É presidente da Cooperativa Árvore desde meados de 2018, cumprindo, atualmente, o seu segundo mandato. Matosinhense de gema, e com 67 primaveras, José Emídio, além de pintor consagrado, é um apaixonado pela instituição que dirige e a qual faz parte integrante da sua vida… há décadas.
Os sessenta anos da Árvore, que este ano se comemoram, é, no entender do nosso entrevistado, um marco para instituição. Uma instituição que passou por sérias dificuldades, mas que vai resistindo, como sempre resistiu, e não só à ditadura, mas, após o 25 de Abril, ao ‘Verão Quente’ e a um atentado bombista, é hoje uma referência na Cultura do Porto, como de um País, que parece pouco ligar às (verdadeiras?!) Artes.
E dar continuidade ao projeto, é, para José Emídio, uma das grandes preocupações do momento, dada a falta de interesse por parte da juventude à Arte, não à Arte ‘banalizada’ e que ele considera feita, em grande parte, por “curiosos”, mas à Arte que celebrizou um leque considerável de pessoas e que se tornaram em artistas de referência, tendo parte considerável deles nascido na Árvore.

Vamos, então, entrar num mundo de emoções, bem traduzidas nas atividades desenvolvidas para comemorar o aniversárioda Árvore, a tal que faz parte da vida de José Emídio. “Acabei a Escola (Belas Artes), passei por aqui, e por aqui estou…”
José Gonçalves Ursula Zangger
(texto) (fotos)
Sessenta anos, para uma instituição como a Cooperativa Árvore, é um marco importante na sua história?
Penso que sim. Estava cá, fazia parte da Direção, na altura em que fizemos cinquenta anos. E quando fizemos os cinquenta anos, realizamos algumas iniciativas. Chegámos a equacionar a possibilidade de darmos continuidade a este livro (‘De 1963 a 2001’), que na altura ele foi apoiado pela ‘Porto Capital da Cultura’…
…isso parece mais uma enciclopédia!
Quase! (risos)
Está aqui tudo o que a Árvore fez de exposições palestras; a constituição dos diferentes órgãos sociais… Nós, na altura, equacionamos, nos cinquenta anos, atualizar tudo o que aconteceu. Isso não foi possível porque, há dez anos, o País encontrava-se a viver um período de crise – ainda na consequência da famosa crise de 2008 -, e como andava tudo ‘esganado’, não tínhamos meios. Portanto, tudo foi muito difícil. E, assim, a expressão que queríamos ter aproveitando à data dos cinquenta anos, infelizmente, não foi muito grande. Curiosamente, nos sessenta anos, e porque a comunicação é, hoje, muito mais lesta. mais eficaz, tudo foi diferente para melhor… Não faz ideia da quantidade de entrevistas que já dei…
O que é ótimo?!
Para mim, pessoalmente, não! Mas, desde a ‘Visão’, à RTP1, passando pelo ‘Porto Canal’, pelo ´Público’, epelo ‘JN’… foram várias as entrevistas. A propósito, temos uma assessora de imprensa que além de muito simpática é eficaz. Portanto, os sessenta anos para a Cooperativa Árvore constituem um marco importante! É o número de vezes que demos a volta ao Sol, e agarramos as datas redondas para repensar a instituição, e também ajudar a divulgá-la.
E, a verdade, é que são sessenta anos! Temos conversado muito, internamente, e, nesta reflexão, pensamos que o mundo continua em grande transformação. Nós estamos numa fase importante da nossa vida enquanto instituição, não pelo facto dos sessenta anos – podiam ser setenta ou setenta e cinco… -, mas pela importância da Arte e do que ela tem e deve continuar a ter na cidade e na região Norte em especial. Há que repensar as coisas, porque esta mudança é constante no mundo…
“A ‘ÁRVORE’ TEM UMA COISA IMPORTANTE NA SUA HISTÓRIA: GRANDES ARTISTAS INICIARAM AQUI, PRATICAMENTE, A SUA CARREIRA”
…o mundo pula e avança cada vez mais depressa…
… depois aparecem as crianças, e as mãos das crianças vão mudando, e as crianças, por vezes, podem não estar tão abertas a este tipo de movimento associativo.
