Carmen Navarro
Fiz da noite a rosa
As mãos do pecado
No tempo da rosa
Sorrindo a teu lado
Falei-te por mim
Ouviste por ti
E os ramos surgiram
Depois que te vi
As mulheres da noite
Rasgaram as luas
E eu e tu fugimos
Por todas as ruas
Olhaste o meu rosto
Marcado pela fama
E abriste o teu peito
No fogo e na chama
Pedaços de rosa
Beijaram a cama
Que dói por que dói
Quando o amor nos chama
Pedaços de rosa
Beijaram a cama
Fiz do nosso dia
Depois da partida
Um lago desfeito
Onde deixei a vida
Que a vida eras tu
Os campos da história
Abrindo esta rosa
Chamada memória
Falei com amigos
De ontem como hoje
Chamando o teu corpo
Que em meu corpo foge
E a mãe que eu já tive
Abriu-se no mar
Para que o meu amor
Se fosse deitar
E a rosa era a noite
E a noite era a o dia
Rasgando as palavras
Que ninguém sabia
E a rosa era a noite
E a noite era o dia.
– Ah!… Esse Poema é meu…
“Eu sou um poeta. Maldito, mas poeta. Sou, também, ator. Incómodo, mas ator. Como ator, empresto. Como poeta, dou. Entre estas duas posições, vivo. Não represento nenhuma escola, porque não preciso de falar ao tempo do meu povo. Sou o tempo do meu povo! Se algum mérito possui, é o de não ser intelectual partido, para intelectuais de partido. Canto como sei e sei como sinto. Não dou respostas convenientes, porque – felizmente, sou inconveniente. Entre o homem chateado e a criança maravilhada, rasgo o tempo que possuo. O mais que queiram ver, em mim, é estrume de animal que mastiga a comida que não merece e que o povo paga.”
Que Povo é este, que Povo,
Que compra os rios que tem?
Que vende a terra pequena
E não sabe donde vem?
Que Povo é este, que Povo,
que respira sem garganta?
Que chora porque tem frio
mas não tem sol quando canta?
Que Povo é este. Que Povo,
que é poeta e se alimenta
de tanta maré vazia
no mar que ele próprio inventa?
Que Povo é este, que Povo,
que tenta um sonho esmagado?
…É o Povo de onde venho
todo por dentro amarrado!
Vasco de Lima Couto, nasceu no Porto em 26 de novembro de 1923,
Tinha 19 anos quando escreveu o primeiro livro de poemas “Arrebol”, que prenunciava já o estilo que havia de marcar toda a sua obra poética, com um «acentuado sensualismo expressivo na linhagem de um António Botto ou Pedro Homem de Melo, nostálgica, sentimental e plangente nos temas do amor e da morte».
AUTO – RETRATO
O que me atormenta
é não saber ver
o que está por dentro
de todas as coisas
de todos os seres
(só crio caixilhos
para os meus prazeres!);
é não ter palavras
para a natureza
que é sempre essa alma
lavrada em silêncio;
é estar sempre certo
de falar demais
cometendo crimes
de imaginação;
é não ter amigos
– por desatenção,
e não ter amor
– por pedir de mais!
É chegar à noite
com dia na alma
a fazer da lua
o sol que apetece…
e, principalmente,
o que me atormenta
é o que me esquece.
Poeta Vasco de Lima Couto, Sei que sempre gostou de refletir sobre as coisas do seu tempo. Pensou sempre muito na vida cultural e social do nosso país, principalmente sempre que se embrenhou nelas.Lembra-se quando em 1972, falava sobre o modo e a vida de ator?
– Claro que sim como se fosse hoje:
“O Teatro está cheio de espertos. Tanto lhes faz que seja assim como assado, e como isso a que chamam teatro lhes facilita os dias, eles vão de peça em peça, sem talento e sem religião. Depois, os que comandam esta anarquia da inteligência, que finge não querer atores porque lhes têm de pagar de acordo com a força do seu trabalho; preferem contratar amadores, com jeito ou não, que, ingénuos e incipientes, podem ser enganados.
– É verdade, vê-se bem nas telenovelas da TV …
– É! O resultado está à vista. Há peças que caem redondas porque não foram vestidas, só foram cobertas. O ator, hoje não pode ser só o hábil senhor que se movimenta e inflaciona, tem que ser, por dedução, a inteligência e a cultura de quem espera e a angústia coletiva de quem procura. A experiência só por si não chega. O ator tem que estar atento aos movimentos sociais da sua época mesmo quando pelas circunstâncias anormais da vida tem de transigir.
Mas não deverá nunca transigir servindo-se da benevolência idiota dos mecenas, porque esses – como dizia Afonso Lopes Vieira – entram na poesia como os camelos no jardim.
“Ninguém proíbe ninguém de ser inteligente!”
– É extraordinária a atualidade destas palavras no nosso panorama teatral. Infelizmente, mudou apenas uma coisa. Os medíocres, incipientes e amadores, continuam a encher os palcos dos nossos teatros (e, já agora, das nossas televisões), mas a receberem tanto ou mais de cachet, quanto os atores de qualidades comprovadas.
PRECISO DE ESPAÇO
Preciso de espaço
Para ser feliz.
Preciso de espaço
Para ser raiz.
Ter a rede pronta
Para o mar de sempre.
Ter aves e sonho
Quando a terra escuta.
E falar de amor
Aos tambores da Luta.
Ter palavras certas
No Sol do caminho
E beber a rir
O doirado vinho.
Misturar a vida,
Misturar o vento,
E nas madrugadas
Quando o povo abraço
Para estar contigo
Preciso de espaço.
Preciso de espaço
Para ser feliz.
