Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP-PSP), há 13 anos, está deveras preocupado com um sem-número de problemas que afetam a Polícia de Segurança Pública. São graves questões, enumera-as, e com elas justifica as ações de luta que a sua associação, juntamente com outros sindicatos,tem vindo a desenvolver, mensalmente, nas principais cidades do País.
Paulo Rodrigues fala da falta de efetivos, dos baixos salários, de um parque de viaturas envelhecido e sem apoio, de um subsídio de risco aprovado pela Assembleia da República mas ignorado, na prática, pelo Governo, e de muitos outros problemas operacionais e socioprofissionais que condicionam a atividade policial e que poderão mesmo levar a PSP à rutura.
Exagero? O melhor é ler o que se segue, e você, por si, tirar as suas conclusões…
José Gonçalves Diogo Almeida
(texto) (fotos)
Há meses que elementos das forças de segurança, neste caso com destaque para os da Polícia de Segurança Pública, se encontram em luta. Desta última vez, e no passado dia 21 de janeiro, mostrando milhares de cartões vermelhos ao Governo, e em concreto ao Ministério da Administração Interna. Tem dado resultado essa forma de luta? E quais são os propósitos concretos que vos move para esse tipo de ações?
“Tudo passa pelo atual estado da instituição. Temos tido uma dificuldade enorme em fazer com que o Governo perceba as dificuldades que temos a todos os níveis, não só a nível operacional mas também socioprofissional.
A nível operacional, temos uma média de idades que ultrapassa aquilo que é aceitável, até porque, neste momento, a média de idades situa-se, a nível nacional, nos 46 anos. No Conselho Europeu, os sindicatos de polícia referem como idade equilibrada, ou normal, para poder desempenhar a função, os 39, 40 anos. Esta é a linha que eles consideram. A partir daí, já poderá estar em causa a capacidade de resposta do polícia. Polícia onde 90 por cento da sua missão é de ordem operacional. Um elemento tem, assim, de estar física e psicologicamente bem preparado. Com o avançar da idade perde-se, naturalmente, um conjunto de capacidades.
Este é um problema grave associado a um efetivo deficiente tendo em conta as responsabilidades e as exigências que temos. E o número de exigências tem aumentado. Temos pessoal em muitas áreas que, no passado, não tínhamos. Temos novos serviços específicos, mas continuamos com o mesmo efetivo. E o que é que acontece?
Temos vinte mil polícias, mas só quinze mil e quinhentos é que estão em serviço operacional. Os outros quatro mil e quinhentos, ou por questões de saúde, ou por causa da sua idade já avançada, não conseguem desempenhar esses serviços. Estão, somente, em serviços de apoio, de gestão administrativa etc. Assim, a PSP só pode contar com quinze mil e quinhentos polícias, o que é, manifestamente, muito reduzido para aquilo que são as necessidades. Por isso, é que, aqui no Porto, por exemplo, no mês de agosto, bastou um polícia meter baixa e a esquadra de Valongo ter de fechar”.
“ATÉ 2023, PODEREMOS FICAR SÓ COM MAIS DUZENTOS A TREZENTOS POLÍCIAS…”
O Ministério da Administração Interna fala no ingresso de 10 mil novos polícias nos próximos tempos…
“…o Ministério prometeu dez mil polícias para a PSP e para a GNR. Em concreto não sabemos quantos são para a PSP, mas acreditando que são cerca de quatro mil, isso não quer dizer que iremos ter um aumento de efetivos. Porque se, até em 2023, entrarem mais quatro mil, aqueles que, entretanto, vão sair por limite de idade, são cerca de três mil e seiscentos. Podemos ficar com duzentos ou trezentos polícias a mais, mas depois também temos de contar com aqueles que se vão embora …”
…e vão-se embora da Polícia por quê?
“Alguns por desagrado e outros por simples opção. Há um ou outro caso por demissão, porque se portou mal, mas esses são casos pontuais. Agora, há muita gente a sair da Polícia porque não vê nela uma carreira. Não vê na Polícia a evolução que as pessoas esperam ter. Hoje em dia, a maior parte dos que concorrem para a Polícia já têm cursos superiores.
