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A guerra? Não se pode acabar com ela?

António Pedro Dores

 

 

A civilização moderna tem horror à violência. Ficou traumatizada com os senhores da guerra medievais que, brutalmente, faziam equivaler a honra à capacidade de matar os inimigos e desprezar todos os que não fossem da sua igualha.

As revoluções burguesas imaginaram sociedades urbanas, sem marginais nem conflitos: liberdade, igualdade e fraternidade. A crítica proletária chamou a atenção da condição operária, das misérias dos que produziam as riquezas que lhes eram expropriadas: primeiro os campos e depois as competências laborais e os produtos do trabalho.

Herdeiras desses pensamentos, as ciências sociais actuais presumem – sem o dizerem explicitamente – que a violência deveria ser abolida e está em vias de ser abolida. Se toda a gente quer abolir a violência e só os energúmenos a praticam, basta restringir a acção destes últimos para se chegar ao estado de paz.

Na verdade, não são as ciências sociais que inventaram esta ideia. Seguem o direito penal. E este segue as polícias. E estas perseguem os criminosos. Os jornalistas do crime seguem as polícias a seguir os criminosos. E tudo parece resumir-se a um entretenimento de horrores que as vítimas vivem sozinhas, como artistas em cima de um palco, mas com o público virado de costas a fingir que não sabe de nada.

Quando acabou a Guerra Fria, as ciências sociais, na sua versão relações internacionais, explicaram o sucesso da genial estratégia MAD (loucura, em inglês). ‘Mutual Assured Destruction’ foi o nome da política de blocos militares em corrida aos armamentos atómicos que aterrorizou o mundo no pós-guerra. Vista da era da globalização, no tempo em que a Rússia pedia para ingressar na NATO, a loucura foi descrita como um passo estratégico genial para impedir a guerra, para se chegar ao fim da história com o fim das ideologias.

Sem ideologias, sem ideias revolucionárias, por que razão haveria a violência de continuar?

A ONU passou a adoptar a guerra preventiva, por alegadas razões humanitárias, na Somália (1993). Desde então a doutrina da guerra preventiva, como a da guerra contra droga formulada 20 anos antes, mostrou que em vez do fim dos senhores da guerra o que acontecia era a sua multiplicação. Pouco mais tarde também se descobriram as consequências da promoção das guerras por delegação, como aconteceu no Afeganistão contra a União Soviética. O ataque às Torres Gémeas, em 2001, foi organizado por antigos aliados dos EUA desempregados da guerra contra os ateus. A guerra de civilizações, a guerra contra o terrorismo islâmico, foi declarada em 2003 pelos EUA, Espanha e Inglaterra, na cimeira dos Açores. Foram aliados de primeira hora Putin e a China contra o terrorismo (dos tchetchenos, dos uigures). Todos os estados mais brutais ficaram encantados com essa noção vaga de terrorismo, que serve os interesses dos mais poderosos – todos seguramente preocupados em acabar com a violência no mundo.

Como diria o Raul Solnado, estavam todos entretidos a fazer a guerra quando os banqueiros que sabiam muito de matemática e em como transformar todos os jogos em jogos de soma positiva (em que todas as partes ganhavam) zangaram-se uns com os outros. O jogo acabou em 2008 e teve de ser o árbitro, os bancos centrais e os estados, a colocarem os contribuintes a pagar (em suaves prestações para o resto das nossas vidas e dos seus netos) os desmandos multimilionários da economia da dívida sobre os futuros cada vez mais incertos.

Estava tudo a correr tão bem, sobreveio uma pandemia, a primeira de uma série que se adivinha como consequência das alterações climáticas. A deslocação geográfica dos micróbios de acordo com as condições ambientais que lhes forem mais favoráveis fazem-nos entrar em contacto com organismos menos móveis, como os humanos (as abelhas, as galinhas, os procos, etc.) que não estão habituados a tais convívios.

A capacidade de adaptação humana ao novo clima é mais lenta do que aqueles bicharocos que não têm casa e não precisam de passaporte para atravessar as fronteiras. Os entre nós que sobreviverem, vão ter que aprender a conviver com novos vírus e bactérias. A sorte é que há a indústria farmacêutica e os estados estão dispostos a substituir os sistemas de saúde que tínhamos por vacinações generalizadas.

Claro que vão morrer mais bebés e suas mães e outros doentes (cancro, com problemas mentais) que fazem menos barulho. Mas é na luta pela sobrevivência, já se percebeu, os estados e organizações internacionais não estão aí. Limitam-se a fazer propaganda dos seus desejos e boas intenções e a remeter a sua realização para cada um de nós.

Olhem bem para os objectivos do milénio da ONU. Já se perguntaram onde está a abolição das guerras? Porque a ONU, que quer erradicar a pobreza – sem o conseguir – só fala de paz, em vez de falar em erradicar a guerra? A paz de que fala deve ser os intervalos entre guerras. Não será?

Este ano, azar dos Távoras, a Ucrânia voltou a concitar os desejos dos mais gulosos dos estados da Terra. Civilizadamente, de tratado em tratado, telefonema em telefonema, o jogo da soma positiva não funcionou e Putin, sentindo-se entalado, decidiu-se pela guerra e pela ameaça nuclear contra o cerco ocidental. Para os ucranianos, estão num período entre a paz de antes e a paz que há-de vir. Para os outros europeus, esfumou-se a esperança de tudo voltar ao normal, antes da pandemia, antes da crise financeira, antes da guerra contra o terrorismo, antes da guerra contra as drogas, quando o estado social funcionava, quando os serviços de saúde melhoravam, quando a segurança social se expandia, quando o emprego dava esperança de se ir viver melhor. Resta-nos seguir o que nos pareça o melhor galo da capoeira. Resta-nos incentivá-lo para que seja agressivo e trate de vencer a guerra, que trate de fazer bem a guerra.

O que justifica a guerra? Não será o poder, a sua manutenção e, já que se está em guerra, a sua expansão? As principais economias do mundo, sobretudo a dos EUA, já estavam muito preparadas para a guerra. A Alemanha foi acusada de ter liderado a Europa para a dependência da Rússia. Mas a Alemanha desmilitarizada não foi uma consequência e uma decisão dos vencedores da II Grande Guerra? Agora a Alemanha pode voltar a investir fortemente na guerra? Será isso em defesa da democracia?

Todos os sinais apontam na mesma direcção: a paz deve estar próxima, pois todas as guerras acabam assim. Até à próxima oportunidade.

 

 

Foto: pesquisa Web  

 

 

Obs: Por vontade do autor e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc e Tal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

 

01out22

 

1 Comment

  1. Vera Projic

    Paz e democracia são duas palavras que usam para enganar pessoas Significado dessas palavras esqueceu se há muito tempo atrás.Denocracia não existe,e a paz as vezes como vento passa ao nosso lado ,ser humano não reageam.Cono dizem palavras duma famosa chanson de Juliette Greco”estou fazer amor com esperança”

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