Cristóvão Sá-TTmenta
Nesta edição escrevo sobre o Fado Versículo. Criação do Mestre Alfredo Marceneiro, a partir do Fado Menor.
O termo versículo aparece muitas vezes associado e é mesmo usado nas leituras de textos sagrados. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa), dá como exemplos “Os versículos da Bíblia” e “Os versículos do Alcorão”. Segundo o Dicionário Houaiss, é também conhecido como sendo “uma pequena linha escrita”; “verso pequeno”. No velhinho (7ª Edição – 1939) Dicionário do Torrinha ficamos a saber que é uma “divisão de parágrafos ou artigos”.
O poeta Linhares Barbosa escreveu o poema do Fado Fracasso que é referenciado como um dos exemplos do Versículo do Mestre. Os primeiros versos daquele poema são:
Quando há bocado me viste
reparaste
Que eu trazia um ar cansado…
um ar doente
Eu ando cansada e triste…
e arrependida
De ter andado a teu lado…
ultimamente
Versículos são neste exemplo: reparaste, um ar doente, e arrependida, últimamente. A rima existe mas não é regular, no sentido de que não existe em todos os versos. Esta característica é melhor identificada se lerem todo o poema (disponível em https://fadotradicional.wixsite.com/fadotradicional/fado-menor-versiculo, em 19/4/18)
Em termos musicais, Marceneiro acrescentou um tempo (obrigado Zé Carlos Martins, pela dica), no Fado Menor, para que a/o cantadeira/cantador cantasse o versículo. No meu modesto entender, Marceneiro enriqueceu, e muito bem, uma estrutura musical de fado já existente, de forma a que os poetas pudessem aprofundar mais a mensagem da sua escrita.
Para o Versículo escrevi dois poemas, tendo privilegiado a existência de rima. Penso que em termos formais não feri o criador. Relevo que no segundo deles (Mais Dúvida), em cada quadra, há uma dupla rima: uma interna e outra para o versículo
Música: Fado Versículo (Alfredo Marceneiro)
Exemplo: Berta Cardoso – Fracasso (https://www.youtube.com/watch?v=ZGpVPoxNjR4)

Essência
Noite negra inclemente tempestade
Aquieta memória em turbulência
Quisera aurora mais e boa vontade
Para lançar dados da pura essência
Essência que enforma bela crisálida
Que cresce forte no casulo silente
Firme no quente seio do clã acolhida
Para explodir em flor resplandecente
Resplandecente ofuscando mentira
Da turba feito rebanho ululante
Silvando o látego se quer que fira
Corpos que dão e têm vivência errante
Errante poderá ser o cubo dos dados
Rolar dando soluções de soma nula
O fluir nos vasos como desejados
Pétala abrindo pior vida anula
Mais Dúvida
Terei eu também destino, a revelar
Ou serei o que fizer, duvidando
Dilema que desatino, a debelar
Serei vida que quiser, afirmando
Cantar o fado sem cor, dormente
Silencia som e verbo, sorrindo
Com ardor e mais calor, a gente
Grita, eleva a verve, aplaudindo
Quisera melhor cantar, a vivência
Deste Povo sem lamúrias, adormecido
Será inútil lutar, com cedência
Calando ira e fúrias, e reprimido
Quero sentida e som, cantada
Nos dedos raiva crescendo, mas contida
A minha voz firme tom, aluada
Ira nos dentes rangendo, e sofrida
Foto: pesquisa Google
01mai18