António Pereira tem 71 anos. Não é mais conhecido que São Gonçalo, mas, em termos de popularidade local, coloca-o em situação de saudável e credível concorrência. O facto de ter sido sócio fundador e ativo dirigente da Associação Desportiva de Amarante, fez com que lhe colocassem, como “cognome”, as siglas da coletividade… ADA. António da ADA!
Mas, a popularidade de António não passa só por aí.
Quem não o conhece em Amarante? Pois, quem não o conhece em Amarante desconhece Amarante e logo o fruto de todo um trabalho de pesquisa por ele desenvolvido, quanto a lendas, histórias e tradições que fizeram e fazem desta uma cidade, verdadeiramente, singular.
E singular é também o nosso entrevistado, quanto mais não seja pelo facto de “dominar”, sem qualquer tipo imposições, toda a entrevista, tal é a paixão que tem pela Amarante que o viu nascer e onde vive, e ainda pelas tradições que foi encontrar no “fundo do baú” e que ainda o ligaram mais, e ainda ligam, à cidade que, sem complexos, se envaidece por ser banhada pelo Tâmega.
José Gonçalves Mariana Malheiro
(texto) (fotos)
Vamos, então, dar a palavra “ao” António da ADA, pessoa que conhecemos no passado dia 15 de julho, após uma hora de expresso entre a cidade do Porto e a de Amarante (autocarro muito confortável e com condução segura, diga-se de passagem), e onde fomos conviver com um “calorzinho” que se foi acentuando ao longo do dia, mas que foi combatido pela frescura dos arborizados e belos locais de Amarante. Depois de um almoço “divinal”, deslocamo-nos ao Parque Florestal, junto da “Ilha dos Amores”…
Mas, afinal quem é António Pereira, ou, neste caso concreto, o António da ADA, que, em Amarante, é extremamente conhecido?
“Para já, digo-vos que Amarante está no meu coração como eu estou no coração de Amarante. Não digo que seja a cidade mais bonita do país, mas é a mais linda do mundo”.
E à cidade está ligado de forma ativa através da “Associação Desportiva de Amarante, isto desde 1977. Fui sócio fundador; pertenci aos corpos sociais até há dois anos, e, portanto, por lá estive, como dirigente, durante quarenta anos”.
E onde foi responsável por “sete secções”, pois “quando era necessário alguém para que uma secção não acabasse, esse alguém, eu, estava sempre presente. É bom, entretanto, referir que quando a ADA nasceu só tinha futebol. Só depois arrancamos com o atletismo e o voleibol, procurando tornar o clube mais eclético, o que conseguimos, uma vez que, atualmente, temos 462 atletas de formação. É tudo amador! De amadores, e jogadores que recebem um pequeno subsídio que não sei se chega para o combustível que gastam. Mas, eles são também amantes do desporto, e, assim, felizmente conseguimos ter todas estas modalidades em funcionamento”, refere António da ADA.
E, quando se fala em modalidades na ADA, fala-se em Andebol, Atletismo, Aeróbica e Ginástica Localizada, Canoagem, Futebol, Futebol Feminino, Montanhismo e Pedestrianismo, Trail Running e Voleibol. Não é coisa pouca, não senhor!
“NÓS, AMARANTINOS, ESTAMOS A ESTRAGAR AMARANTE…”
Mas, o facto de ter sido dirigente da ADA, não que dizer que António tenha a sua presença ligada, exclusivamente, à “atividade de secretária”. Nada disso, até porque, ainda hoje, e aos 72 anos, António ainda pratica desporto. “Ainda pratico atletismo. E além do atletismo, faço caminhadas e marchas de montanha. Sou um amante de qualquer modalidade”. E, são estas atividades, uma das vertentes da sua vida na sociedade amarantina, preservando e fomentando, António Pereira, ou António da ADA, o convívio, palavra que lhe é, particularmente, cara.
“Convívio é uma palavra que gosto muito de dizer. Viver é bom, mas conviver é muito melhor. E em Amarante é bom viver! Mas, no fundo, é como todas as terras: tem os seus prós e os seus contras. Todavia, tem muitas coisas que nos levam a dizer, repetidamente, que vale a pena viver em Amarante, desde que saibamos aproveitar aquilo que temos.”
“Mas, a verdade, é que nós, como amarantinos”, continua António da ADA, “estamos a estragar Amarante, pois ela já foi mais bonita que aquilo que é. Há quem pense o contrário, mas isso é salutar pois é bom – até ver! -, a divergência de ideias. No entanto, e em meu entender, Amarante deveria ser mais cuidada por parte de todos os amarantinos, pois a cidade não foi aproveitada turisticamente como deveria ser. Amarante pela beleza que tem, e por ser uma terra diferente das outras, chama os turistas. Por isso, a restauração, a hotelaria e o turismo apelarem à necessidade de um maior investimento na sua promoção”.