Mas, tem notado isso?
Sim, temos notado! A verdade também é uma coisa: desde sempre, aqui, na Árvore, se falou que era preciso captar os jovens… os artistas. Dizia-se que estava tudo velho! E, na realidade, sempre esteve. Mas, a verdade, também, é que sempre entraram artistas novos. Eu fiz-me sócio da Cooperativa, em 1978, antes de acabar o curso, em 1981. E, um ano depois, comecei a vir para cá, porque me disseram para expor umas coisas… Na altura era um puto! Até que o Henrique Silva, viu umas coisas minhas, e quando viu quem eu era, convidou-me a vir fazer uma litografia. Eu disse que nunca tinha feito litografia, porque na Escola só tinha feito gravura. E ele lá disse que havia sempre uma primeira vez… que isso aprende-se e etc.. A verdade é que esse convite do Henrique foi fundamental para que me aproximasse da Cooperativa. Tinha vinte e cinco anos, era um jovem… A Árvore tem uma coisa importante na sua história: grandes artistas, alguns até já desaparecidos, iniciaram, aqui, praticamente, a sua carreira.
Agora, a questão atual, neste momento, e que deve merecer, profundamente, a nossa atenção, é saber o que é que estes novos artistas – artistas na casa dos vinte anos, que estão a acabar a Escola ou as escolas de Artes – podem entender a Arte em termos de sentirem no que é que eles podem ser úteis, ou a Árvore ser útil a eles?! Porque a ideia que tenho, é que estes artistas mais novos encontraram outras formas de se associar…
“OS JOVENS DE AGORA, INCLUINDO ARTISTAS JÁ DIPLOMADOS, ENCONTRARAM UMA FORMA MAIS INFORMAL DE SE ASSOCIAREM…”
Agora, também há mais sítios para darem a conhecer os seus trabalhos…
Sim! Quando um artista é sincero e expõe aquilo que ele próprio é… é diferente. Somos todos diferentes! Estes jovens de agora, incluindo os artistas já diplomados, encontraram uma forma mais informal de se associarem, há os ‘coworking’, onde trabalham todos juntos… têm coletivos de artistas. Assim sendo, a grande questão que se coloca, até para nós, instituição, é até que ponto a Árvore tem de se transformar para lhes ser útil? E o que é que eles podem trazer para a Árvore? Para isso não tenho a fórmula… julgo que ninguém tem! Agora, o que é importante é termos iniciativas, nas quais esteja presente essa ideia. Este ano, vamos realizar a terceira edição do prémio ‘Árvore das Virtudes’, que destina-se a artistas finalistas, ou recém-diplomados. O primeiro prémio foi há dois anos e correu muito bem. O segundo, já teve muito mais afluência, o que é importante porque, pelo menos, eles ficaram a saber o que é a Árvore! Eles não sabem para que serve uma cooperativa…
Uma instituição como a Árvore, que é uma cooperativa, tem estatutos; nós temos que fazer assembleias gerais para aprovar os Planos de Atividades; os Relatórios e as Contas; nós temos que realizar eleições… eu acho que esta malta mais nova acha isto tudo muito complicado. Eles querem o suficiente. Um, paga a renda, o outro, trata da água, e reúnem-se, assim, informalmente. Lá terão, por certo, os seus problemas, mas lá os terão de resolver… Penso que, há, aqui, um pequeno choque! E não estou a dizer, com isto, que a Árvore se irá transformar num coletivo meio caótico, nada disso!
“EM NOVEMBRO DE 2018 DEU-SE UM MOMENTO DE TRANSIÇÃO”
Está à frente dos destinos da Árvore há cinco anos’!
Sim.
