José Manuel Tavares Rebelo / Tribuna Livre
“Em 2230 estávamos no ano 190 da fundação do Império Lusitano. Nesse ano, o Império Português era uma das três potências mundiais. As outras duas eram os Estados Unidos e a Confederação dos Estados Europeus. Estava-se à beira duma guerra: a Confederação dos Estados Europeus e os Estados Unidos da América – potências feministas – pretendiam que fosse dada à mulher portuguesa predominância na gerência do Estado. De acordo com o governo do império português esta exigência constituía um atentado à nossa soberania. A guerra estava prestes a começar”.
Esta mirabolante história consta dum romance de ficção científica cujo autor é Amílcar de Mascarenhas, com o título “AD 2230”, editado em 1938 pela Parceria AM Pereira, Lisboa. Li-o quando tinha 16 ou 17 anos. Trata-se dum clássico da ficção científica nacional, influenciado pela ideologia do Estado Novo vigente por aqueles anos.
Há dias encontrei-o, no meio da confusão dos meus livros e folheei-o, achando graça à imaginação do autor, cujo terror principal era o poder feminino.
Em 1985, tivemos como primeira-ministra uma mulher, de grata memória, uma cristã com elevado espírito de missão, pelas suas preocupações sociais e paixão pelo bem público, Lourdes Pintasilgo.
Em 2011, o prémio Nobel da Paz foi atribuído a três africanas – Ellen Sirleaf, presidente da Libéria, Leymah Gbowee, activista liberiana dos direitos humanos e Tawakkul Karman, activista iemenita pelos direitos humanos.
Contudo, no meu entender, as pessoas têm ou não têm qualidades para exercerem cargos públicos ou privados, independentemente de pertencerem ao género feminino ou masculino. Por isso acho ridícula a pretensão de alguns bloquistas frenéticos de ser mudada a designação do Cartão do Cidadão, por esta palavra, alegadamente, só abranger homens… Parafraseando Jorge Palma: “Deixa-me rir!”
A trama de Amílcar de Mascarenhas, de carácter hoje anedótico, reflecte uma ideologia em que o género feminino tinha os seus direitos cívicos coartados.
Os exemplos atrás enunciados dão nota de quatro seres humanos, neste caso mulheres, que pensavam/pensam nas pessoas enquanto pessoas e não enquanto números.
Houve, de facto, uma evolução muito positiva de 1938 até 2016, na consolidação dos direitos cívicos e de cidadania, muito embora com anos terríficos actos de barbárie e mortandade em muitos pontos do globo, que perduram, como pontos negros no mapa do nosso planeta.
Mas, nestes 78 anos, houve de facto uma evolução positiva nas mentalidades, reflectida nas leis e constituições da maior parte das democracias.
Em 2016, e referindo-me apenas ao continente europeu, torna-se difícil vislumbrar líderes que se preocupem com o bem-estar das populações. Só existe a preocupação, para não falar em obsessão, pelos números, pelas décimas e centésimas, pelos milhões que há que poupar para pagar a dívida…
Apraz-me identificar dois líderes europeus que, na minha opinião, se estão borrifando para o bem-estar dos povos europeus, sobretudo os mais pobres: Christine Lagarde e Jean-Claude Juncker. Ou devo dizer “líder fêmea” e “líder macho”?
As pessoas, eu, tu, nós, estão ausentes desses cérebros contabilísticos.
Não houve ninguém, até hoje, que tenha dado uma explicação cabal sobre o porquê desta situação, quem a causou.
Porém, já que se chegou a ela, há que aproveitar para criar uma nova humanidade, mais justa, mais solidária, mais fraterna, o que implica uma mudança radical de atitudes no nosso relacionamento e nas nossas prioridades pessoais, políticas, sociais.
O importante, senhores que mandam, são as pessoas, as pessoas, as pessoas. O importante são as crianças, os jovens, os idosos, as famílias.
O importante são as pessoas, as pessoas, as pessoas!
Talvez um dia duas mulheres por quem nutro grande admiração (e refiro qualidades pessoais e não políticas) – Assunção Cristas e Mariana Mortágua – dêem as mãos para aqui construírem um Império da Fraternidade, exemplo da nossa Pátria para o mundo. Ou os filhos delas…
Foto: Pesquisa Google
Obs: Por vontade do autor, e de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
01jun16