António da ADA defende que todo o evoluir que Amarante possa vir a registar, tem de ser feito de forma harmoniosa…
“O desenvolvimento tem de ser harmonioso e não, como acontece por vezes, agressivo à natureza e à paisagem. Por isso dizer, como disse, que temos estragado Amarante! Temos estragado a paisagem tendo em conta um dito desenvolvimento, que admite certas construções, as quais podem alterar o nosso património; património que é a beleza natural de qualquer terra”.
Com este tipo de ideias, é natural perguntar se António já foi autarca ou candidato ao lugar. A resposta não tardou…
“Fui convidado, por diversas vezes, para fazer parte da lista de um partido com hipóteses de eleição. Todavia, tenho, na verdade, feito parte de listas, mas nas de uma força partidária, onde, na prática, não tenho hipótese de ser eleito. É um pequeno partido e tem dificuldade em formar listas, por isso, e para ele poder concorrer, dou, dessa forma, o meu contributo”.
Mas, por que razão António da ADA é tão conhecido em Amarante, chegando-se ao ponto de dizer que, na terra, chega a ser mais popular que o doce de São Gonçalo? A comparação, provoca risos.
“Não. Não vamos pôr a ADA a competir com um doce como o de São Gonçalo, o doce cefálico do São Gonçalo já se vendia às escondidas nos anos 50 do século passado. Às escondidas porque o seu feitio – que é conhecido por colhõezinhos de São Gonçalo -, e o seu formato, não podiam estar à vista, pois feriam suscetibilidades. Depois do 25 de Abril, lá pelos anos 80, já era vendido sem problemas, e , atualmente, até já há uma segunda versão: é fofo e com recheio, e às vezes até brincamos com isso…”
FAZER REVIVER AS TRADIÇÕES
Mas, em boa verdade, António Pereira, ou da ADA, começou a ser conhecido das gentes amarantinas, essencialmente, pelo facto de ser como que um “guardador de memórias”, e um incentivador à restituição de práticas antigas e que tiveram um importante significado na vida de Amarante.
Investigador autodidata de lendas e histórias do concelho, assim como de práticas perdidas no tempo, o nosso entrevistado, e entrevistado precisamente por essa causa, é um defensor acérrimo, dessa cultura popular como património imaterial do município amarantino.
António da ADA conseguiu fazer reviver as tradições perdidas de uma Amarante de outros tempos, depois de um início de trabalho de investigação, verdadeiramente, curioso, como ele faz questão de contar…
“Vivi numa família de agricultores, mas, a minha falecida mãe era uma pessoa que tinha vivido na Foz do Douro, no Porto, desde os 12 aos 24 anos, altura em que veio para Amarante, porque por aqui casou. Talvez por isso, trazia a saudade que sentiu de Amarante, enquanto dela esteve ausente. Quando cá chegou, tudo o que era tradições ela praticava-as.
Essa é uma das razões para eu ter recuperado uma das tradições que estava perdida no concelho de Amarante, e que era só mesmo deste concelho: a Noite dos Carrapatos. Essa noite, em vários países do mundo, e em Portugal em várias cidades, realiza-se na noite do 30 de abril para o dia 01 de maio, em que se coloca aquela flor amarela, a Maia, nas janelas”.

“Mas, ainda nessa noite”, continua, “havia, por cá, a tradição das pessoas irem para o escuro – isto até aos anos 60, porque havia pouca iluminação pública -, ou seja, iam para sítios ermos, entre os arbustos, e aí desvendarem os podres dos vizinhos.
Por exemplo: uma rapariga que tinha um namorado, que, por sua vez, se sabia que com ele já tinha relações. Ela era descoberta nessa altura. E dizia-se «porque, aquela rapariga que mora em tal rua, entre o número 31 e o 35, já anda metida com o fulano de tal». Não se dizia quem era, mas toda a gente sabia que a porta era a 33.
Havia também quem ia roubar um frango, ou qualquer coisa assim do género, a uma Quinta, e quem sabia disso aproveitava, essa noite, para dizer o que tinha acontecido, desmascarando o autor da «proeza»”.
E tudo era feito às escondidas, até porque, segundo o nosso entrevistado, o Regime (fascista – antidemocrático) não permitia certas ou determinadas ousadias.
