Miguel Correia
Existe uma vontade de aumentar o tamanho das crónicas que escrevo. A atual situação política do país providenciou matéria, em quantidade mais que suficiente, para dar asas à minha escrita humorística. Várias crónicas interligadas sobre o mesmo tema. Uma obra literária… estilo novela de ficção. Mas bem real…
Um povo entristecido, desmotivado e com grandes dificuldades económicas – impostas por indivíduos sisudos com roupas caras (o governo) que tem de cumprir regras financeiras impostas por outros indivíduos mais sisudos com roupas ainda mais caras (a Troika) – vive na expectativa de demonstrar o seu profundo desagrado e, se possível, alterar as ideologias políticas através da força do voto. As eleições europeias foram uma excelente oportunidade para mostrar vontade de mudança.
António Seguro, líder do Partido Socialista (PS), foi o vencedor derrotando o Partido Social Democrata (PSD) de Passos Coelho. Em menos de um ano esta foi a segunda vitória consecutiva do PS, partido na oposição, última réstia de esperança para os Tugas com pouco dinheiro…
A noite foi de festa! Os vários intervenientes justificaram os resultados eleitorais, da melhor maneira possível, perante a comunicação social e seus militantes. E neste ponto, admiro bastante o exercício da política. Todos são vencedores! Caramba, há sempre qualquer coisa que serve para valorizar e desviar atenções da crueldade e frieza dos números.
Contudo, enquanto muitos profetizavam o fim do governo, com base nos resultados da vontade popular, uma voz de discordância interna, entrou em cena. António Costa resolveu declarar, à comunicação social, que a vitória soube a pouco e não correspondeu a um resultado histórico. Nestas coisas não se pode ganhar por poucochinho…
O primeiro passo para uma disputa interna foi dado. A vitória obtida dias antes, de forma clara, não pode saber a pouco. As declarações subiram de tom tendo em conta a prestação do partido nas eleições legislativas de 2015. Visionário para uns, Judas para outros. Se os militantes do partido foram apanhados desprevenidos com tamanho ataque à liderança – depois de duas vitórias eleitorais – imagine-se o estado de confusão instalado na opinião pública.
Os procedimentos regulamentares foram ativados com vista à realização de eleições internas no partido. Lá pelo meio, algo inédito. As primárias. Ou seja, a abertura da votação ao exterior. Os militantes, nos respetivos órgãos, deixaram de dirigir e formular a política partidária. Os simpatizantes – escolhidos com uma voracidade impressionante – tiveram uma tremenda importância no desfecho desta eleição. Para muitas vozes, tal como foram postas em prática por António Seguro e PS, as primárias foram o símbolo da negação do próprio partido.
Nas eleições internas para a escolha do PS a primeiro-ministro, António Costa, o desafiante, venceu claramente com uma percentagem de 68% dos votos. Uma análise, mais profunda, revela que conseguiu tal proeza sem prometer uma única medida concreta aos eleitores. Contudo, a mudança de líder foi consumada! E no discurso de vitória não encontrou espaço para uma palavra de apreço e homenagem ao seu adversário.
António Seguro saiu de cena. Abandonou a vida política. Foi devorado e ostracizado pelos membros do partido que ajudou. Igual sorte bafejou os simpatizantes. Depois de contribuírem, ingenuamente, para esta mudança foram descartados como uma toalhita… depois de utilizada.
Alheio ao clima de guerrilha interna que decorria no principal partido da oposição, Passos Coelho continuou a sua obediência aos mandamentos da Troika e manutenção da austeridade. Tamanha crispação e luta pelo poder fizeram esquecer que havia perdido as duas últimas eleições. Mas, enquanto os Tugas estiverem entretidos…
Num ápice as ruas ficaram engalanadas de bandeiras e cartazes com frases de campanha dignas de um qualquer aluno de 3ª classe. As caixas de correio ficaram atulhadas com folhetos coloridos e retratos de gente bem vestida que se propõe a defender o país (apesar de algumas fronhas me levarem a pensar o contrário). Debates televisivos à hora de jantar. Resumos dos debates televisivos em seguida. Opinião dos comentadores e analistas políticos a tudo o que foi dito. Será preciso ser um génio para perceber o elevado número de abstenções?!