O que há anos não acontecia…
“Exato! Isto começou a alterar-se a partir de 2000/2001, altura em que surgiram polícias com formação superior, por várias questões: uns, porque gostavam de ser polícias, e outros, porque não arranjavam emprego de acordo com as suas profissões. Nessa altura, a Polícia ainda era atrativa. Com o tempo deixou de o ser. Hoje, apesar de vermos muitos jovens com cursos superiores – cerca de 90 e tal por cento – a verdade é que depois de perceberem, exatamente, o que é a Polícia, a primeira coisa que fazem é abandonarem, concorrendo para outra profissão… para outra carreira. E isso acontece com frequência! Portanto, estamos a falar de alguns pontos que são essenciais e que fomos alertando o Governo…”
E qual a posição do Governo? Adiar a questão?
“Foi adiar. Nos últimos quatro anos – portanto, não quer dizer que tinha sido só este Governo – fomos identificando os problemas. A questão do efetivo; a necessidade de rejuvenescimento; de rever o modelo de gestão da frota automóvel; a questão da proteção pessoal, que era, e é, necessário adquirir equipamento específico para o polícia poder fazer o seu trabalho; a revisão dos vencimentos, que estão muito desatualizados…”
SALÁRIO MÉDIO DE UM POLÍCIA É DE 789 EUROS. EM ONZE ANOS HOUVE UM AUMENTO DE… 39 EUROS
Qual é o salário médio de um polícia em Portugal?
“Os elementos que saem agora da Escola Prática de Polícia vão entrar a ganhar 789 euros. Estamos a falar do índice da tabela da Administração Pública…”
Há onze anos era de 750 euros.
“Sim, houve esse pequeno aumento”.
Residual…
“…residual, e logo para quem tem uma missão como a da Polícia, que não é só de risco é-o também de responsabilidade. Depois, cada vez que há uma intervenção da Polícia – e hoje temos muitos casos – ela é publicitada por toda a gente. Uns a filmar, outros a tirar fotografias, o que ainda responsabiliza mais o nosso trabalho. Não temos que nos opor a isso, mas a verdade é que é uma responsabilidade que recai nas costas do polícia, porque ele tem de ser bom profissional; tem de garantir que, na sua intervenção, está sempre a cumprir, o que às vezes é muito difícil, porque, no repor da ordem pública, não se sabe dizer até onde vai o excesso, ou até quando a intervenção põe em causa a credibilidade da Polícia. Essa responsabilidade não é paga com 789 euros!”
“O GOVERNO NÃO RESPEITOU A ORIENTAÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA QUANTO AO SUBSÍDIO DE RISCO”
E defendem a criação de um subsídio de risco?!
“Defendemos a criação de um suplemento de risco e, no seguimento de uma petição pública que a ASPP fez, que entregou na Assembleia da República, e que foi discutida em janeiro de 2018. Todos os grupos parlamentares aprovaram a criação de um subsídio de risco, à exceção do Partido Socialista, que se absteve. A Assembleia da República aprovou!
Aquilo que o Governo deveria ter feito era seguir a orientação da Assembleia da República e criar na legislação esse suplemento, e, depois, podíamos discutir o faseamento dos valores, etc. Estamos disponíveis a isso.
Mas, a verdade, é que o Governo, pura e simplesmente, não respeitou aquilo que foi a orientação da Assembleia da República. E isto custa-nos porque, aliado ao vencimento, estamos a falar de responsabilidade e risco acrescido, que 789 euros não pagam”.
“NINGUÉM COMPRA MATERIAL PARA O TRABALHO PORQUE QUER!”
E, por exemplo, quanto ao fardamento, e às questões levantadas nesse sentido, o ministro da tutela, António Cabrita, disse que só compra fardamento quem quer, o que quer dizer que o Estado apoia os polícias nessa aquisição…
“Há aqui um equívoco. Uma coisa é o uniforme. O casaco, as calças, as botas, etc., isso faz parte do uniforme, e nós temos 50 euros por mês para a sua aquisição. Esse uniforme é por nós adquirido, e somos obrigados a fazê-lo para efetuarmos o serviço.
Outra coisa é o equipamento. Neste caso, estamos a falar em algo que as pessoas têm de comprar de modo a fazerem bem o seu trabalho, ou para, pelo menos, garantir a prevenção da sua integridade física. Por exemplo, as luvas táticas. São luvas que se se fizer uma revista e se encontrar uma agulha no bolso, uma seringa, ou um outro objeto contundente, não nos cortamos.