“No dia 01 de maio, não se podia comemorar o Dia do Trabalhador, isso só depois do 25 de Abril. Nessa altura”, continua António, “o 1.º de maio era um dia de trabalho normal. Mas, em Amarante, na noite de 30 de abril para 01 de maio, triplicava o número de agentes de autoridade, e isto porque, além – como atrás exemplifiquei – de se descobrirem os podres das pessoas da terra, havia quem aproveitasse a tradição para mandar umas bocas ao Regime. Essa era uma forma de contradizer o regime salazarista”.
OS “ALCUNHOS”
Contudo, esta tradição, ou seja “a Noite dos Carrapatos, perdeu-se”, pelo que, e como nos conta o António da ADA, em 2020, “ e estando eu num daqueles dias em que me encontra mais em baixo, porque achava que Amarante não se estava a mexer… pensei na minha falecida mãe, e veio-me à ideia o facto de a 30 de abril, ela brincar, à noite, com umas amigas que viviam na margem esquerda do rio – nós vivíamos na da direita -, pegando num funil de encher as pipas do vinho, para distorcer a voz, e lançar umas brincadeiras para as vizinhas da outra margem. Pensei, então, refazer isso, mas, ao mesmo tempo, refleti: se vou fazer uma Noite dos Carrapatos, e a descobrir-se todos os podres do pessoal, eu não ando 200 metros porque, é porrada pela certa…”
Havia, então, que tornear a situação, fisicamente, mais embaraçosa, surgindo a António, uma outra ideia. Aliás, ideias não faltam a este homem…
“Foi aí, então, que me lembrei de uma forma de maneira a poder recuperar a tradição: vou enunciar os «alcunhos»! Os «alcunhos» são, para mim, hoje em dia, cognomes. Se o D. Afonso Henriques, por ter conquistado terras, teve o cognome de Conquistador, o outro por criar o Pinhal de Leira, o de Lavrador, e havia ainda o Gordo, um rei que nada fez, mas porque era gordo ficou assim; por que é que nós, os pobres, tínhamos alcunhos e não cognomes, tal como as ditas pessoas com sangue azul? Não, não podia ser! Assim, e a partir de 2010 passou, em Amarante, toda a gente a ter cognomes. Pus-me, então, a pensar nesses cognomes, e só na freguesia de São Gonçalo, eu, numa tarde, consegui logo mais de quarenta. E pus-me a ler e a rir, e já lá estava o meu que é «Salpicão», e da família da minha falecida esposa, que era «Galegos»”.
Estava dado o “tiro de partida” para António da ADA avançar com o seu estudo…
“A um outro dia continuei a pesquisar, até que cheguei aos cento e oitenta só na freguesia de São Gonçalo. Mas, não fiquei por aí. Continuei a pesquisar e cheguei aos 222, os que tenho atualmente. Tive que me deslocar a várias freguesias do concelho. Conversar com pessoas idosas, que não são fáceis para lhes apanhar os alcunhos, pois tinham medo que se soubesse que foram eles que os deram. Mas, como lhes mostrava os que já tinha da freguesia de São Gonçalo, eles achavam piada, e lá havia um que dizia, ia a outro lado e conseguia mais um, e portanto já tenho mais de duas centenas de alcunhos faltando-me ainda três freguesias do concelho.
Mil seiscentos e oitenta e dois alcunhos, no concelho de Amarante, é já um número bastante aceitável. A verdade, porém, é que este nunca será um trabalho concluído, porque esses alcunhos vão aparecendo ainda nos dias de hoje. Este é um património imaterial de Amarante”, realça António da ADA.
O “DIA DO HOMEM DA PERA BRANCA” E A SOLIDARIEDADE PARA COM OS MAIS NECESSITADOS

Amarante tem grandes vultos, designadamente no aspeto cultural, que de lá são naturais, como, e estes são só mesmo alguns exemplos, Amadeo de Souza-Cardoso ou Agustina Bessa-Luís, e que não são, de forma alguma, esquecidos pelos amarantinos, mas António da ADA, também enaltecendo esses vultos, quer é que também, os menos conhecidos, tenham o seu lugar reservado na história do concelho. É por isso que divulga as tradições perdidas…
“Amarante vira-se, realmente, para os grandes nomes, ou seja, para os ilustres amarantinos que são, realmente, respeitados cá na terra. Todavia, quem não for ilustre tem muita dificuldade em entrar na cultura em Amarante, não só agora, mas ao longo dos tempos.
