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Juro, pela minha saúdinha!

 

Maria de Lourdes dos Anjos

 

Juro, pela minha rica saúde, que não entendo esta crise de que tanto se fala. Parece uma cena de teatro onde há aquela realeza falida que quer armar ao fino e convida muita gente para jantar “lá em casa” e, vai daí, diz ao senhor Manuel do talho que mande uma vitelinha para assar, muito tenra porque vai ter visitas. Na senhora Albina da peixaria, encomenda uns filetinhos de pescada grande, do alto, fininhos mas fresquíssimos, porque vai ter visitas.

À empregada a dias pede para dar a volta na dispensa e arranjar umas garrafinhas daquelas que ofereceram ao senhor engenheiro pelo natal, porque vai ter visitas. Vai ao cabeleireiro. pinta as unhas a dizer com o batom, escolhe a farpela porque vai ter visitas. Manda fazer uns arranjos de rosas com uns verdinhos, tudo simples mas muito bonito porque vai ter visitas.

Duas de letra 01 - 01fev13

E chegam as visitas. Risos, sorrisos, olhares de esguelha, cumprimentos, larguras e alturas, comentários sobre a separação e as dívidas da Locas Mello e Paiva e do Zé Pinto e Seabra. Tudo ótimo. Lindo. Chique. mas…juro pela minha saúdinha que isto é mesmo assim… no final do repasto onde nada faltou, onde até se comeu aquela bavaroise de xuxu feita pela tia Nocas, faltaram, não havia palitos!

Pois, é no poupar que está o ganho e nem pensar em gastar dinheiro, um dinheirão, na compra de uma caixa de palitos. Também é coisa feia palitar os dentes em público e, depois, há muita gente com palitos e nem se importa nada com isso. Pode emprestá-los aos amigos que deles precisem. É giro, pá! Juro, que isto se passou mesmo, à séria, minha querida!

 

Juro, pela minha saúdinha, que isto é uma caca muito mal cheirosa mas é, verdadeiramente, caca à portuguesa!

Chama-se a economia do palito. É tal e qual como nas empresas onde uns tantos até são senhores com direito a um cartão para pagar as meninas acompanhantes e uns outros ganham menos do que a tabela salarial em vigor, porque estamos em crise. Economia do Palito!

Pois, eu juro, pela minha saúdinha, que fico de boca aberta com estes acontecimentos. Juro. Mas há mais caca para além da crise.

Lembram-se de há uns tempos atrás, um senhor que já tem idade para ter vergonha e juízo, gozando o pagode, seguia a mais de 2ooKm por hora, numa autoestrada, num carrito topo de gama, com motorista e gasolina pagos pelos pacóvios!?

Pois, eis que de repente, repentinamente, aparece um senhor agente da autoridade  que pimba…toca a passar a fatura.

Este tal senhor, octogenário e culto e rico e por tudo isso, com responsabilidade acrescida, riu-se e informou que não tinha importância, que podia autuar à vontade porque, seria o Estado a pagar! Todos nós! Juro pela minha saúdinha que foi verdade.

 

O mesmo senhor, há uns dias atrás, teve o azar de se sentir com uma diarreia numa unha e vai daí, entra num hospital privado da capital, sim, porque  os amigos são para as ocasiões e o pagode não percebe patavina, é burro que nem uma porta. Esteve por lá uns dias largos porque a unha ainda tinha alguma caca. Nada de “facilitanços” porque os tansos pagam.

O Estado paga tudo meus senhores e minhas senhoras! O Estado, mesmo com as coisas em mau estado, ainda é um Estado que se preza e cumpre, escrupulosamente as suas obrigações perante os mais fortes.

O  lorde tratou-se e curou-se e regressou a casa uma semanita depois mas, com a unhita curada.

Pois, mas eu juro pela minha saúdinha que, qualquer  portuga, um tanso normal, não pode ficar no hospital assim até sair a caca toda.

 

Mal acaba de fazer uma cirurgia de coração aberto, feita por profissionais excelentes, onde tudo corre lindamente, ao ponto de terem todos direito a uma salva de palmas, é claro que vai direitinho para os cuidados intensivos. Tudo certo. Tudo excelente. Mas, passados apenas dois dias e meio, com a mona ainda zonza e a nova válvula ainda fresquinha, sem forças para dar uma mijadela de pé, o portuga tem alta e vai para casa com meia farmácia às costas, e quase se vê obrigado a arranjar um curso rápido de enfermagem, assim tipo Relvas para se tratar no domicílio.