Ou, por exemplo, uma lanterna. As lanternas servem, se eu quiser, depois de ter mandado parar uma viatura, fazer uma revista; se quiser entrar num sítio menos iluminado, preciso, obviamente de uma lanterna O atual procedimento é: ou contacto os bombeiros e espero que eles venham com a respetiva lanterna e faço o trabalho, ou, então, faço o trabalho mas tenho de ter a referida lanterna. É evidente que ninguém vai estar a telefonar para os bombeiros para que venham com uma lanterna. O que é que nós fazemos? Compramos a lanterna.
Tenho pena que o ministro não saiba disto, porque ele não é ministro há dois meses, já o era na anterior legislatura. Tem assessores que são oficiais de polícia, portanto conhecem bem a casa. Ele vir com um comentário de que só compramos porque queremos, é incrível! Ninguém compra material para o trabalho porque quer!
Temos pessoal da Investigação Criminal que tem os seus portáteis para fazerem o seu trabalho. A maior parte dos polícias utiliza o seu telemóvel para poder comunicar com a esquadra, porque os rádios, por vezes, não funcionam, ou não são práticos para garantir a comunicação. Portanto, há um conjunto de situações que fazemos com equipamento nosso, com material nosso…”
Há anos…
“Sim, há anos! Não é uma coisa de ontem. As necessidades que a Polícia tinha, há trinta anos, são diferentes das que tem hoje, mas, a verdade, é que as questões são aquelas que nós vivemos, e são aquelas que o ministro devia saber, porque nós, todos os anos, fazemos o levantamento dos nossos problemas, entrega-mo-lo aos grupos parlamentares, ao Ministério e até ao Primeiro-Ministro…
“SE A POLÍCIA PRODUZISSE DINHEIRO PARA O ESTADO, AÍ…”
Então, por que é que há este tipo de laxismo?
“Se a Polícia produzisse dinheiro aí… tudo seria diferente, apesar de falarmos sempre nas contraordenações etc. Aliás, a maior parte da Polícia não tem a ver só com as contraordenações. Portanto, a grande parte do trabalho da Polícia não cria dinheiro.
Lembra-me, quando o Sindicato dos Funcionários dos Impostos, há uns anos, exigia melhores condições de trabalho e vencimentos, o Governo atualizou logo os vencimentos, mas também deu prémios se cumprissem com um determinado trabalho que garantisse um determinado valor. Basicamente, se vocês conseguirem cobrar os impostos que têm de cobrar… nós temos aqui prémios! Aí funcionou! E funcionou porque houve uma motivação acrescida. Na PSP isso não acontece.
Se fizer uma detenção, não é por isso que vou produzir dinheiro… não vou criar riqueza para o Estado. O nosso papel é outro. Ora, como o nosso papel é outro, os governos vão-nos desvalorizando. Vou investir na Polícia se isto não traz rendimento, só despesa?!
Claro que se começássemos a ter problemas como tem a Bélgica, ou a França, com o terrorismo ou com os coletes amarelos, as coisas mudavam de figura. E tanto é que os polícias franceses, logo a seguir às manifestações dos coletes amarelos, tiveram uma atualização salarial, porque eles disseram «assim não, desculpem lá, não vamos continuar assim, porque estamos a trabalhar aqui com um salário miserável». Alias, cheguei a dizer a alguns deles que se vissem o nosso salário…”
“O SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA QUE VÁ – SEM ANUNCIAR – VISITAR AS NOSSAS ESQUADRAS; QUE E VÁ VER OS CARROS QUE TEMOS, COMO É QUE TRABALHAMOS, QUAL É O NOSSO DIA-A-DIA…”
No contexto europeu, e no que concerne a salários, os polícias portugueses são quase terceiro-mundistas?
“No que diz respeito aos salários, claro que – e isto não é só na Polícia que acontece – somos os que temos os mais baixos. A Polónia, há sete ou oito anos, tinha um salário muito inferior ao nosso – o polícia ganhava cerca de 450 euros – hoje, um polícia na Polónia ganha mil euros. Há oito anos, íamos à Polónia e víamos uma série de dificuldades, e hoje as coisas são completamente diferentes”.