Depois das eleições mais concorridas na história da Cooperativa…
Nas primeiras eleições, sim, foram as mais concorridas. Já houve umas segundas. De momento, estou no segundo mandato. Mas, nessa altura, ou seja, em novembro de 2018, foi um momento de transição. Houve uma ideia de uma certa continuidade, porque a cooperativa já estava a ser renovada, pelo Amândio Secca – um homem importante na vida da instituição, para além de muitos outros, não me podendo esquecer do José Rodrigues, que foi o presidente desta Casa durante vários mandatos. Portanto, já tínhamos vindo a fazer uma renovação – eu era vice-presidente do Amândio Secca… Tínhamos convidado o Edgar Secca, que é o filho mais velho dele, que é uma pessoa de grande experiência em questões de gestão; o Paulo Cunha, que também é uma pessoa com sensibilidade cultural, mas também com capacidade para questões de finanças, etc.
Quando se dá o desaparecimento do Amândio Secca, nós pensamos continuar. Eu passaria a presidente e… foi essa a ideia. Houve, internamente, alguém com muita história nesta Casa, a Laura Soutinho, e que achava que devia ser ela a ficar à frente dos destinos da instituição, e, assim sendo, achou que se devia candidatar. E eu também achei, e, pronto, fomos a eleições. A coisa foi assim um bocado complicada… As coisas não correram lá muito bem em termos de elevação…
“A VONTADE DE CRIAR UM ESPAÇO PARA ARTISTAS, INTELECTUAIS, ARQUITETOS, ESCULTORES, PINTORES… ESTÁ NA BASE DO NASCIMENTO DA ‘ÁRVORE’”
É uma Cooperativa que nasce, praticamente, numa falsa ‘primavera’ marcelista?!
Nasce antes. Nasce em 1963.
E quando a cooperativa nasce, já existiam, no Porto, o Teatro Experimental, o Cineclube…
… sim, e o José Rodrigues contava muito isso. Aliás, se sei alguma coisa da história da Árvore, quanto aos seus primórdios, sei porque fui recolhendo factos de diversa gente. Eu sou como que um fiel depositário dessas histórias. E, como referi, o José Rodrigues falava muito nesse período, pois em 1963 estava tudo a terminar a Escola de Belas Artes. E eles. todos artistas, ou seja, os famosos ‘quatro vintes’ (terminaram os seus cursos com a nota 20) acabariam por fundar a cooperativa. Ou seja, o José Rodrigues, o Ângelo, o Armando Alves e o Jorge Pinheiro. E o José Rodrigues dizia-me: ‘a malta encontrava-se em São Lázaro, no Majestic, etc. mas não tínhamos uma casa… não tínhamos um sítio. A malta das Letras tinha a Associação de Jornalistas e Homens de Letras. A malta do Teatro tinha o Teatro Experimental do Porto, a do cinema, tinha o Cineclube, e os artistas, arquitetos não tinham qualquer espaço próprio’.
É aí que começa a nascer a base, essa vontade, em criar um espaço para artistas, intelectuais, arquitetos… na maioria os artistas plásticos, os escultores, os pintores. A Cooperativa Árvore nasce muito dessa necessidade espacial, e também da ideia dessa associação de pessoas ser também um pequeno paladino na resistência ao regime fascista.
“A FAMÍLIA PROPRIETÁRIA DESTE EDIFÍCIO FOI DE UMA SENSIBILIDADE EXTREMA E ATÉ FICARAM SATISFEITOS PORQUE ENCONTRARAM UM MOTIVO PARA A PRÓPRIA EXISTÊNCIA DA CASA”
E foram logo encontrar um verdadeiro palacete…
Um palacete que estava devoluto. Não tenho a certeza se houve uma entrada clandestina, não sei, mas, rapidamente, se procurou saber quem eram os proprietários. E, na altura, os proprietários pertenciam à família Costa Alemão, que vivia em Lisboa, e foram de uma sensibilidade extrema. Compreenderam perfeitamente a situação e até ficaram, relativamente, satisfeitos, porque encontraram um motivo para a própria existência da casa. A Árvore passou a pagar uma renda, e começou a adaptar-se ao local, com muitas dificuldades… Portanto, essa família acaba por ter um papel muito importante na história da cooperativa, não só porque acolhe formalmente a Árvore como inquilina, como, quando, mais tarde, ou seja em finais dos anos 80, o Amândio Secca manifesta a vontade de comprar o edifício.