A cama faz falta, os lençóis também e os serviços agradecem a saída rapidinha. Apenas mais uns dias com os cuidados de quem sabe e no sítio certo, e tudo seria melhor que ótimo mas com a economia do palito tão em voga até nos hospitais, juro pela minha saúde, que me apetece dizer que este país só é bom para um jantar com uns amigos em casa dum imperador qualquer, mesmo que faltem os palitos.

 

Por essas bandas, o Estado paga, e a caca tem outro cheiro.

Tenho passado longas e penosas horas em hospitais do Porto e de Gaia, Por lá, encontrei gente excecional. Vi profissionais do melhor que se possa imaginar. Abracei dois cirurgiões de cardiotorácica com lágrimas de reconhecimento e alegria, mas, em nenhum deles, senti força para lutar peito a peito com os trafulhas que gerem este nosso país. Também não me pareceram príncipes da treta ligados á economia do palito mas  não fazem milagres, porque são seres humanos nem fazem leis porque não são políticos

Juro que o que vos conto é mesmo verdadinha. Estou furiosa com estas diferenças de classe sem classe nenhuma e com estes diferentes tratamentos que nos fazem suores  frios. Mas sinto-me muito orgulhosa com este Norte onde continua a viver uma outra gente com sotaque e alma.

 

Até morrer ficarei agradecida a todos os que, com o seu trabalho, honram os serviços de cardiologia do Hospital de Santo António (Porto) e de Cardiotorácica do Hospital Santos Silva (Gaia).

Estou feliz por terem segurado, nas vossas mãos, o coração do meu companheiro. Sois fantásticos. Juro pela minha saúdinha!

 

AO DR. ALBINO AROSO

Duas de letra 02 - Albino Aroso -01fev13

 

Porque, hoje, poucas mulheres sabem o que fez por elas, antes de terem nascido…

No rosto há marcas do tempo vivido
Há um olhar atento e sereno
Há um sorriso franco e aberto.
Nas mãos há movimentos mansos
Há palavras que não querem ser lidas
Há um fluir de saber  e confiança
Há um perfume suave de esperança.

Na alma a generosidade incomensurável
De quem acredita que a harmonia é possível
E a coragem de desafiar poderes instalados
Com gente bolorenta em gabinetes dourados.
No coração, a força de um planeamento para a felicidade
Com um projeto de amor feito de firmeza e maior idade.

Traçou um caminho donde nunca se afastou
E saiu vencedor das lutas que travou
No meu País, não há céu, nem mar, nem chão
Para um Ser Humano de tamanha dimensão.
É uma Alma nobre e brilhante
É um Homem simples e generoso
É um Guerreiro, um Gigante
Albino Aroso,
É o seu nome!

e salvou-me a vida no longínquo ano de 1977…

Eternamente grata no meu coração 

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3 Comments

  1. M.L.O (Porto)

    Um médico, como é o caso, defende o seu paciente. O problema não está no nosso trabalho de dedicação à vida. Está em outras coisas; coisas que nos ultrapassam, e muitas das vezes, nós é que levamos com elas na cabeça. Como dizia o outro: vocês sabem do que é estou a falar!

  2. Lourdes dos Anjos

    MARIA ROSA, obrigada pelo seu mimo.É bom saber que alguém percebe até o que falta entre algumas palavras porque nem tudo se diz, sobretudo uma carreirada de nomes feios que alguns MENINOS bonitos merecem ouvir… assim, à moda do PORTO, com todas as letras.Estamos todos tão fartos de reis e duques e condes que só comem o que nos roubam e ainda riem da humildade que nos cala e do medo que nos veste a alma.VÃO GOZAR A SENHORA QUE OS PARIU!

  3. Maria Rosa (Porto)

    Cara Sr. Maria de Lourdes

    Eu sei o que a senhora está a passar! Tudo o que diz é verdade e é revoltante. A minha história é idêntica à sua. Sei que não se pode perder a coragem de lutar, mas tudo tem limites. Eles, os outros, não sabem que há limites. Força.

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