Houve investimento…
“..sim. Os países de Leste, em dez anos, e no que diz respeito a equipamento das polícias, ficaram muito à frente de Portugal. Isto em dez anos. Por isso, dizer-se, logicamente, que o nosso Governo foi deixando correr as coisas.
Só para ter uma ideia, a Unidade Especial da Polícia tem um equipamento relativo à ordem pública que lhe foi atribuído em 2004, por causa do «Europeu» de futebol, e isso porque íamos fazer segurança num importante evento. Esse equipamento, entretanto, nunca mais foi atualizado.
Atualmente, continuamos com capacetes que o pessoal tem de arranjar, porque se não o fizer fica sem ele. O próprio equipamento – desde caneleiras, proteção torácica, etc. – está completamente ultrapassado.
Há casos em que o pessoal teve de arranjar equipamento para poder utilizar. Estamos mesmo no limite da situação e só o Governo é que não quer ver isto. Tapa o sol com a peneira! Às vezes ouvimos os políticos a falar da Polícia, como se a Polícia não tivesse um grande problema. E eu já disse várias vezes: convidamos a sociedade, e o senhor Presidente da República, a visitar as esquadras de Polícia. A ir lá sem anunciar. Vá lá, vá ver os carros que nós temos; como é que trabalhamos, como é o nosso dia-a-dia.”
“HOUVE UM CARRO PARADO SEIS MESES POR CAUSA DE UMA AVARIA NO MOTOR DO VIDRO”
No parque-auto, a PSP continua com os problemas de há uns anos? Há, pelo menos sete, aqui neste jornal, foi referida essa preocupação…
“O Governo fala num investimento plurianual na última Legislatura e eu acredito que sim. O problema é outro, é que eu ainda não vi as coisas alterarem depois da aprovação desse investimento.
Na questão da frota automóvel, acho que já não é só o problema relacionado com a falta de viaturas, é o modelo da gestão da frota. Temos muitos carros que têm um ano, ou dois, e que estão parados porque precisam de reparação, que em muitos dos casos, não passa os cento e cinquenta euros. Como é possível ter um carro durante meses parado?
Dou-lhe um exemplo: no aeroporto de Lisboa esteve lá um carro, praticamente, seis meses parado, porque o motor do vidro estava avariado, e esse carro tinha dois anos. Isto não pode acontecer!
Das duas uma: ou o Governo passa a dizer que nos vai atribuir cem carros e cada carro tem o valor associado para reparações nos próximos quatro, cinco anos, ou então não dá nada…”
“A CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO ESTÁ A FAZER UM EXCELENTE TRABALHO NA E COM A POLÍCIA MUNICIPAL…”
A Polícia Municipal é importante? Trabalha? Funciona?
“Se fizesse essa pergunta há 20 anos, eu dir-lhe-ia que isso não era importante, porque a Polícia de Segurança Pública fazia o seu trabalho. Neste momento, a Polícia Municipal é imprescindível. Por quê? Porque se a Polícia Municipal não fizesse o que tem feito, não era PSP que conseguia dar resposta. A PSP não consegue fiscalizar parquímetros; não consegue fazer uma gestão de regulação do trânsito dentro das cidades; não consegue ocorrer àquelas questões que são mais camarárias.
Se formos ver, e comparar, o investimento que está a ser feito, por exemplo, na Polícia Municipal do Porto, onde há um forte intervenção nesse sentido por parte da Câmara Municipal uma vez que reconhece a importância que a Polícia Municipal tem -, e o que é feito na PSP, não há comparação possível. Portanto, a Câmara Municipal do Porto está a fazer um excelente trabalho na e com a Polícia Municipal. Sempre que há um problema, ele é resolvido rapidamente…
A Câmara Municipal investe mais na Polícia, neste caso municipal e do Porto, que o Estado na PSP. É isso?!
“Investe muito, mas muito mais! Por exemplo: só os carros-patrulha das polícias municipais estão muito acima dos da PSP. Vamos ver o material de proteção pessoal; o horário de trabalho; as condições socioprofissionais… está tudo acima da PSP.”