Outubro chegou. E ao quarto dia ficaram fechados os resultados nas 3.092 freguesias portuguesas. Apesar de faltarem os votos do estrangeiro – a importação demora sempre alguns dias – foi possível anunciar que os partidos da coligação PàF (PSD/CDS) ganharam as eleições legislativas! Junto com a abstenção e o Partido dos Animais. Resultado bastante expressivo e revelador da vontade dos eleitores. Ou não votam ou pensam que qualquer deputado pode ser substituído por um animal. Não sei porquê, mas quando leio este texto, penso no burro…
António Costa foi um dos derrotados da noite, apesar de ter aumentado a votação face a 2011. O número de mandatos ficou muito longe dos números da coligação, com menos 19 deputados. Muitos esperaram pelo discurso de arrependimento e demissão. Mas António Costa, político determinado, não suporta que os outros façam a festa…
A rotina diária continua e, rapidamente, os Tugas voltaram ao estado de tristeza, desmotivação, pouco dinheiro na carteira e ataques de pânico ao consultar os extratos bancários. O povo manifestou a sua vontade de continuar a sofrer por mais quatro anos. Assim seja! Ou não…
O resultado eleitoral criou um quadro surrealista de tal forma que não é descabido dizer que António Costa, o maior derrotado nas eleições, se tornou no homem mais poderoso de Portugal. E pode vir a ser o futuro primeiro-ministro! Eu explico. A coligação venceu as eleições mas perdeu a maioria absoluta. Ou seja, a oposição tem, em conjunto, maior número de deputados. Um entendimento (inédito e histórico) entre as forças políticas da oposição seria suficiente para derrubar o XX governo.
Entra em cena o Presidente da República, representante máximo da nação e de todos os Portugueses. Repito, todos. Perante os resultados eleitorais e cenários estudados até à exaustão, Cavaco Silva, conseguiu expressar algumas emoções. Os que o criticaram pela postura de boneco de cera – agora que o irritaram – ofendem-se! Pensavam que o homem, que já não gostava do comunismo em ’74, ficava feliz com uma possível governação à esquerda?! As suas palavras foram claras: “É extremamente desejável uma maioria”, mas não sendo a que desejava, já se deu por contente em aceitar a minoria. Ignorando, por completo, os partidos de esquerda, deu indicações aos partidos principais. “Entendam-se e parem lá de me afligir porque que isto já não se aguenta. Que chatice!”.
As negociações falharam. O XX governo foi contratado a prazo. Numa sessão solene tomaram posse com as canetas reluzentes. Alguns ministros, em pouco tempo, já fizeram figuras tristes nos noticiários. E, entretanto, chegou o dia das grandes esperanças. O novo 25 de Abril…
Um dia depois e ainda sinto o nervoso miudinho da mais recente data que ficará gravada, para sempre, na cronologia da nossa gloriosa história. 10 de Novembro. O dia em que recuperamos a nossa liberdade perante a austeridade, crise, fascismo e outras coisas que queiram ver aqui escritas. E eu, ainda ganhei uma conta extra, do telemóvel, pois ultrapassei o plafond de Internet móvel para conseguir acompanhar novas de Lisboa.
Na Assembleia teve lugar um debate, que durou dois dias, entre os dois polos distintos. Os que queriam governar e os que queriam começar a governar. Confusos?! Não. O acordo inédito e histórico foi assinado e os partidos da oposição (a força de esquerda) apenas aguardavam pelo final do debate para entregar a moção de rejeição. Documento responsável pela queda do XX governo. O mais curto da história com 11 dias de duração. E mesmo assim deu para ver alguns aselhas e suas tristes figuras.
O povo saiu à rua! Algumas camionetas de excursão foram desviadas, da sua rota, para conseguir levar reformados até à capital. Todos a caminho das manifestações! Sim. Duas! Separadas por escassos metros e por alguns agentes de autoridade – assustados com o cheiro a naftalina – receando que os ânimos se exaltassem e tivesse lugar uma luta entre bengalas e andarilhos. Uns a favor da mudança política e os outros a favor do atual governo e austeridade. Já se gritava “liberdade”, “vitória” e “o governo caiu” duas horas antes da votação oficial. O entusiasmo tem destas coisas… A Grândola Morena também foi cantada.
E assim foi o remake do 25 de Abril. Sem confrontos. Sem violência. Sem chaimites. Sem cravos. Mas, tendo em conta as reportagens televisivas, a cabidela e o vinho tinto ficarão como símbolo deste dia… Mas a história não termina aqui! Tem a palavra, Cavaco Silva. É aguardar.
Fotos: Pesquisa Google
01jan16




