-se-ão pessoas
Diversas
Que não te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerão, depois, um número qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
Só um galo canta, feliz, na sua inconsciência de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silêncio,
Mais que nunca,
– Esmagados pelo prestígio da morte.
Egito Gonçalves,
ANÚNCIO NO AR
Céus, nuvens, ondas, ventos,
dai-me notícias do meu amor norueguês.
Elementos da natureza gastos por tantos versos,
ferralha romântica, brilhai de novo
e trazei-me notícias do meu amor norueguês.
Aquela que eu amei um verão na praia
– pérola cuja ostra era um barco de carvão,
matrícula de Bergen, essa mesma, elementos!,
notícias, notícias do meu amor norueguês.
A que veio dos fiordes e vivia num barco
encostado ao cais, junto de um guindaste;
a que me acendeu a manhã do amor,
a que abriu a porta às tempestades,
a que me deu a chave da invenção…
Existe? Fugiu à ocupação? Morreu prisioneira?
Notícias, notícias do seu rosto que mal lembro,
do seu corpo de caule adolescente…
Notícias do seixo branco que trocámos
com palavras de amor em inglês mal decorado.
Notícias da que foi espiga mal madura,
notícias do meu amor norueguês.
Egito Gonçalves, in ‘Viagem com o Teu Rosto’
MORTE NO INTERROGATÓRIO
Ás tres da madrugada eu dormia sem sonhos
Minha mulher dormia a meu lado.
Eu tinha uma das mãos pousada sobre a sua coxa
Um luar de outono brilhava sobre as ruas
um ar agreste preparava as noites para o inverno
Às tres da madrugada os companheiros
dormiam quase todos.
Um deles, porém regressava, fatigado,
de um trabalho noturno
Era a hora dos fogos-fátuos sobre as campas;
a hora em que os exilados buscam o sono em comprimidos.
Às três da madrugada sua mulher ainda velava.
Embrulhada num xaile tinha um livro entre as mãos;
insone, acendera a luz havia meia hora.
Na sala o interrogatório atravessava o tempo;
lâmpadas de mil vátios tornavam a vida irrespirável.
Às três da madrugada o coração fraquejou
e os dois comissários ficaram perante um homem morto
e dois cinzeiros com trinta pontas de cigarros.
Egito Gonçalves
Coordenação: Maria de Lourdes dos Anjos
Fontes: Wikipédia
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