“OS POLÍCIAS MUNICIPAIS TÊM MAIS REGALIAS E DIREITOS QUE OS DA PSP”
A brincar a brincar, a PSP ainda vai passar a ser municipalizada…
“As polícias municipais que são constituídas por pessoal da PSP são as do Porto e de Lisboa, e, a verdade, é que há muita gente a querer ir para lá, até porque, e logo em primeiro lugar, vão ganhar mais duzentos euros, para além do vencimento. Depois têm melhores condições de trabalho. Podem fazer exercício físico no decorrer do horário laboral. Esse exercício é obrigatório; sejam caminhadas; seja natação, defesa pessoal… ou seja, coisas que tomaríamos nós ter na PSP. Os polícias municipais têm mais direitos e regalias que os da PSP.
É claro que isto é uma contradição, e nós – quando somos obrigados a fazer trabalhos em conjunto com a Polícia Municipal – registamos essas diferenças. Aí vemos o equipamento que têm – mesmo a nível pessoal-, e que é muito superior ao da PSP.”
E quanto à Polícia de proximidade. Deixaram de andar na rua? Não só importante pela forma dissuasória, mas também de acompanhamento e apoio direto ao cidadão?
“Neste formato, e neste modelo, é impossível! «Proximidade» é um conceito lato e que depois derivou, para especificar muito mais, nomeadamente as equipas de comércio seguro, do apoio ao idoso, às vítimas de violência doméstica, escola segura etc. Só os programas é que continuam a existir, com muita dificuldades e falta de meios. O policiamento de proximidade é interessante e que funciona, mas tem uma contrapartida, é que é preciso muito pessoal…”
“PARA FAZERMOS POLICIAMENTO DE PROXIMIDADE NUMA SÓ FREGUESIA, TERÍAMOS DE QUADRUPLICAR O NÚMERO DE POLÍCIAS…”
E não há pessoal?!
“Não há! Para podermos fazer policiamento de proximidade numa freguesia, tínhamos quase que quadruplicar o número de polícias, porque se temos dois agentes na esquadra e outros dois no carro-patrulha, eles só estão prontos para responderem às ocorrências, não há polícia para a proximidade. Tínhamos de ter três carros-patrulha a funcionar, e equipas específicas de cerca de vinte ou trinta elementos, e em todos os turnos.”
Em que estado se encontram as esquadras no Porto?
“Há vinte e anos para cá houve uma grande alteração. Temos a noção que esquadras houve que foram reconstruídas e outras construídas de raiz. É verdade que o paradigma é bem diferente do de há duas décadas, sobretudo no Porto.
Mas, neste momento, acho que houve muitas que foram requalificadas e que, ao deixarem de ter manutenção, estão outra vez na decadência, como acontece com a da Investigação Criminal, na Rua dos Bragas. Depois temos a esquadra da Bela Vista, onde está sediado o Destacamento da Unidade e o Núcleo de Apoio Geral e outros serviços. Claro que não é de acesso ao público, pois ninguém lá vai apresentar queixa, mas, aí, trabalham, diariamente, mais de cem polícias, e por lá ficarem, às vezes, 48 horas seguidas, tendo lá que comer, dormir, portanto a aí terem de fazer tudo um pouco o que teriam de fazer em casa… e, por lá, não tem as condições mínimas.
Estamos a falar de um edifício muito antigo, e que só não foi sujeito a obras porque o investimento era avultado. Assim sendo, e pelos vistos, teremos de sair dali para outro sítio. Dizem que há um local junto ao Viso… umas instalações do Estado que poderão ser preparadas para isso, mas, até agora, não vimos nada… só promessas!”
Nem em papel? Projeto?
“Nem em papel! Se calhar existe, nós é que não sabemos.”
“PARA COMBATER O TRÁFICO DE DROGAS É PRECISO… PESSOAL”
No Porto há zonas, bem delineadas, em que o tráfico de drogas é cada vez mais acentuado. O nosso jornal tem relatado e relevado questões relacionadas com o problema. A Polícia sente-se impotente para dar resposta a este flagelo? Refiro-me a traficantes…
“Qualquer polícia quer combater a droga e o mais próximo da fonte, do que estar a fazer detenções de pessoas que são consumidoras e pouco mais. Mas, para trabalharmos neste problema, obriga (lá está) a termos mais efetivos; mais condições… Voltamos, assim, ao cerne de toda esta questão. Para o serviço ser feito com qualidade é preciso ter pessoal. As pessoas ainda não notaram que esta falta de efetivos, e o envelhecimento do existente, está a prejudicar a PSP. Ainda não se aperceberam, mas pouco a pouco vão se aperceber…”
…e isso através das manifestações mensais, ou mais pela via dialogante?