Eu recuperei os Carrapatos e o Carnaval à moda antiga de Amarante, que só aqui se realizava, e que tem uma história também muito interessante, assim como o Dia do Homem da Pera Branca, que é no dia 01 de dezembro, o dia da Restauração, durante o qual a banda da música, que faz anos nesse dia, e saía para a rua, às cinco da manhã até às sete, porque a maior parte dos músicos eram trabalhadores e era a essa hora que entravam ao serviço.
É interessante que saibam que, há cerca de cem anos, os homens faziam a barba ao sábado ou ao domingo, e se o dia 01 de dezembro calhava à sexta-feira todos eles tinham barbas. E como Amarante é uma terra muito húmida, onde há muito nevoeiro e frio, eles iam fazer a arruada a tocar e as barbas ficavam com orvalho e, por isso, foram intitulados os Homens da Barba Branca”
“Só que, passados alguns anos”, continua António, “houve um presidente da banda que era casado, mas teve um «arranjinho», e, ao mesmo tempo, um conflito com um músico. Esse músico inventou, então, uma letra com a música da Restauração: «Oh Homem da Pera Branca/ O que é lá isso?/ Tens o cu todo borrado/ Nem por isso/ Oh Homem da Pera Branca / Oque é que foi? / Andam para aí a dizer / Então, o quê? / Que a mulher que você ama / Que é que tem? / É casada e tem filhinhos / Não isso assim não pode ser Vão para o cara… vão se fo…» e voltaram a repetir vezes sem conta a coisa. A partir daí deixou de haver os Homens da Barba Branca e passaram a ser conhecidos pelos Homens da Pera Branca”.
Esta arruada tinha também uma outra componente: a de solidariedade para com os mais pobres…
“Quando os músicos saiam de madrugada, havia pessoas de fracos recursos económicos que iam atrás da banda, porque os músicos, a banda, ia às casas senhoriais, e lá punham broa, aguardente e figos, entre outras coisas, para darem aos músicos, e havia pessoas que a única maneira de comerem uns figuinhos, beberem aguardente e broa, era a acompanharem a banda da música”.

Passando o tempos, e já na “altura em que o dia 01 de dezembro passou a ser feriado, a banda começou a sair às nove da manhã, mas já sem muita gente atrás da banda, uma vez que as pessoas começaram – principalmente depois do 25 de Abril – a ter o seu ordenado, melhores condições de vida, até que houve um ano em que só fui eu e mais três pessoas.
E eu disse a um amigo: garanto que para o ano vêm mais de quarenta pessoas com a Banda! O que é certo, é que organizei uma caminhada, intitulada o Homem da Pera Branca, a começar na sede da Banda da Música, e a visitar as três freguesias do centro da cidade – que ainda não se encontravam em União -, São Gonçalo, Madalena e Cepelos, e, então, lá fomos nós, com pão, figos e aguardente, umas bolachinhas, um Vinho do Porto. No primeiro ano fomos 45 pessoas, e no segundo já fomos 90. Organizava isso, não em nome pessoal, mas em nome da ADA, e quando precisávamos de alguns apoios, não era através da Câmara Municipal, mas principalmente das juntas de freguesia”.
O CARNAVAL E A CORRIDA DA MACACA
Mas, se o Homem da Pera Branca foi uma das tradições recuperadas por António da ADA, outra foi o Carnaval de Amarante…
“O Carnaval de Amarante, que há pouco foquei, mas não dei pormenores, nasceu de uma desavença de namorados. Estamos na margem esquerda do Rio Tâmega, aqui, no parque florestal, o rio tem um braço que forma uma ilha, é a ilha dos amores, «para dar sabedoria aos poetas e paisagem aos pintores», é assim que diz uma canção do reportório de um amarantino.
Como ia dizendo, num Carnaval houve uma desavença entre namorados, a rapariga sentiu-.se ofendida e fez um boneco de palha coberto com papel de jornal e colocou-o na janela, e dizia que era o ex-namorado. O namorado não teve mais nada, arranjou palha e fez uma macaca, e, então, no dia a seguir, que era de Carnaval, cada um pegou no seu macaco para «troca de galhardetes». As amigas foram então esfarrapar o «macaco» do rapaz» e os amigos do rapaz o da rapariga, a partir daí nasceu uma tradição: a corrida da macaca.
Recuperei, felizmente, essa tradição. Fiz macacos de papel, não de jornal, mas de outra qualidade e às cores, e organizei durante seis anos o Carnaval à moda antiga em Amarante. Ao sétimo ano deixei de o fazer, porque nos últimos tempos, além de ter de trabalhar tive prejuízos monetários, ainda que a União de Freguesias tenha sempre colaborado com a iniciativa. A verdade, é que mais ninguém colaborava, e, assim sendo, achei por bem, terminar, ou suspender, o reviver dessa tradição”.
