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Guerra Junqueiro: O progressista “vencido da vida”

Abílio Manuel Guerra Junqueiro nasceu em Freixo de Espada à Cinta, em 1850. Filho de pais ricos e rigorosos seguidores da fé católica, Guerra Junqueiro frequentou a Faculdade de Teologia, entre 1866 e 1868, mas largou a ideia de ser padre e dedicou-se ao Direito, indo estudar na Universidade de Coimbra, onde se formou em 1873.

Foi a partir dessa época que passou a frequentar o círculo dos políticos e intelectuais da cidade. Sua iniciação literária aconteceu em 1866, quando publicou “Mysticae nuptiae”, seguida de “A morte de D. João“, de 1874. No ano seguinte, começou a colaborar na revista “Lanterna Mágica” e publicou sua obra mais conhecida: “A Velhice do Padre Eterno”.

Além disso, o autor foi secretário dos governos de Angra e Viana. Filiado ao Partido Progressista, monárquico, que estava na oposição de 1879, foi deputado pelo círculo de Quelimane, Moçambique (1880) e representou o país em Berna. Guerra Junqueiro passou a fazer parte do grupo Vencidos da Vida, em 1888. A esse grupo também pertenciam grandes nomes como Eça de Queirós e Oliveira Martins. Pouco tempo depois, em 1891, o autor resolveu recolher-se nas suas propriedades no Douro.
Guerra Junqueiro faleceu em Lisboa, em 1923.

Algumas obras do autor:
“A musa em férias“, de 1879
“Prosas Dispersas”, de 1921
“Horas de Combate”, de 1924
“Duas Páginas dos Catorze Anos”, de 1864
“Vozes sem Eco”, de 1867

 

REGRESSO AO LAR

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…

Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…

Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!

Guerra Junqueiro, in ‘Os Simples’

 

PARASITAS

No meio duma feira, uns poucos de palhaços

Andavam a mostrar, em cima de um jumento

Um aborto infeliz, sem mãe, sem pés, sem braços

Aborto que lhes dava um grande rendimento.

 

Os magros histriões, hipócritas, devassos.

Exploravam assim a flor do sentimento.

E o monstro arregalava os grandes olhos baços.

Uns olhos sem calor e sem entendimento.

 

E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:

Deram esmola até mendigos quase nus.

E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos.

 

Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da Cruz.

Que andais pelo universo há mil e tantos anos

Exibindo e explorando o corpo de Jesus

 

O PAPÃO

As crianças têm medo à noite, às horas mortas,

Do papão que as espera, hediondo, atrás das portas,

Para as levar no bolso ou no capuz dum frade,

Que tu também tens medo ao bárbaro papão,

Que abençoa os punhais sangrentos dos tiranos,

E que mora, segundo os bonzos têm escrito,

Lá em cima, detrás da porta do infinito!

 

EVOLUÇÃO

Arde o corpo do sol, brotam feixes de luz:

O que é a luz?

Sol que morreu.

 

Dardeja a luz, dardeja e pulveriza a fraga:

Vai nesse pó, que há-de ser terra.

A luz extinta.

Gerou a terra a seara verde:

Comeram terra.

 

A seara é grande, o trigo é loiro:

Deu trigo loiro,

Moreno ela.

 

O trigo é pão, é carne e é sangue:

Sangue vermelho, carne vermelha,

Trigo defunto

 

Em carne e em sangue, eis o desejo:

Vive o desejo.

De carne morta

 

Arde o desejo, eis o pecado:

Que são pecados?

Desejos mortos.

 

Queima o pecado o pecador:

Nasce a dor: findou na dor

Pecada e morte.

 

A alma branca, iluminada,

Transfigurada pela dor.

Essa não vai à sepultura

Porque é já Deus na criatura,

Porque é o Espírito, é o Amor.

 

Na vida vã da terra sepulcral

Só o amor é infinito e só ele é imortal.

 

Morreu a luz, pulverizando a fraga,

Morreu a poeira, alimentando a seara;

Morreu a seara, que gerou o trigo;

Morreu a carne, que deu vida à carne;

Morreu a carne, que nutriu desejo;

Morreu desejo, que se fez pecado;

Morreu pecado, que floriu em dor;

Morreu a dor, para nascer o Amor!

 

E só o Amor na vida sepulcral

É infinito e é imortal!

 

 

 

Coordenação: Maria de Lourdes dos Anjos

Fontes: Wikipédia

 

 

 

01jun14

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