“Pelas duas coisas. A questão dos «cartões vermelhos» é simbólica, mas todas as ações pretendem duas coisas: primeiro, alertar o Governo e dizer que não é só o sindicato «a» ou «b» que está ali a negociar; que está chateado ou que acha que a coisa está mal. A situação é mais abrangente, e que é a própria Polícia que sabe quais os seus problemas. Depois, pressionar o Governo ao dizer que estaremos sempre em luta…
Mas, por outro lado, é também, alertar a sociedade e dizer-lhes que a Polícia está insatisfeita, e porque que está insatisfeita; e o que é necessário fazer para que as coisas se resolvam.
No fundo, trata-se de alertar a sociedade em concreto, porque nós sabemos que se mantivermos esta política as pessoas vão notar muito uma alteração por parte da segurança. Vão ter mais insegurança, mais problemas; vão sentir mesmo aquilo que é o sabor da insegurança que acontece em outros países e que, felizmente, aqui tem ainda passado despercebido. Não podemos ficar com a responsabilidade de não termos alertado, não só o Governo, mas também a sociedade em geral. A questão não é só dos polícias, é de todos!”
“TEMOS EXCELENTES OFICIAIS, MAS TAMBÉM TEMOS QUEM VEIO PARA CÁ PARA TER UMA CARREIRA, SUBIR DE POSTO, GANHAR MAIS UNS TROCOS E POUCO MAIS… ISSO ACABA POR PREJUDICAR A INSTITUIÇÃO”
E a própria Polícia está a ser bem gerida? Os vossos responsáveis – os comandos – estão a trabalhar bem?
“Também acho que aí há, de facto, um problema. Temos excelentes oficiais, mas, a verdade, é que também temos outros que vieram para cá para não ser polícias, vieram para cá para ter uma carreira, para irem subindo de posto, para ganharem mais uns trocos e pouco mais. Isso é visível!
E aqueles que não vieram cá para desempenhar o seu papel como oficiais de polícia acabam por prejudicar toda a instituição. Temos polícias que estão a fazer um trabalho excelente, mas acabam também por estar a remar contra a maré.
Achamos que a Polícia tem de ter líderes. Ou seja: os polícias não podem ser só de secretaria, para ver se os polícias se portam bem. Não! Têm de ser mais interventivos; têm de assumir a responsabilidade. Têm, no fundo, que assumir-se como líderes. Não fossem as divisas, muitos não eram comandantes, e outros nem precisam delas para se saber que são Comandantes… as pessoas reconhecem-nos.
Aqui há, assim, um trabalho muito importante a fazer que é começar a escolher e a preparar o Instituto Superior da Polícia para formar lideres; lideres comandantes. Há comandantes bons técnica e fisicamente e etc. mas, depois, falta-lhes os bons princípios, que se enquadrem naquilo que é a missão da PSP, e que não venham para cá só para se autovalorizarem. Não! Por vezes, notamos que podíamos ser melhores se houvesse outro tipo de pessoas…”
Quais foram as grandes conquistas da ASPP-PSP nos últimos tempos?
“Há uma grande conquista, ainda eu não era polícia, foi a possibilidade da Polícia poder ter liberdade de expressão.
Antes dos anos 90 do século passado, qualquer polícia, que viesse para a comunicação social dizer mal disto ou daquilo, ou que até dissesse qualquer coisa à família e depois se soubesse na esquadra, era logo punido.
A questão do horário de trabalho. Não havia definição de horário. O polícia sabia o que ia fazer perante aquilo que lhe era dito, nesse dia, pelo comandante. A partir do ano 2000, houve uma alteração nas tabelas remuneratórias, por muito que agora não estejam atualizadas, foi, na altura, um pequeno passo. Depois, a questão de elevar os níveis e os critérios para o pessoal ingressar na Polícia: passámos para o 12.º ano como escolaridade mínima obrigatória, o que foi, sem dúvida, uma mais-valia.
