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Como “voou” a “passarola”…

Maximina Girão Ribeiro

Não há qualquer dúvida de que a “passarola” faz parte do imaginário de todos nós, sobretudo de todos aqueles que, após terem lido “O Memorial do Convento” e de conhecerem toda a trama desenvolvida no relato feito por José Saramago, nesta sua obra, se fascinaram com este episódio da nossa História, quando o autor imaginou uma máquina voadora “movida por vontades”.

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Na realidade, quer tenha havido sucesso ou não com este “objecto” voador e, pondo de parte as polémicas que ao longo dos tempos têm surgido, o certo é que a acção do padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão foi notável se tivermos em conta que, depois de Leonardo da Vinci, no século XVI, ter desenhado aquilo que poderia ser a primeira máquina voadora, o padre luso-português se tornou, em 1709, o inventor do primeiro engenho capaz de se elevar no ar.

Este padre que chegou a pertencer à Companhia de Jesus nasceu em Santos, no Brasil, em 1685, sendo filho do cirurgião-mor da prisão de Santos e da sua mulher Maria Álvares. Era um jovem brilhante, demonstrando capacidades intelectuais invulgares, através das ideias que expunha que eram já avançadas para sua época.

Bartolomeu Lourenço de Gusmão, por Benedito
Bartolomeu Lourenço de Gusmão, por Benedito

Em 1709, Gusmão veio a Lisboa, a fim de pedir à corte autorização para apresentar a sua “Máquina de Voar“. É extraordinário como, no início do século XVIII, este homem imaginava um aparelho com tais potencialidades que, voando, pudesse constituir poder para quem o possuísse, pois passaria a dominar o mundo, fazendo levar notícias a locais distantes, socorrendo quem necessitasse de ajuda, promovendo rápido transporte por via aérea,… Um verdadeiro visionário, este Bartolomeu de Gusmão!

No século XVIII, numa corte faustosa por via do comércio do açúcar, do ouro e dos diamantes que trouxeram grandes rendimentos à Coroa portuguesa, reinava D. João V (reinou de 1706 a 1750). Era um monarca rico e poderoso, pelo que não foi difícil ter ficado tão entusiasmado com a proposta apresentada. Mostrou-se tão interessado que, sem qualquer tipo de reservas, fez disponibilizar todos os meios necessários para que Gusmão pudesse mostrar o seu invento perante a Casa Real: emprestou-lhe uma casa e quinta que tinha em Lisboa, em Alcântara (perto do local onde hoje se ergue a estação de Santa Apolónia), local esse que serviu para que Gusmão pudesse executar as suas ideias e pô-las à prova.

Imagem baseada na apresentação da passarola
Imagem baseada na apresentação da passarola

Aí, fez algumas experiências, utilizando fogo para fazer subir balões (de ar quente) construídos com arames, papel grosso e madeira fina. Embora tenha feito duas experiências falhadas, por combustão do objecto voador, ou por que ardessem adereços do espaço envolvente, esse facto não o desmotivou e continuou a preparar tudo para mostrar ao rei e à sua corte, que era possível o deslumbramento de verem um objecto a subir no ar…

Finalmente chegou o dia 8 de Agosto de 1709, em que estaria perante D. João V, no Paço Real, situado no Terreiro do Paço, em Lisboa.

Numa das cortes mais ricas da Europa, onde sobressaía o requinte da decoração com painéis de azulejo, tapeçarias e tapetes de diferentes proveniências e se esbanjava em banquetas, festas e luxo… o rei e a rainha D. Maria Ana de Habsburgo, acompanhados por diversos fidalgos da corte portuguesa, assim como pelo Núncio Apostólico, o cardeal Michelangelo Conti que seria mais tarde, o Papa Inocêncio XIII, todos se reuniram na Sala de Audiências do Palácio para assistirem a uma demostração da subida do “instrumento de andar sobre o ar“.

Este acontecimento, representava a primeira aplicação prática do princípio de Arquimedes a um aparelho aerostático, o qual se antecipava 74 anos à façanha dos irmãos Montgolfier que, em Junho de 1783, colocaram no ar, durante 10 minutos, um balão com 32 metros de circunferência. Nesse mesmo ano, perante Luís XIV e Maria Antonieta, os inventores franceses fizeram subir no ar o primeiro balão tripulado. Mas só em meados do século XIX é que iria ser inventado o primeiro aeróstato dirigível.

A “passarola” não era um engenho tripulado, como mais tarde se chegou a divulgar, mas sim, um balão (em escala reduzida), feito de papel grosso, com uma chama a arder numa tigela colocada na base, muito semelhante aos actuais balões de S. João. No entanto, o balão ergueu-se, lentamente, indo cair no Terreiro do Paço, perante a admiração de todos. Assim, pela primeira vez, havia sido construído um engenho que conseguiu elevar-se no ar. Foi um enorme êxito, embora por breves momentos.

Passarola - Icnografia de 1874
Passarola – Icnografia de 1874

Ficaram testemunhos escritos, deste evento. Entre as conceituadas testemunhas do acontecimento estava Conti, o Núncio italiano, que iria relatar o facto, através de uma carta enviada para o Vaticano.

Foram muitas as descrições que circularam, após o evento mas, talvez uma das mais curiosas tenha sido a do autor de uma brochura austríaca que narrou como o padre navegou por ar, de Lisboa até Viena, com o seu “navio voador“, depois de ter enfrentado aves monstruosas e de ter aterrorizado os habitantes da Lua…

Esta façanha de Gusmão, no início do séc. XVIII, foi alvo de críticas, troças, invejas, crendices,… pois, o atraso cultural do país, a par de um feroz conservadorismo, contribuíram para que Gusmão fosse alvo de chacota e até a Inquisição o acusou de desafiar os desígnios de Deus.

Embora sem nunca ter chegado a construir o engenho, tal como o idealizava, Bartolomeu de Gusmão foi muitas vezes ridicularizado pela sua excentricidade e chegou a ser apelidado de “Padre Voador” e o seu engenho denominado como “Barcarola”, ou “Passarola” por ter a forma de um pássaro.

Tudo indica que Bartolomeu de Gusmão tivesse raízes no Porto. Diz-se que era aparentado com os irmãos Afonso Gaya, “quatro irmãos naturais de Miragaia que partiram para o Brasil em 1531, na armada de Martim Afonso de Sousa“, segundo afirma o investigador Joaquim Fernandes, dizendo que com eles viajava também o portuense Brás Cubas, fundador da vila de Santos, onde os irmãos Gaya se instalaram.  Aquele que é considerado um dos pioneiros da aeronáutica faleceu, em Toledo, Espanha, em 19 de Novembro de 1729.

Fotos: Pesquisa Google

 Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

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