Na altura, eu sei, que a ideia dele não foi muito bem aceite, porque havia pessoas que achavam que isso seria um comprometimento, que, depois, a Árvore não ia conseguir satisfazer… Mas, a ideia acabou por ir para a ferente. Conversou-se, outra vez, com a família proprietária, que se mostrou muito disponível. As portas abriram-se completamente, e ainda mais porque tornaram bastante favorável a forma de pagamento. A Árvore pediu um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos, e, finalmente, comprou-se o edifício. Dentro dos prazos traçados, acabamos por pagar o edifício.
O ‘ASSÉDIO’ DE AGENTES IMOBILIÁRIOS
Ainda bem, porque, caso contrário, hoje, este palacete seria, por certo, um hotel ou coisa do género…
Não tenha dúvidas! Ainda o Amândio estava vivo e nós já tínhamos começado a ser assediados por agentes imobiliários. Eu sei que, ainda agora, e de vez em quando, há um agente imobiliário que contacta a nossa secretária, Márcia, dizendo que quer conversar comigo. Eu repito que, com todo o respeito, não quero conversar com ele… não há assunto!| Se o receber estou como que a criar uma esperança, e eu não quero isso, porque esse assunto está completamente fora de questão. Viessem os milhões que viessem!
Esta não é uma entidade com fins lucrativos, o que não quer dizer que não procure receitas para sobreviver. Se isto fosse uma sociedade anónima?! Ah! A gente vendia, distribuía pelos sócios… Mas, não! No entanto, já tivemos ofertas. Uma vez, davam-nos não sei quantos milhões, e ofereciam-nos uma casa em Gomes da Costa. Mas, o que é que a Árvore ia fazer para a zona de Gomes da Costa?! Onde é que a gente metia todo este material?
“NOS ÚLTIMOS TRÊS ANOS RECEBEMOS, EM MÉDIA ANUAL, MAIS CINQUENTA ASSOCIADOS”
Quantos associados tem a Cooperativa?
Nós andamos na casa dos setecentos associados. Já fizemos várias recontagens, em alguns casos propusemos às pessoas que não pagavam quotas há muitos anos, a redução em quarenta por cento do total em ‘dívida’; a alguns artistas propusemos repor aquilo que não pagaram, com uma peça, em pintura ou escultura num valor aproximado. Portanto, temos vindo a recuperar. E, curiosamente, nos últimos três anos, recebemos, em média anual, mais cinquenta associados, o que para nós é um número simpático. Isto quer dizer que aumentámos 150 sócios nos últimos três anos. Mas, há uma coisa: a média de idades dos associados da Árvore é de 67 anos.
Os seniores também merecem ter o seu espaço!
Sim, mas, gostávamos de ver mais gente nova por aqui. Vamos tentando.
Estive um pouco de tempo à entrada da Cooperativa e vi muitos jovens a entrarem e a saírem daqui…
Mas, essa juventude aparece porque nós alugamos uma sala para uma Escola. O que não é ma, uma vez que esta miudagem passa, vê… e conhece a Casa.
De salientar que, desses 150 sócios que entraram nos últimos três anos, a média de idades é de 55 anos… já é um bocadinho melhor que em outras alturas!
“O ATENTADO BOMBISTA DE QUE A ‘ÁRVORE’ FOI ALVO, POR MAIS ESTRANHO QUE POSSA PARECER, DEU INÍCIO A UM PONTO DE VIRAGEM NA VIDA DA INSTITUIÇÃO”
O crescimento da Árvore foi difícil nos primeiros tempos?