E a única forma que conseguimos arranjar para ir melhorando o vencimento, foi a conquista do suplemento de turno, porque os polícias faziam turnos e não eram pagos por tal. Começamos a ter um horário de trabalho mais próximo daquilo que é o administrativo, apesar de o não se cumprir. Temos de fazer 36 horas, mas nunca fazemos só 36 horas. Houve polícias, recentemente, em Braga, a fazer 20 horas seguidas de serviço, e no final do mês levaram exatamente o mesmo como se trabalhassem seis horas. Isto é de facto um problema que, pelo menos, devia obrigar a uma reflexão, até porque, no dia a seguir, o polícia volta a estar ao serviço, e em que situação ele se encontra?”
“HÁ UM EXAGERADO NÚMERO DE SINDICATOS NA POLÍCIA!”
Não há sindicatos a mais na Polícia? Quantos são ao todo?
“Neste momento, a PSP tem para aí uns dezoito sindicatos”.
Dezoito sindicatos para 20 mil polícias… convenhamos?!
“É, realmente, exagerado! O sindicalismo foi difícil de conquistar na Polícia e a ASPP foi a promotora disso, quando fez a célebre manifestação dos «secos e molhados». Essa ação levou à conquista do sindicalismo, e que as pessoas percebessem bem a nossa situação. Por isso, tivemos muita gente do nosso lado em 1989, facto que teve a ver, basicamente, com os princípios que estavam subjacentes à necessidade de termos sindicalismo, cortando com aquilo que existia antes do 25 de Abril.
A verdade é que, em 1989, já tínhamos ultrapassado a questão da Revolução há muitos anos, e os polícias continuavam a trabalhar da mesma forma como antes do 25 de Abril. A repressão era a única forma de resolver os problemas. Os polícias não tinham liberdade de expressão. Cada vez que o cidadão entrava na Polícia perdia um conjunto de direitos. E isso levou a que se criasse o sindicato.
Em 2002, houve a liberdade sindical, porque se percebeu que havia maturidade. A partir daí foi a proliferação de sindicatos. Foram sendo criados, praticamente, todos os anos um a dois sindicatos. Nunca se percebeu por quê?! Até que começamos a estudar o caso e concluímos que muitos polícias queriam ser dirigentes sindicais, única e simplesmente, para gozarem os créditos a que têm direito para a atividade sindical, e não propriamente para desempenharem e desenvolverem a atividade em si.
Este facto começou a prejudicar quem estava a fazer um trabalho credível, ou seja, os próprios polícias – por exemplo: quando estou de folga num domingo e um colega mete uma dispensa sindical porque, supostamente, vai a uma reunião, e que me obriga a trabalhar nesse domingo, pergunta-se se os sindicatos estão aqui para lutar pelos direitos, ou se estão, neste caso, a prejudicar-me? Depois, todos pagamos. Pagam aqueles que fazem, e os que não fazem. Mas, os polícias reconhecem a diferença entre aquilo que é o papel que a ASPP tem tido, e o dos outros sindicatos, pelo que somos ainda os mais representativos.
Até que, entretanto, fomos obrigados a lutar por um alteração à Lei Sindical, e isso veio mudar um pouco o paradigma do movimento sindical, pois os outros sindicatos deixaram praticamente de existir, uma vez que os créditos passaram a ser atribuídos atribuídos de acordo com a representatividade, e, por isso, é que hoje só temos cinco sindicatos representativos.
Dos grupos parlamentares conseguimos que estivessem de acordo em fazer uma alteração, e perceberem que a própria Polícia estava a sofrer com isto, porque tinha quase quatro mil profissionais com direito a quatro dias de crédito por mês, e que estava a originar um caos! Havia até sindicalistas que não iam ao trabalho há um certo tempo, o que achei curioso, porque sou presidente da ASPP há 13 anos e faço parte da Unidade Especial da Polícia, e como para se ser sindicalista temos de viver aquilo que são os moldes da instituição, assim sendo continuo a fazer o meu trabalho, tendo quatro dias por mês para atividade sindical. Não há nenhum mês que não tenha de utilizar as folgas porque somente em quatro dias não consigo, mas é muito mais fácil para mim perceber as dificuldade das dinâmica da instituição fazendo parte do trabalho…”
“ROTULAR A POLÍCIA DE RACISTA É PREOCUPANTE!”
