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Jardins Românticos e de Saudade

Carmen Navarro

O Porto ainda hoje possui alguns Jardins Românticos e outros que o são unicamente de saudade. Onde o reencontro com Deus e com as memórias que ficaram da passagem por este mundo de ente queridos que agora são raízes melancólicas e as folhas espalhadas no chão, na terra como a dizer, da terra vieste e em terra te tornarás no Jardim de Saudade.

Jardins de saudade.
Jardins patéticos.
Jardins de obstinação,
onde num pequeno
retângulo de terra,
todas as mágoas,
saudades, segredos,
permanecem
para sempre.
Jardins bem-amados
onde convivem
os que partiram
e os que ficaram.
Jardins repletos
de inscrições repensadas,
flores, árvores e pedras,
são símbolos
melancólicos
de encontros
não combinados.
Jardins de saudade
onde o luto
se dissipa.
Jardins de fantasia
onde não cabem
fantasmas,
mas, a pequena
sombra
de um cipreste.
A Morte
é totalitária.
No Jardim da Morte
não somos
todos iguais,
apenas a mão
que pousa
na pedra fria
é sempre igual,
ela leva
a solidão humana
aos jardins da saudade.

Carmen Navarro

A invenção dos jardins enquanto espaços de natureza ordenada, é uma primeira expressão do Homem e a sua relação com o belo da natureza só para a sua contemplação, é nessa expressão que o Homem se aproxima mais da arte e da poesia. Uma plantinha rústica de formas excêntricas, uma flor com um perfume diferenciado nos apaixona, pois há flores que nos sorriem.

O Porto já foi considerado a cidade dos jardins das flores, das Camélias. Frequentar os jardins foi um hábito dos tripeiros que lhes dava prazer e divertimento.

O Jardim

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
Sequências de convergências e divergências,
ordem e dispersões, transparência de estruturas,
pausas de areia e de água, fábulas minúsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcções de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curva vagarosas, pulsações de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmúrio de omissões, um cântico do ócio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volúveis.
É aqui, é aqui que se renova a luz.

António Ramos Rosa

O Jardim de S. Lazaro é o jardim municipal mais antigo da cidade do Porto. Típico Jardim Romântico cheio de poesia, com frondosas árvores, um coreto, um lago circular com um repuxo, uma belíssima fonte em mármore, oriunda do Convento de S. Domingos e algumas estátuas dispersas dos escultores Soares dos Reis e Henrique Moreira.

Neste jardim estão doze Magnólias enormes que estão protegidas e qualificadas, algumas Tílias. É todo murado encimado por um gradeamento com quatro portões de ferro que em tempos recuados eram encerrados ao toque das Avé-Marias.
Foi inaugurado em 1834, desenhado por João José Gomes e mais tarde melhorado pelo arquiteto paisagista Emile David

Para mim é um dos mais bonitos e poéticos Jardins Românticos do Porto.

Este Jardim foi dedicado às mulheres do Porto, para sua recreação, por D. Pedro IV, logo após o fim do Cerco do Porto em 27 de Janeiro de 1833, como” lenitivo às agruras e sacrifícios que passaram” durante o tempo que durou o Cerco.

Recordação

Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.

Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.

As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exaltação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.

E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.

Restitui-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ónix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha,
e incompreensíveis, incompreensíveis.

Cecília Meireles

As elegantes que se passeavam pelo Passeio das Fontainhas e no chamado Passeio do Carmo, passaram a exibir a sua animação e o luxo no Jardim de S. Lazaro. Que ostentação de sedas, de fitinhas e de rendas, ali reinava o cupido e era um autêntico campo de batalhas de amor da sociedade burguesa e tripeira, por vezes o seu lago transbordava com água de tantas lágrimas de amores contrariados pelos carrancudos Papás que vislumbravam um curto bigode que cobria o lábio superior de um interessado que fixava a donzela sua filha, com um fogo que lhe brilhava nos olhos. E a menina soltava um breve suspiro e assim chegava a hora da partida.

Química 

Sublimemos, amor. Assim as flores
No jardim não morreram se o perfume
No cristal da essência se defende.
Passemos nós as provas, os ardores:
Não caldeiam instintos sem o lume
Nem o secreto aroma que rescende.

José Saramago

O compromisso da Câmara Municipal do Porto com D. Pedro IV foi levado muito a sério que em 1838 fez sair um decreto com um Regulamento que deliberava: “não somente a conservação do Jardim, mas também a manutenção. Dentro do espaço, de uma patrulha, para garantir o escrupuloso cumprimento das instruções mencionadas”

Eram interditos entrar mendigos, carrejões, pessoas fora da burguesia, tudo para garantir que fosse um espaço calmo para as senhoras frequentarem, protegidas.

Durante trinta anos foi o espaço de busca de notícias para preencher as crónicas elegantes daquele tempo. Em breve tudo acabaria pois o Jardim Romântico do Palácio de Cristal e o da Cordoaria também românticos e enormes, lhe tirou a primazia. Os tempos também mudam e as próprias mentalidades também e assim chegou o Jardim de S. Lazaro ao outono da sua brilhante vida.

Canção de outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão…

Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão…

Cecília Meireles

Sentir poeticamente os jardins é um privilégio.

O jardim de S. Lazaro continua a ser um belo jardim e socialmente continua a ser ponto de encontro, os “janotas” de hoje são os reformados que ali no meio de tanta beleza têm o seu espaço para passar os tempos livres e jogar as cartas e entretêm-se com outros jogos e fundamentalmente, convivem.

O Jardim de S. lázaro continua a ser o meu preferido, pois sem dúvida, apesar de estar no meio do bulício da cidade continua a ser o mais belo e romântico.

O Porto é uma paixão!

 

Fotos: Luís Navarro

01jul19

 

 

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