Foi muito difícil!
A Árvore chegou a ser alvo de um atentado à bomba?!
Sim. E, por mais estranho que possa parecer, esse atentado, de alguma maneira, deu início a um ponto de viragem na vida da instituição. A Árvore ficou a ser mais voluntarista; uma Árvore mais conhecida…
O atentado deu-se a…
..sete de janeiro de 1976. Foi no chamado ‘Verão Quente’. E foi aquele célebre Ramiro Moreira que veio cá pôr a bomba. Era um dos principais ativistas do MDLP. Há dias descobri uns recortes de jornais com fotografias que não conhecia, em que se vê o grau de destruição em que ficou o edifício… Não sei se a sua colega, a Ursula, estava por cá quando foi o atentado? Não? Mas viu, mais tarde, um pouco da destruição causada pela bomba.
Ursula Zangger: vinha cá ver o Zeca cantar, lá em baixo, no jardim.
Esse espetáculo não foi interrompido pela PIDE?!
Foi! Quando a PIDE veio, a gente fugiu.
Do espetáculo fazia parte o Zeca Afonso, o Mário Viegas, o José Luís Borges Coelho, que é hoje o maestro da orquestra da Faculdade de Letras,…
O Zeca Afonso era visita habitual da Árvore?
Não era assim tão habitual. Esse espetáculo realizou-se a 17 de maio de 1969. Esta é a extraordinária riqueza da década de 60 do século passado. Foi o ‘maio de 68’; foi a crise Académica, em 1969…
Já se estava na dita ‘primavera marcelista’, e numa ‘mentirosa’ abertura do governo fascista aos movimentos democráticos…
Na década de 60… toda aquela agitação internacional arrastou tudo, e nós conseguimo-lo em 1974.
A Árvore está ligada a uma ideologia de esquerda!
Sim. A Árvore também teve o seu papel quanto a uma certa resistência ao regime fascista…
“HOJE TUDO É MAIS FÁCIL E ISSO FAZ COM QUE SE ABRAM PORTAS A UMA QUANTIDADE DE PESSOAS QUE NÃO SÃO, PROPRIAMENTE, ARTISTAS… SÃO CURIOSOS!”
A cidade está mais aberta à Cultura, ainda que certas iniciativas sejam efémeras, por pontuais que são. Mas, há, ou não, uma maior abertura às artes em relação ao que acontecia há uma ou duas décadas?
Isso merece uma reflexão. Quando entrei na Escola de Belas Artes, em 1976, para ver reproduções a cores, só tinha acesso às mesmas na Biblioteca da Escola, pois só lá é que haviam essas reproduções. Ou seja, havia uma grande dificuldade na divulgação das coisas, hoje tudo é mais fácil. Isto abre, porém, portas a uma quantidade de pessoas que não são propriamente artistas, muita das vezes são curiosos, mas que já fazem exposições por todo o lado.
Não há seletividade?
Não é uma questão de seletividade. Nós vemos esta exposição aqui (sessenta de sessenta) e ela é de artistas que, na altura, eram jovens, excetuando a ‘cabeça’ em bronze de autoria de Barata Feyo que, já na altura, era um grande escultor, e que é uma réplica de umas que estão na Ponte da Arrábida. Isto para dizer que ali há uma qualidade artística… altíssima! Na altura, ninguém queria ser artista… agora, são como os cogumelos. Hoje em dia, qualquer pessoa começa a pintar e, logo a seguir… expõe! Está tudo a monte! Não há critério de qualidade.
A Árvore faz a ‘Exposição de Sócios da Cooperativa’ que é aberta a todos os sócios, não há seleção, mas a gente diz: isto é para amadores e profissionais, é tudo misturado e assumido… quanto a isso não tenho qualquer problema, há a referência que são associados.