O que aconteceu, há pouco tempo, na Amadora, da eventual agressão de um polícia a um pessoa…
“Há uma questão que está a ser bastante preocupante em meu entender. É que rotular o polícia de racista é perigoso. Porque ao estar a rotular a Polícia de racista parece que estamos a colocar a Polícia contra a sociedade, a liberdade e a democracia, quando a Polícia é, precisamente, o contrário.
Não posso dizer, com garantia, que não há um ou outro polícia racista. Na minha atividade – e estive na Divisão da Amadora, na esquadra da Damaia, que são zonas muito problemáticas – foram muitas as ocorrências complicadas, em situações que tive de utilizar arma de fogo, onde também fui agredido, passei por tudo, mas nunca vi da parte de um polícia intervir, utilizando a força física, só porque a pessoa é negra, porque é cigana, porque tem outra alteração ou tem outras ideias. Nunca vi! Não quer dizer que não exista, mas nunca vi.
Claro que somos 20 mil polícias, somos o reflexo da sociedade, mas nem sei se o Ministério Público tem alguma queixa de atitudes racistas, e se algum polícia alguma vez foi punido por questões de racismo… não sei! O que está a acontecer é preocupante, porque qualquer intervenção que a Polícia faça com alguém que seja, por exemplo, cigano, a primeira coisa que vão dizer é que foi uma intervenção racista, ou com tendência racista. Isto põe em causa a nossa ação.
Somos quase obrigados a dizer, se é um cigano em questão temos de ver quantos polícias de etnia cigana para intervir no caso; temos que ter em atenção ao número de polícias negros para intervir em casos que envolvam pessoas negras e por aí fora. Acho que isto é a pior coisa que se pode fazer.
O que deve fazer-se – e não estou aqui a dizer que todos os polícias atuam bem – é que se houver alguma intervenção que tenha corrido mal, ou que se perceba que essa intervenção foi para lá daquilo que era o que está na Lei e que é o regulamento, que se faça investigação, e se depois se concluir que aquilo teve por base questões racistas, então, que se punam as pessoas.
Agora, partir logo do princípio que se o polícia é branco intervém com um cidadão negro só por si já é racismo? Isso põe em causa tudo, e acaba por incentivar ao ódio; acaba por colocar a Polícia contra a sociedade, contra a liberdade e a democracia. O debate não pode ser este”
“ESSA IDEIA QUE TEMOS UM PAÍS SEGURO, PASSA PELA CAROLICE DOS POLÍCIAS”
Debate interno…
“Internamente, sim. Mas também político, porque é preciso entender-se o que se espera da Polícia. Estou na PSP desde 1999 e nunca vi a Polícia tão revoltada, de agentes a oficiais superiores. É uma revolta transversal. Pessoal que não participava em ações de protesto, e que, hoje, acha mais do que nunca ser preciso esse protesto. Há uma grande percentagem de oficias a participar nas ações. O Governo tem olhar para isto com olhos de ver…
E se não olhar?
“Há serviços que vão parar. A Polícia vai começar a parar. Deixam de comprar material. Deixam de levar as coisas. A Polícia corre o risco de morrer por ela própria. Há serviços que estão a funcionar por carolice dos polícias…
E o ministro não tem conhecimento desta realidade?
“O senhor ministro acha que nós estamos a exagerar. Acho que ele ainda recebe informações de alguns assessores que são oficiais de Polícia, e que não lhes passam, verdadeiramente,a informação do que se vive no terreno, pois eles estão mais tempo no gabinete do que cá fora. Nós, ASPP, temos transmitido toda a verdade ao senhor ministro. Espero que ele acredite no que estamos a dizer. Estamos a atravessar um momento complicado e de grande exigência. Essa ideia que somos um País seguro é uma ideia que passa simplesmente pela carolice dos polícias… mesmo assim a questão é grave, pelo que estamos abertos ao diálogo.”
01fev20














Tudo o que a ASPP, relata aqui é a realidade diária nos serviços da PSP, que estão em queda rápida…..se não forem tomadas novas medidas para valorizar os serviços conseguido até ao presente….