No rescaldo das feiras do livro organizadas um pouco por todo o país, certames literários em que os escritores partilham experiências e aprofundam laços de amizade entre si, para além se serem momentos priveligiados de proximidade e contato pessoal com os leitores, são também oportunidades de promoção de eventos como o À Palavra, que num só fim-de-semana (24 e 25 de junho) proporcionou duas sessões no Museu de Ovar com a participação dos escritores Manuel da Silva Ramos e Miguel Real na sexta feira à noite e Afonso Valente Batista no sábado à tarde.
Com moderação de Carlos Nuno Granja, o impulsionador deste evento cultural, os autores do livro “O Deputado da Nação”, Manuel da Silva Ramos e Miguel Real, vieram de Lisboa falar desta obra escrita a duas mãos em que recorreram a uma implacável sátira à classe política e aos que, com interesses pessoais gravitam em volta dela. Como afirmou Manuel da Silva Ramos, “não optamos pelo panfleto de denuncia da sociedade, preferimos a ironia no livro”, ainda que reconhecendo, “não que sejamos pessoas de grande riso”, mas esta foi a melhor forma encontrada, para “desconstruir uma sociedade decadente”.
“Não fomos pelo caminho de apontar o dedo à sociedade”, disse também Miguel Real, que começou por falar, para justificar o caminho em que optaram no livro “O Deputado da Nação”, sobre o estilo de cada escritor que aborda, “uma sociedade em desagregação e decadência”, dando o exemplo de José Saramago, Lobo Antunes ou Agustina Bessa Luís. Ou seja, “cada escritor mostra uma forma de degradação”. “Nós mostrámos pelo riso” resumiu.
O À Palavra com Manuel da Silva Ramos e Miguel Real reuniu não só dois escritores premiados, mas também dois criticos literários que tornaram esta sessão numa animada e participada palestra sobre literatura desde o século XVIII às atuais novas gerações de escritores, bem como o estado da cultura no país.
Sobre este seu livro, ambos reconheceram, ter resultado do equilíbrio entre a maneira de ser de cada um, na escrita ou na forma de reagir aos acontecimentois, ainda que os una a mesma ideia do estado do país, Manuel da Silva Ramos, afirmou que, “o livro põe o dedo na ferida (…) colocamos no livro todos os problemas do Homem”. Enquanto Miguel Real acrescentou, que, “em vez de virmos para a rua gritar, fizemos um livro irónico”, com personagens como, Umbelino Damião que nasceu pobre e depois de ter emigrado para Paris e viver o Maio de 1968, andou pelo Brasil fugido de Faustina, tomada de amores por ele que combateu em Moçambique na Guerra Colonial, acabando por regressar a Lisboa onde entou na politica vindo a ser deputado com negócios pouco transparentes entre autarcas e chineses. Um retrato de promiscuidade e decadência que corajosamente é exposto neste livro “O Deputado da Nação”.
No sábado (25 junho) o À Palavra foi com Afonso Valente Batista
Autor de obras como: “O Acontecimento”, “A Indiferença”, “A Liturgia do Silêncio”, “Descubra o Líder que há em si”, “A Voz das Pedras” ou “O Muro”, considerado um dos mais notáveis romances sobre a Guerra Colonial públicados nos últimos anos. O escritor Afonso Valente Batista voltou a Ovar para uma sessão igualmente moderada por Carlos Nuno Granja e para as breves palavras de Manuel Cleto, diretor do Museu de Ovar.
Alentejano de Moura onde nasceu em 1946 e a viver em Lisboa para onde veio cedo, Afonso Valente Batista só começou a publicar os seus livros depois de terminar a atividade profissional como gestor num grande grupo financeiro, que acabou por identificar tratar-se do BES. Experiência e vivência profissional a que não será alheio o próximo tema que está a escrever, sobre a “ganância”. Uma surpresa partilhada perante quem cultiva o gosto pelos livros, que muito sensibizou este autor que na sua página no facebook escreveu: “ontem estive em Ovar com amigos, bons amigos. Fui lá falar de livros, dos meus livros, de escrita, da minha escrita, de palavras, de sentimentos, de memória, de saber pensar sobe a memória, de escrever sobre a memória colectiva que fomos e daquilo em que nos transformámos porque nos transformaram, de gente, da nossa gente, deste país, do nosso país, de sermos seres tão insignificante que não somos mais que espaço, tempo e memória que transformamos em sabedoria, de tanta de muita coisa”. “Enriqueci muito, ontem.” concluiu este escritor sobre a sua presença no À Palavra, que têm em agenda para dia 1 de julho, novos convidados como, Flávio Capuleto e no sábado dia 2, Hugo Vinagre e Tiago Beato para apresentarem o livro “Relato”. Em perspetiva está ainda uma sessão especial em Agosto para assinalar os três anos do À Palavra.
Texto: José Lopes (JL)
Fotos: José Lopes
14jul16