Ao fim de um ano como sócio da Árvore, o interessado, ou a interessada, pode participar na exposição, e mesmo que não seja artista. É claro que tem de haver algum sentido… mas, vejo, em outras circunstâncias, exposições em lugares de referência, que são completamente inaptas… até mesmo na Reitoria, onde já vi coisas de fugir, e a Reitoria – a Escola de Belas Artes -, pertence à Universidade do Porto. Na minha altura, quando andei lá, a Escola era autónoma. Hoje, há coisas, que são coisas de bradar aos céus! Hoje, tudo é possível! É o que se está a passar, recentemente, com a Arte Pública… Como aconteceu com aquela coisa de pedra do D. Afonso Henriques, que é algo de inacreditável.
“UMA CERTA CULTURA TEM DE SER ELITISTA! HÁ COISAS QUE NÃO SÃO PARA AS MASSAS…”
Mas, há ou não, mais abertura à Cultura na cidade, independentemente dos factos que referiu anteriormente?
Abertura há, mas, volto a insistir: há pouco critério! A título de exemplo, ainda, recentemente, e não tem a ver com o Porto, mas com a nossa televisão, a RTP, em Oliveira de Azeméis – resido lá perto, em São João da Madeira -, num daqueles programas da tarde, foram visitar o escultor Paulo Neves, de quem sou amigo e tem um trabalho meritório, muito bem-sucedido. Estiveram lá a ver, com o Paulo a falar sobre as peças, etc. e tal, e terminada a intervenção dele entra de imediato uma pimbalhada… inacreditável… Haja decoro!
A Cultura tem de ser elitista?
Uma certa Cultura, sim. Há coisas que não são para as massas. O Manuel António Pina dizia uma coisa muito engraçada, a comentar uma frase do, na altura, presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, que teria dito, uma vez, que só apoiava a Cultura que tinha público, e o António Pina, que tinha uma crónica no JN, respondeu-lhe: ‘senhor presidente, vai-me desculpar, mas a Cultura que tem público não precisa de apoio’.
Devia ser a propósito dos espetáculos do La Féria, no Rivoli…
Exatamente!
A Árvore defende esse elitismo…
Vi grandes nomes das Artes Plásticas que sempre defenderam isso. O Ângelo de Sousa é um artista com um tipo de obra que não é popular, mas ele fazia sempre questão de salientar esse facto, e se um quadro dele estivesse ao lado do de um amador, ele até achava piada.
“O IMPORTANTE É SOBREVIVER!”
O futuro da Árvore passa por onde?
Quando entrámos, na tal crise de 2008, eu, cá dentro, sempre defendi uma coisa: o importante é sobreviver! A Árvore, nem que baixe um bocadinho o seu metabolismo, tem de se aguentar! Para mim, o grande objetivo da Árvore é esse, e nós temos vindo a conseguir, com alguma sorte, mas, essencialmente, com algum mérito e boas decisões, atenuar algumas dificuldades financeiras, nomeadamente, dívidas aos artistas, que eram muito graves, e no ponto de vista do relacionamento…eu era disso uma vítima também! Isso criou um momento difícil, exatamente, nos últimos dez anos. Eu nunca assumiria a presidência da cooperativa nessas condições.
Tivemos, entretanto, duas decisões importantes que foi a antecipação de certos valores em função de rendas, nomeadamente em relação à Escola e aos novos funcionários do restaurante, que reabrirá brevemente. Houve aí a possibilidade de uns adiantamentos de rendas, e isso foi muito importante para nós, permitindo com que quebrássemos esse enguiço que parecia não ter solução.
Como é que a Árvore se encontra em termos de relações interinstitucionais, nomeadamente, com a Câmara Municipal do Porto? Há, ou não, apoios da autarquia?
Tem havido apoios. Numa altura em que surgiram algumas dificuldades não foi possível tê-los. Agora, há boas relações com a autarquia. Tivemos um período menos interessante, mas a Árvore tem a sua vida e a Câmara tem a dela. A verdade, é que tem havido alguma mudança de atitude da autarquia em relação à nossa cooperativa. A Árvore manteve-se, mantém-se e manter-se-á sempre fiel ao seu espírito.