AS CASAS SENHORIAIS

Por tudo o que já se falou, e que o(a) leitor8a) teve oportunidade, por certo, de registar, várias vezes se abordou as Casas Senhoriais de Amarante, facto que, pelos vistos, e de acordo com o nosso interlocutor, tem um considerável peso histórico-social na região. E por quê?
“As casas senhoriais têm um peso enorme na vida e na história de Amarante. A começar pela altura das invasões francesas – e poucas são as pessoas que dão relevo a este facto. Os invasores tiverem pela frente muita resistência em Amarante, chegando ao ponto de se sentirem desmotivados. Tiveram muitos dias para conseguir passar da margem direita para a margem esquerda do rio. O Tâmega aqui não é assim tão largo, mas só havia uma ponte e não havia outra forma de o atravessar, porque tinha um caudal grande.
O que é que eles fizeram? Como que por vingança incendiaram várias casas senhoriais! Uma delas, aliás, vai ser agora recuperada – já está o projeto aprovado -, que é o Solar dos Magalhães, que se destinará à “Casa da Memória”, destinada como a própria se referirá, a guardar memórias que esperemos chegue também à memoria das tradições, nem que seja lá num cantinho, porque tudo isso faz parte do património imaterial da nossa terra.
Só que a história das casas senhoriais vai para além desse facto verificado no século XIX…
“Se por um lado havia as casas senhoriais, e os seus senhores e senhoras, a verdade é que em Amarante viviam-se momentos muito difíceis, porque quem trabalhava nessas casas tinha ordenados muito baixos, que quase não davam para o sustento da família. Alguns trabalhavam nas casas senhoriais, mas depois tinham de ter um quintalzinho onde pudessem cultivar algo para as famílias, caso isso não acontecesse… passavam fome”.
A EXPLORAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA
Ainda em termos laborais e de acordo, como não podia deixar de ser, com António da ADA, “a exploração de mão-de-obra era muita, e nas casas senhoriais ainda mais explorados eram, porque os trabalhadores se se recusassem a cumprir com as suas obrigações laborais eram logo acusados de ser contra o regime e tinham logo problema com a PIDE.
Mesmo os que trabalhavam nas fábricas, – e nós, em Amarante tivemos a maior da Península Ibérica em aglomerados de madeira, a «Tabopan» -, além de prestarem serviço nessas empresas, tinham também o seu quintalzinho.
Mas, por cá também houve metalúrgica e outras fábricas de móveis e de urnas, porque o José Abreu, que foi o grande impulsionador da indústria cá na terra, dizia que era impossível que Amarante com o Marão aqui à beira e as vastas zonas arborizadas existentes no concelho não se aproveitar essa oferta da natureza. E não se aproveitou! A «Tabopan» criou um campo de exclusividade tal, que quem quisesse criar uma empresa de madeiras em Amarante, não podia. E esse José Abreu, que era deputado na Assembleia Nacional, não deixava que houvesse licenças para quem quer que fosse. Acontece, porém, que em Paços de Ferreira e Paredes começaram a nascer indústrias do mobiliário, e Amarante parou. A «Tabopan» não teve força para competir com essas zonas industriais e faliu, e isso foi muito prejudicial para Amarante”.
OS PRODUTOS DA REGIÃO E AS OPORTUNIDADES DE MERCADO PERDIDAS

De regresso ao turismo, ou melhor, a outros valores de Amarante que servem, naturalmente, para potenciar o turismo da região, nada melhor que adoçarmos a boca, pois por estes lados, a doçaria tem muito que se lhe diga…
“Amarante é, realmente, rica na doçaria. Tem as Brisas, os Papos de Anjo, o São Gonçalo, as Lérias – talvez o doce menos caraterístico da terra, pois leva amêndoa e Amarante não é uma zona de amêndoa, mas que é muito bom… é! -, há ainda um outro doce que não é de Amarante, mas que é de uma freguesia vizinha, que pertence a Baião, que é Teixeira. Refiro-me ao Biscoito da Teixeira. O biscoito é de Teixeira, mas como o vendiam mais em Amarante do que em Teixeira e no restante concelho de Baião, esse biscoito quase que se confundiu como sendo de cá”.