Preciso de espaço
para ser raiz.
Caminhar sem ódio
Falar sem mentiras —»
Ter meus olhos longe
na luz de uma estrela,
E ser como o rio
Que se agita ao vê-la
Preciso de espaço.
Vasco de Limas Couto. Estreou-se nos palcos em 27 de Março de 1947 “empurrado” por Alves da Cunha. Percorreu todo o país em digressão falando de poetas e de teatro até que, em 13 de Março de 1951, ingressa na Companhia de Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro, para o elenco da peça “La Niña Boba”, de Lope de Vega, Vasco de Lima Couto representou em mais de 40 peças ao longo de toda a sua carreira, nunca acusando qualquer atitude de concessão ao “status” ou amolecimento das linhas mestras da sua personalidade criativa e, por vezes, revolucionária. Algumas das suas interpretações não serão esquecidas tão cedo”. Vasco de Lima Couto fez parte do grande e lendário elenco do TEP. O grande sucesso veio com o Mercador de Veneza de “Shakespeare” O êxito foi tal que ao sair de cena o público interrompia a representação com uma salva de palmas.
Homem de personalidade vigorosa e criativa e, por vezes revolucionário o que lhe trouxe alguma amargura.
Deixem-me viver,
Mas viver comigo.
Deixem-me sofrer,
Mas sofrer comigo.
Só a mim interessa
O que faço ou digo.
Se me querem mal
Riam-se de lado,
Mas deixem-me andar
A cantar no estrado,
Toda a minha vida,
Todo o meu amor,
Entre gestos, fartos
De queixumes lentos.
– E pra toda a gente.
Há milhares de ventos!
deixem-me sonhar,
Mas sonhar comigo…
Porque na voragem
Do meu sentimento,
Só a mim interessa
O que faço ou digo.
Vasco de Lima Couto, conhece África, por quem se apaixona. Em Angola, inicia uma série de programas na Emissora Oficial, como colaborador e assistente literário. Era o programa “Cantar de Amigo“, dedicado à divulgação da poesia portuguesa. Aí, “muitos dos que sistematicamente o ignoravam na crítica, na presença e na divulgação, eram citados sem qualquer ressentimento”.
Trava conhecimento com o jornalista João Aguiar, subchefe de redação do Diário Falado e produtor radiofónico. Este, leva Vasco de Lima Couto a interpretar na rádio uma adaptação do romance “Um Cântico para Leibowitz”, à altura com o nome, “A crónica de S. Leibowitz”. “O original gravado, um dos raros documentos que se salvaram depois da independência, é a amostra mais que convincente do grande talento e capacidade de um ator”.
Já foram puras estas mãos
Já tive ternas intenções
Busquei amor por toda a parte
Só encontrei desilusões
E quando em mim já nada resta
Que valha a pena aproveitar
Vens tu mulher também vencida
Com o teu amor p’ra me salvar
E assim desamparados os dois vamos seguindo
E a noite nossos vultos encobrindo
Vivemos sem vontade no tempo baloiçando
E o tempo nossas vidas vai queimando
Vasco de Lima Couto foi um homem de cultura. Grande Poeta. Ator, encenador declamador, homem de Rádio e desenhador. Em todas estas facetas foi o maior desempenhando todas elas com grande dignidade e profissionalismo sem nunca abdicar da sua liberdade. Vasco de Lima Couto escreveu imensas canções que ficaram imortalizadas nas vozes mais famosas do seu tempo.
“No princípio e no fim de tudo, estava a poesia. E à medida que o tempo foi passando, o “resto” foi ficando pelo caminho, como veste que se usa bem, mas que depois se larga – nem sempre por vontade própria, mas sempre com intima tranquilidade. Vasco de Lima Couto sabia que, através do tumulto emocional, ideológico e político, ele haveria de desentender-se com o pré estabelecido pois isso acontecera antes, acontecera sempre; e, como antes, como sempre, o pré estabelecido não lhe perdoaria e fechar-lhe-ia as portas. Mas sabia também que havia duas coisas que nunca ninguém lhe poderia tirar: Uma, a liberdade que lhe advinha de não ter nada para perder; a outra, a sua condição e essência de poeta.”
Disse-te adeus e morri
E o cais vazio de ti
Aceitou novas marés
Gritos de búzios perdidos
Roubaram aos meus sentidos
A gaivota que tu és
Gaivota de asas paradas
Que não sente as madrugadas
E acorda à noite, a chorar.
Gaivota que faz um ninho
Porque perdeu o caminho
Onde aprendeu a voar
Preso no ventre do mar
O meu triste respirar
Sofre a invenção das horas
Pois na ausência que deixaste
Meu amor, como ficaste
Meu amor, como demoras.
Disse-te Adeus e morri!
Vasco de lima Couto vem a falecer em Lisboa no dia 10 de Março de 1980. A Casa em Constância onde viveu, hoje é Casa Museu.
E muito ficou por dizer do grande Poeta Vasco de Lima Couto.
Foto: pesquisa Google
01mar18
CARMEN NAVARRO, gosta de lhe contar uma pequena estória
relacionada com este pominha do Vasco…
MÃE
Vasco de Lima Couto
Mãe não me importa
o que sofreste em mim.
Não importa
Só me importa os sonhos
Que rasgás-te a sorrir
Naqueles dias lindos
de menino a dormir
De tudo o que sonhás-te,
nada viste cumprido
Em nada sou aquele
Que pensas-te criar
Ficas-te pela maré
Sem munca ver o mar.
Mas a culpada é a vida Mãe
A culpada é a vida
que me deu este ser
Este olhar perdido na distãncia
e este amor violento.
Mãe já tentei ser melhor
mas o meu sonho é lento.