“MATOSINHOS É UM EXEMPLO PARA O PAÍS PELO QUE TEM SIDO FEITO NA CULTURA”
Como matosinhense. A sua terra está no bom caminho em termos culturais?
Acho, sinceramente, que Matosinhos é um exemplo para o País pelo que tem sido feito na Cultura, disso não tenho qualquer tipo de dúvidas! E não estou a dizer isto por ser de Matosinhos. Nasci em Matosinhos e vivi lá até aos 23 anos. Tenho um amigo que disse que eu era um matosinhense em peregrinação. Eu era muito amigo do Guilherme Pinto. Não tenho tanta proximidade com a atual presidente da Câmara, Luísa Salgueiro, mas tenho proximidade com o vereador Fernando Rocha…
… por sinal, fomos camaradas de redação no ‘Primeiro de Janeiro’…
E também era amigo do José Manuel Luís da Fonseca, antigo vereador da Cultura. Esse foi meu colega no primeiro ano do Liceu, somos da mesma idade. Tenho, portanto, uma ligação muito forte com Matosinhos. Sou uma pessoa de memórias. Sou uma pessoa que se alimenta desse tipo de relação das pessoas que conheci, com quem vivi, e dos objetos, e dos trajetos, dos cheiros e de tudo isso… Matosinhos, está assim, dentro de mim e eu por dentro de Matosinhos.
Matosinhos é, para si, uma terra de emoções?!
É! É uma terra especial. Nasci lá. A minha avó era professora primária e lecionou no Bairro dos Pescadores. Ela era professora das raparigas. Eu andei lá na primeira, segunda e terceira classe, por isso, recordo os cheiros…
Muita miséria na altura?
Alguma, sim. Vivia-se com dificuldades.
“ESTA CRIANÇA DEVE SER ENCAMINHADA PARA AS BELAS ARTES…”
E a pintura nasce quando?
Desde muito cedo comecei a ouvir as pessoas a dizer ‘lá está ele a desenhar’, e enquanto os outros miúdos iam brincar, eu divertia-me a fazer desenhos. A minha mãe emigrou muito cedo para França, nos anos sessenta, e eu fiquei a viver com a minha avó, na casa onde nasci. Como chumbei no primeiro ano de Liceu, ela como tinha uma pessoa conhecida no Colégio das Caldinhas, conseguiu que eu lá entrasse, e lá fui eu para as Caldinhas.
Os jesuítas, que são o que são, são, são, contudo, uns tipos espertos: já em 1967, fizeram teste psicotécnico – ninguém falava nisso nessa altura –, e nas conclusões finais – isso foi como que um salvo-conduto para a minha vida – lia-se: “esta criança deve ser encaminhada para as Belas Artes”, porque uma das provas era de Desenho, e a conclusão foi a que atrás referi.
Por acaso, eu era vizinho de Augusto Gomes, que é um dos grandes pintores de Matosinhos. A minha avó só dizia que ele era um artista, mas não tive a noção da grandeza daquele homem. Eu também era miúdo! Pensava assim: vou ser pintor? Ou vou para desporto, ou para qualquer coisa… por acaso, calhou bem, e fui para a Escola de Belas Artes. Depois de acabar a Escola a minha vida começa a passar por aqui e por aqui me encontro…
22mai23
Obs: Devido a questão de saúde, que levaram ao internamento (durante o mês de junho) do jornalista e diretor do ‘Etc. e Tal’, José Gonçalves, só foi mesmo possível a publicação desta entrevista neste 04 de julho de 2023.
Pelo facto pedíamos desculpa, mas também compreensão, ao nosso convidado, que nos recebeu de forma muito cordial e simpática na ‘sua’ cooperativa Árvore.
04jul23



















