Menu Fechar

Carmen Navarro

No mês de Abril no dia 2 do ano de 1892, em Paris, há cento e vinte e sete anos, foi publicado o livro de poemas .

Um dos marcos da poesia portuguesa do século XIX, foi a única obra publicada em vida, do autor e é um autêntico testemunho biográfico. Que não só nos deu a conhecer a sua vida como a do seu tempo.

O editor livreiro Leon Vanier do Quartin Saint Michel que o editou, assim como outros poetas famosos franceses do simbolismo.

Editor em Paris

Foi reeditado em Lisboa, com algumas alterações feitas pelo autor, lançando definitivamente o poeta no meio cultural português. Ao referir-se ao seu livro, confessa: «É o livro mais triste que há em Portugal.» Poeta vanguardista da modernidade, foi considerado uma das mais importantes figuras do simbolismo em Portugal.

Numa família abastada, a cidade do Porto a 16 de Agosto de 1867, pelas cinco horas da manhã, na Rua de Santa Catarina, Nº 467, viu nascer aquele que viria a ser o grande poeta da saudade, da melancolia e da solidão.

António Pereira Nobre, mais conhecido por António Nobre, grande poeta foi um homem singular; combinava elegância com extravagância,

António Nobre, jovem

A vocação do escritor manifestou-se aos catorze anos, com o seu primeiro poema escrito datado de 20 de Maio de 1882.

A partir daí continuou a publicar em jornais e revistas. António Nobre  escreveu de forma nostálgica, triste e saudosista dum narcisismo pessimista, sempre próximo do mundo dos afetos, voltado para as pessoas simples, e as memórias da infância, descrevendo cenários pitorescos como em os “Poveirinhos”. Louvando os pescadores e o desejo de ser um deles, é de salientar o vocabulário coloquial e popular utilizado.

Poveiro

Poveirinhos! Meus velhos pescadores!
Na água  quizera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de trez cores,
Mestre da lancha Deixem-nos passar!

Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De há tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andaes no mar!

Ó meu Pae, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail-Irmão do «Senhor de Mattozinhos»!

No alto mar, ás trovoadas, entre gritos,
Promettermos, si o barco fôri intieiro,
Nossa bela á Sinhora dos Afflictos!

António Nobre, in ‘Só’ 

Depois de uma infância feliz passada em Trás-os-Montes, na Póvoa de Varzim, na Lixa e Leça de palmeira,  na Boa Nova, onde foi erigido um monumento da autoria do Escultor Barata Feio. Frequentou os mais elegantes Colégios da cidade do Porto. Em 1888 matriculou-se no Curso de Direito da Universidade de Coimbra, no entanto, não correu nada bem e assim decidiu rumar até Paris onde se matriculou na Sorbonne, onde se veio a licenciar. Aí contatou com os grandes poetas simbolistas da época e também conheceu Eça de Queiroz que já era Cônsul em Paris. Num modesto quartinho, escreveu os seus poemas do livro SÓ e que encontrou o seu editor 1892. “SÓ” é um marco na poesia portuguesa do século XIX.

No primeiro poema do livro , escreve sobre o seu nascimento e sobre a sua obra, dedicando-o a seus pais:

Memória

À MINHA MÃE AO MEU PAI

Aquele que partiu no brigue Boa Nova
E na barca Oliveira, anos depois, voltou;
Aquele santo (que ê velhinho e já corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu … O velhinho ainda cá ficou,
Mas ela disse : —« Vou, ali adiante, à Cova,
António, e volto já … » E ainda não voltou!
António é vosso. Tomai lá a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, o lua, o santo, a cobra!
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que o escrever…
Lede-o e vereis surgir do Poente as idas mágoas,
Como quem vê o Sol sumir-se, pelas águas,
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!

Ao quebrar correntes de poesia da sua época, SÓ foi muito mal recebido em Portugal. A Modernidade tem destas coisas e ele foi precursor psicologicamente da modernidade. Toda a obra é marcada pela lamentação e nostalgia, precoce sentimento da morte, qual príncipe da desventura. O seu pessimismo e a obsessão da morte estão presentes em:

Balada do Caixão

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte,
Ponteia e cose, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mognos, debruados de veludo,
Flandres gentil, pinho do Norte…
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vai a aborrecer,
Fui-me lá, ontem: (Era Entrudo,
Havia imenso que fazer…)
– Olá, bom homem! Quero um fato,
Tem que me sirva? – Vamos ver…
Olhou, mexeu na casa toda.
– Eis aqui um e bem barato.
– Está na moda? – Está na moda.
(Gostei e nem quis apreçá-lo:
Muito justinho, pouca roda…)
– Quando posso mandar buscá-lo?
– Ao pôr-do-Sol. Vou dá-lo a ferro:
(Pôs-se o bom homem a aplainá-lo…)

Ó meus Amigos! Salvo erro,
Juro-o pela alma, pelo Céu:
Nenhum de vós, ao meu enterro,
Irá mais dândi, olhai! Do que eu!

Paris, 1891

António Nobre

Quando regressou a Portugal o seu interesse era a carreira diplomática, realizou o curso para cônsul, ainda chegou a concorrer, mas devido à Tuberculose que já vinha minando a sua saúde, desde o término da sua licenciatura e assim, passa o resto da sua vida saltando de Sanatórios durante cinco anos de calvário. Viajou para a Suíça, Madeira e até à América, Nova Iorque e diversas outras cidades. Partiu de Lisboa a 12 de Maio de 1897 no Vapor D. Maria, no mesmo barco retornou a Lisboa, sempre em busca de cura que nunca aconteceu.

O vocabulário refinado dos simbolistas franceses encontrou uma outra forma de se manifestar no simbolismo da lusa gente, pois não abdicando desse mesmo vocabulário refinado que foi usado também, o discurso coloquial de António Nobre, de sensibilidade romântica e temperamento doentio, as suas raízes e convívio com as gentes simples e verdadeiras do norte de Portugal o moldaram.

A sua poética mostra influência de Almeida Garrett e de Júlio Dinis, e também veio a influenciar grandes nomes do modernismo português, como Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa, deixando uma marca na literatura…

Monumento a António Nobre

QUANDO CHEGAR A HORA

Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova à vontade,
Olhe: eu mesmo lh’a meço…

O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas…
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m’a venha elle abrir.

E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!

Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
De padres farão.

(…)

António Nobre, in ‘Só”

Faleceu pela manhã com apenas 33 anos de idade, em 18 de Março de 1900. Na casa de seu irmão que muito lhe queria, Augusto Nobre, reputado biólogo e professor da Universidade do Porto. Na Rua de Carreiros, S. João da Foz , (casa que foi demolida à pouco tempo) Era um dia triste e chuvoso as exéquias foram realizadas na igreja da Ordem da Trindade perante familiares e alguns amigos. Está sepultado em Leça da Palmeira, terra onde cresceu e foi feliz, após uma prolongada luta contra a tuberculose pulmonar encontrou a paz.

Homenagem Boa Nova

Ai quem me dera entrar nesse convento.
Que há além da morte e que se chama a Paz!

António Nobre, Soneto n°18, in .

 

Fotos: pesquisa Google

01abr19

 

 

 

Partilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.