Tal como os vinhos… que são uma importante fonte de receita para a região, mas que…
“Um dos vinhos pelo qual Amarante era conhecida era o «Gatão», isto nos anos 60, 70 do século passado… e tinha lá Vinho Verde de Amarante. Ora aí, está mais uma indústria que identificava a região, e que Amarante se deixou ultrapassar por outros concelhos, os tais que evoluíram no Vinho e Amarante, não. E em Amarante há mais de 35 produtores de vinho. Se se juntassem era uma força, assim não: cada qual vende o seu vinho engarrafado, ao seu preço, mas, pronto, vão sobrevivendo”.
O PRATO DE BACALHAU QUE É DE AMARANTE, MAS QUE MUITOS PENSAM SER DO PORTO…
E até que surge um prato que muita identifica como sendo do Porto, mas, afinal, não é! E isto segundo o nosso entrevista, e como tal, não há que duvidar de tal facto…
“E depois há um prato que é muito famoso em Amarante, que é o Bacalhau à Zé do Pipo. No Porto foi muito – mesmo muito! -conhecido, mas era e ainda é de Amarante, nasceu aqui! O senhor José tinha um restaurante em Amarante, e tinha um prato de bacalhau que era diferente dos outros, mas que não tinha nome. Só que, como o senhor José era bastante barrigudo, muita gente dizia que ele parecia um pipo, daí as pessoas diziam: «vamos comer bacalhau ao Zé do Pipo». O senhor soube disso e, inteligentemente, aproveitou o nome para o bacalhau… o famoso Bacalhau à Zé do Pipo.
Como vê, às vezes o alcunhar-se, no caso, uma pessoa, ou o ter um cognome não é tão prejudicial quanto isso. É uma marca de referência.
“FOI EM AMARANTE QUE SE FESTEJOU OS CEM ANOS DA LINHA DO VALE DO TÂMEGA, PARA, DOIS DIAS DEPOIS DOS FESTEJOS, ACABAREM COM O COMBOIO”

Considerado por muitos como um atentado aos interesses de Amarante, a extinção do troço ferroviária do Vale do Tâmega prejudicou, sobremaneira, os interesses económicos – na vertente do Turismo -, e de mobilidade da Região. Hoje, o único transporte público que liga Amarante ao resto do país, faz-se através de «Expressos” e outras carreiras de autocarros de carater regional e local, e nada mais do que isso.
Assim sendo, e como diz António da ADA. “o facto de termos perdido o comboio deixa muita pena aos amarantinos. Tudo por causa do encerramento da Linha do Vale do Tâmega. E isso ainda deixa mais tristes e até revoltados, porque no dia em que comemorou-se os 100 anos da Linha, houve uma grande festa; veio o comboio com toda a gente vestida como há cem anos, na estação de Amarante esteve lá a banda de música e a fanfarra dos bombeiros, e passados dois dias foi anunciado o encerramento da Linha, com a promessa de vir a ser reestruturada e mais não sei quê.
A linha era muito importante! Então, turisticamente, nem se fala! Tinha vistas panorâmicas para o Rio Tâmega verdadeiramente maravilhosas. É uma pena não recuperarem essa Linha, porque acho que Amarante iria melhorar certamente em termos turísticos. Há quem acredite nisso, porque a exploração do Parque Aquático, que é o maior, de «interior» da Península Ibérica, tem novos proprietários, e não são portugueses, pelo que há quem diga que, agora, esses novos proprietários, talvez façam pressão para que o comboio regresse, de modo a atrair mais gente para ir para esse parque, o que aumentará ainda mais o, já de si elevado, número de frequentadores”.
E o comboio ajudaria a comprovar uma máxima que surpreendeu quem vos escreve e que, por sinal, conhece relativamente bem a região: “O amarantino sabe cativar quem o visita não pela boca, mas pela barriga!” Ora aí esta ela: a frase que desconhecia, mas que António da ADA deu-nos a conhecer e que revela relevando uma verdade indiscutível.
“Amarante tem mais encanto sempre que recebe alguém. Acho que Amarante tem uma forma especial de receber as pessoas… um pouco diferente da de outras terras. É um povo simpático; é um povo que sabe cativar as pessoas não pela boca, mas pela barriga. Em Amarante pode almoçar em qualquer lado, que não é mal servido; os preços são apelativos e tem o encanto de um rio, que eu digo: não há veia no corpo humano que se compare comparação com a do Rio Tâmega a atravessar Amarante.
