Não deixa de ser irónico que depois de praticamente extinta a atividade tipo artesanal de produção de sacos de papel, e das fábricas de papel que forneciam a matéria-prima com base na reciclagem de papel velho e trapos, que foram sucumbindo ao plástico que se impôs também no caso da sacaria. O projeto cultural do Município de Ovar que anualmente expõe na Escola de Artes e Ofícios temáticas alusivas à preservação de registos e memórias de artes e ofícios, de trabalhos artesanais das gentes do concelho, tenha dedicado este ano ao tema “Sacaria 4.7”, com a particular curiosidade de o edifício que a acolhe ser uma das memórias das fábricas de papel que não resistiu à decadência desta industria tradicional e à evolução de matérias-primas como o plástico e seus resíduos que poluem os oceanos asfixiando vida marinha e contaminando a cadeia alimentar, dando origem a um SOS à humanidade para salvar o planeta.
José Lopes
(texto e fotos)
A exposição “Sacaria 4.7” que foi inaugurada a 26 de janeiro e se prolonga até ao final deste ano, trás à memória o fabrico de sacos de papel numa época em que é urgente reduzir o plástico, assumindo assim esta mostra temática, uma atual componente pedagógica e de sensibilização ecológica, ainda que a indústria do papel tenha deixado também más memórias em termos ambientais a exemplo da poluição em linha de água como o então martirizado rio Cáster.
Sobre a arte da sacaria, são apresentadas várias fases de produção, devidamente ilustradas e acompanhadas por alguns elementos, registos e memórias desta atividade artesanal, que, como é devidamente documentado e identificado neste trabalho exposto, que tem coordenação científica e organização, conceção, conservação e restauro da Divisão da Cultura, Desporto e Juventude da Câmara Municipal de Ovar. Os visitantes recuam no tempo, ainda que de algumas décadas, em que o fabrico de sacos de papel, “disseminou-se no concelho de Ovar a partir do séc. XX, com maior incidência das unidades de produção na zona norte, nas freguesias de Maceda e Esmoriz, particularmente no lugar de Gondesende, acompanhando a multiplicação de unidades fabris produtoras de papel na região”.
No entanto, no concelho de Ovar, “a indústria papeleira estabeleceu-se na primeira metade do século XIX, com a fundação de duas importantes unidades de fabrico de papel pardo, para embrulho de baixa qualidade – a Fábrica de Papel de Arada e a Fábrica de Papel de S. Cristóvão de Ovar. Mas é durante todo o séc. XX que se manifesta o incremento do número de unidades produtoras ou transformadoras de papel no concelho: em Ovar, a Fábrica de Papel do Casal, a Fábrica de Papel da Madria, a Fábrica de Papel do Carril, a FAPOVAR, a Fábrica de Papel do Ave e a Indupel; em Arada, a Fábrica de Papel e Papelão Aradense e a Fábrica de Papel Ferreira Jorge; em Esmoriz, a Fábrica Simão Rocha e a Fábrica de Papel Irmãos Marques; e em Cortegaça, a Fábrica de Papel de Cardielos”.
Esta mostra sobre uma indústria que tinha essencialmente por base o “trapo, de linho ou de algodão (branco ou de cores), e das raspas de papel como matérias-primas para o fabrico de papel, recolhidas nos vários concelhos do distrito de Aveiro, porta a porta, por mulheres denominadas farrapeiras”, recorda o processo de fabrico de papel e diferentes fases, como a preparação da pasta no “moinho de galgas”. Ao que se seguia a “secagem” em “divisões, sempre de dimensões consideráveis, situado no piso superior da fábrica, sobre o espaço de produção”. Arquitetura industrial característica que o projeto do edifício da Escola de Artes e Ofícios preservou como um património da indústria papeleira.
Com alguns exemplares de diferentes medidas de sacos de papel na exposição, pode-se observar que, “a partir do início do séc. XX deu-se no concelho de Ovar, com mais incidência na zona norte, a disseminação de sacaria, unidades de produção de sacos de papel (cartuchos)”, que, em “muitas das unidades de produção de papel chegavam a acumular a atividade de transformação em sacos de papel”. Produção de sacos de papel que variavam na sua capacidade de peso de embalamento ou que podiam ser personalizados com diferentes tipos de papel, os de primeira, “eram produzidos em papel fino (costaneira), e os de qualidade inferior feitos de papel pardo”.
No final da exposição “Sacaria 4.7” o visitante é familiarizado com o conceito “economia circular”, como um “conceito estratégico atual, que assenta na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia”, o que em síntese, como é afirmado neste projeto cultural de recolha de artes e ofícios da região, “curiosamente, o processo de produção do papel é um dos exemplos ancestrais desta forma de funcionamento da economia sustentável registado no concelho de Ovar”.
Um setor da economia que viu a última unidade de produção de papel, encerrar no ano de 2017, em Arada, no concelho de Ovar, subsistindo unidades de transformação do papel na produção de cartão e no setor da embalagem, que também se podem ver alguns modelos desta exposição que, mostra ainda uma maquete de “roda hidráulica de acionamento de galga para preparação de pasta (à base de reciclados), séc. XIX”.
01jun19