A “LENDA DO PENEDO DA RAINHA”…
Mais para o final desta entrevista, abordaremos o projeto com uma maior atenção; projeto esse que se centra no compilar de toda a recolha efetuada por António da ADA em livro, mas vamos já lá. Para já vamos saber algo mais sobre uma lenda, que ainda hoje apaixona muitos e muitas amarantina(o)s e não só… e que, com certeza, será publicada na referida obra…
“Tenho um projeto para passar tudo isto para papel. Isto tudo que falamos, além de lendas e mais outros registos que tenho. Posso contar-vos uma daqui de perto, que é a Lenda do Penedo da Rainha, que dá também o nome ao parque de campismo de Amarante.
Ainda na altura do Condado Portucalense, o filho do rei da Galiza, foi a Guimarães para fazer o convite aos condes para o seu casamento. Só que, no regresso, viu uma rapariga tão formosa que disse: «está vai ter que ser a minha mulher! Não vou casar com outra.» Então, foi, e mandou um mensageiro para avisar o seu pai quanto à decisão tomada.
Ora, ele tendo medo da reação do pai, pois ele podia revoltar-se, procurou, então, um local onde se escondesse com os seus homens e a rapariga, e foi precisamente no Monte da Rainha que tem um penedo fora do vulgar, e ficaram ali.
O mensageiro foi ter com o Rei à Galiza. Quando lá chegou e deu a notícia, o Rei já não deixou o mensageiro sair e mandou um pequeno exército para acabar com as intenções do filho. Só que o filho teve alguém que avisasse, e pensou «se cá chegam vão matá-la barbaramente». Então, o que é que ele fez? Matou a rapariga por amor, e, segundo a lenda, ela terá sido enterrada debaixo do penedo, por isso mesmo é que o penado passou a chamar-se Penedo da Rainha do Monte de Rainha”.
NA ROTA DO ROMÂNICO…

Amarante tem uma forte ligação à religião cristã, com especial destaque, e que é do conhecimento geral, para a veneração que se faz a São Gonçalo. Os festejos em honra do santo são concorrenciais, mas nem por isso, e de acordo com o nosso entrevistado, deixam de atrair milhares e milhares de pessoas a Amarante…
“Amarante e o São Gonçalo fazem competição com o S. Pedro e com o São João, pois tem as festas de junho e como casamenteiro que ele é, atrai muitos romeiros às festas. Só em cravos nesse dia é uma fortuna, pois é o cravo que identifica o Santo. Além disso, temos monumentos religiosos muito importantes.
Temos uma pequenina igreja que está mesmo encostada ao Mosteiro de São Gonçalo, que é a igreja do Senhor dos Aflitos, mais conhecida por Igreja de São Domingos – por ser da Ordem Dominicana, mas o correto é Igreja do Senhor dos Aflitos – que foi construída com dinheiros dos familiares dos frades do Convento de São Gonçalo. Eles queriam visitar os filhos que estavam em clausura, pelo que a forma de poderem estar com eles, pagaram a construção da igreja e fizeram uma abertura, a qual acabaria por dar acesso, dessa igreja do Senhor dos Aflitos, à torre sineira do Mosteiro de São Gonçalo.

Assim sendo, os noviços, ou os frades que estavam em clausura vinham à Igreja de São Domingos e estavam com os familiares, não chegando a sair do terreno, ou do espaço, do São Domingos, porque no de São Gonçalo estava tudo confinado. Nessa igreja existe, atualmente, um museu de arte sacra.
Amarante também tem sido muito divulgada na Rota do Românico, porque por aqui há muita igreja do Românico. Há, pelo menos, treze freguesias que têm Românico, e, então, tem tido muita procura. Há organizações que fazem a visita do Românico a pé ou de carro… assim como o Caminho de Santiago, que está, felizmente, marcado no chão, e há, em Amarante, um grupo de apoio aos peregrinos”, realça António da ADA.
“FALTA INDÚSTRIA EM AMARANTE!”
E de acordo com o nosso entrevista, há uma lacuna muito importante a revelar por terras amarantinas.
“Para os amarantinos havia muita coisa a pedir ao poder local. Acho que Amarante está a falhar muito no Parque Industrial. Nas condições que se poderá dar a indústrias que se queiram instalar no concelho. Toda a gente se queixa que o preço dos metros quadrados é demasiado alto, acrescidos dos impostos, e, dessa forma, as pessoas saem.
Gostava de ver Amarante, durante a semana, com os amarantinos a trabalharem em Amarante. Isso seria um sonho, porque o ver, todos os dias, centenas e centenas de pessoas, a irem de autocarro daqui para Felgueiras, para o calçado e outras indústrias, quando as mesmas poderiam existir em Amarante caso as condições fossem dadas aos industriais. Em importante era fomentar a indústria, o turismo e o comboio.
JUVENTUDE EM FORÇA
Quanto à juventude… “ela está, por aqui, mais ou menos em força. Quando, aqui há uns anos, ouvi-a dizer que a juventude era rasca, eu dizia que eram rascas à nossa medida. Se soubermos trabalhar os jovens, eles são superiores a nós, até porque têm outras formas de ver o futuro; têm as tecnologias que nós não tínhamos, pelo que acho que bem apoiados – ainda que os pais quase não tenham tempo para dar aos filhos – e se houvesse mais emprego em Amarante, de certeza que essas ligações familiares seriam mais fortes. Mas, não estou desagradado com a juventude de Amarante, muito pelo contrário.
CAMPEÕES NO E DO TÂMEGA

E nesse aspeto a Associação Desportiva de Amarante (ADA) tem um papel fundamental na concentração de jovens e não só… também na “produção” de campeões
“A ADA em termos de dinamização desportiva está bem. É diferente. Pratiquei futebol no Amarante Futebol Clube, que, recentemente, criou umas escolinhas de futebol, isso é bom, pois chama os jovens e com pessoas formadas para saberem orientar. Depois o Tâmega é uma excelente pista de águas bravas. Temos três clubes e se formos a ver a disputa de uma média de doze títulos nacionais da modalidade, oito ficam cá em Amarante.
“Em todas as vertentes”, realça António, “há atletas de Amarante no pódio. Uma das coisas que me enche de vaidade, e às vezes digo: Amarante como clube, sem representação oficial do concelho em Jogos Olímpicos, teve o Joaquim Queirós, na pista; e campeão nacional em K1-500 e K1-1000, durante doze anos; e atualmente temos o José Carvalho que no slalom já foi aos «Jogos» Rio de Janeiro, e estou convencido que nos próximos Jogos Olímpicos irá ao Japão, é um moço cheio de vontade, humilde, daqueles jovens que dá prazer ter visto crescer dentro do clube.
O LIVRO
E, pronto. Foi interessante esta conversa com António pereira, ou António da ADA como é popularmente conhecido em Amarante, e a partir de hoje, também um pouco por todo o mundo.
Mas, falta-lhe o resto: o livro. O livro pelo qual tanto anseia, onde perpetuará todos os registos, toda uma memória de Amarante.
“Só com apoio é que lançarei a obra. Um livro não fica barato e depois, se for todo costeado por mim, posso não conseguir as vendas que cubram o meu investimento, e como um individuo que vive com 620 euros de reforma, não pode fazer grandes investimentos. Estou esperançado em arranjar um mecenas. É que não há registo nenhum deste estilo. A recolha foi feita só por mim. Já falei com alguém de responsabilidade autárquica, cá em Amarante, e que essa pessoa mostrou-se muito interessada, mas só ele nada pode decidir. Vamos lá ver se ainda este ano edito o livro. Estou convicto que tudo se vai resolver. A ver vamos”.
Nós estaremos aqui para divulgar o lançamento do livro, que ainda não sabemos que título terá, mas de autor conhecido e bem conhecido, e que pelo trabalho até agora desenvolvido, merece, na realidade, um prémio por tanto esforço e dedicação… por Amarante e pelos amarantinos.
Cá esperamos pelo lançamento da obra…
Fotos: pg– pesquisa Google
01ago20












Passados quase quatro anos depois desta entrevista, é com agrado que posso afirmar ter em minha posse um exemplar do livro finalmente editado pelo Sr. António da ADA, “Amarante – Memórias que se Apagam”. Parabéns pelo trabalho que dedicaram a divulgar a sabedoria deste grande amarantino.
Excelente !
O nosso amigo Antonio é dotado duma enorme força de vontade e tem uma energia extraordinária !
Não sómente é capaz de criar amizades na juventude actual, mas também de preservar o amor fraternal dos mais antigos, que o conhecem bem, e sabem que as suas capacidades lhe permitirão de conseguir obter a concretização dos seus sonhos !
Pela minha parte sinto-me orgulhosa ,… et espero e desejo que o “livro” venha a ser editado e sirva a todos que amam Amarante !
Obrigado pela atenção e pelo trabalho desta publicação ! Grato e Ao Dispor !
António ada
Entrevista muito interessante! É impressionante o amor que o António da ADA tem por Amarante e pela preservação do seu património cultural
Ele sabe todas as histórias e tradições que faz questão de continuar a investigar e guarda-as não memória e nos seus apontamentos que um dia, se for apoiado, poderá pôr em livro, para que nada se perca dessa cultura popular tão rica